CONTOS CLARICIANOS E MACHADIANOS SOB O OLHAR EXISTENCIALISTA

Resumo: Este artigo apresentar um estudo sobre dois contos de Machado de Assis: Cantigas esponsais e O machete; e dois contos de Clarice Lispector: O corpo e ele me bebeu. Destacando personagens específicos de cada conto, estes foram estudados sob um mesmo víeis da Corrente Existencialista de Heidegger e Jean-Paul Sartre, mas utilizando a visão subjetiva que Clarice. A análise de tais personagens, como se pretendia, mostrou que existem diferenças entre os protagonistas dos contos de Clarice e dos contos de Machado, quanto ao estado de felicidade/infelicidade.

Palavras-Chave: Machado de Assis; Clarice Lispector; existencialismo.

Abstract: This paper present a study on two short stories by Machado de Assis: The Songs betrothal and machete, and two stories by Clarice Lispector: The body and he drank. Highlighting special characters specific of each tale, they were studied under the same away of Current Existentialist Heidegger and Jean-Paul Sartre, but using the see subjective of Clarice. The analysis of such characters as intended, showed that differences there is Between the protagonists of the tales and fairy Clarice Machado, considering the state of happiness / unhappiness.

Keywords: Machado de Assis, Clarice Lispector, existentialism.

Introdução

Embora Clarice Lispector (1926-1977) e Machado de Assis (1839-1908) sejam de épocas diferentes é possível fazer comparações entre os diversos elementos narrativos presente nesses contos. Em especial, neste trabalho, destaca-se a figura dos personagens que são estudados a luz da Fenomenologia Existencial de Jean-Paul Sartre (1905-1980). Nesse sentido, ao ser comentados os contos de Clarice e de Machado serão levados em conta o estado concreto e psicológico de vida que mostra a angústia e a felicidade diante dos projetos, limitações e problemas experimentados pelos pelas personagens. Tendo esse quadro como analisável e sabendo que tanto na ficção do autor quando da autora a angústia é algo presente, admiti-se hipoteticamente que a felicidade está mais presente em relação às personagens de Clarice, uma vez que é o interrelacionamento com o mundo que propicia esse estado. Ao posso que os personagens machadianos se isolam em si mesmos sofrendo as consequências disso, ou seja, a infelicidade.

1. O Existencialismo

O Existencialismo teve início com Martin Heidegger (1889-1976) em que se discutia a angústia do homem, inevitavelmente fadado à morte. Esse assunto foi retomado por Jean-Paul Sartre (1905-1980), que pelo nível de suas discussões, tornou-se um dos grandes filósofos existencialistas em sua época. Sartre tinha um pensamento ateísta, defendia a liberdade de consciência, estando essa voltada para o mundo. Dessa forma, livre de todo o pensamento abstrato e mitológico o homem passa a ser construtor de seu próprio destino. Ele afirma também que o Existencialismo é um Humanismo, porque uma vez que o homem está ciente do mundo em que vive: um mundo onde o significado das coisas é gratuito; onde, em contato com o ente e com os seres, não é capaz de dar nenhuma explicação acerca deles; onde não se consegue explicar a própria existência; onde, sabe-se que a morte é inevitável; Ora, é exatamente a conhecimento dessa situação que faz com que a vida perca o sentido, necessitando assim de buscá-la de alguma forma. É nesse sentido que a Náusea de Sartre se compara angústia de Heidegger (REALE, G. & ANTISERI, 2006).

1.1 Características centrais das obras de Clarice Lispector

Clarice Lispector (1925-1977) escreve suas obras sob o viés existencialista de Sartre, porém, emprega nesse viés filosófico sua subjetividade, razão pela qual entrou conflitou com o pensamento do autor. Isso pode ser constatado na seguinte citação a própria autora: “[...] Perco a identidade do mundo em mim e existo sem garantias. Realizo não o realizável, mas o irrealizável, eu vivo e o significado de mim e do mundo não é urgente. É fantástico” (C. Lispector, 1973). Segundo Clarice, mesmo com a angústia proporcionada pela situação existencial é possível ser feliz, quando o indivíduo vive experiências profundas com o mundo. Essas experiências se baseiam em reconhecer o outro como “ente”, necessitando, para isso que a pessoa perca códigos para ganhar novos códigos. Esse processo faz com que a pessoa acorde ou tenha, aquilo que a autora denomina “epifania” ou “sveglia”. Ao viver esse momento, um paralelo entre a vida anterior e o novo direcionamento acontece a náusea nas personagens claricianas, porém diferente da náusea da obra de Sartre, porque é como se fosse um alívio, é necessário colocar o que faz mal para fora a fim de viver a nova experiência, embora não seja uma superação da fase anterior, mas uma sublimação.

1.2 Características centrais das obras de Machado de Assis

As personagens machadianas podem ser entendidas na seguinte citação de Garbuglio:

O problema do desencontro é fundamental na formulação e interpretação do homem, machadiano. ‘Mal entendido original’ ou portador de tal atribuição, ele ganha estatuto centralizador da vida social e individual e se transforma em guia e desgoverno da criatura, para fazer do homem e joguete de sua tessitura (GARBUGLIO, 1982).

O estudioso mostra como se comportam os personagens na obra ficcional de Machado, a importância disso e a forma como ele chama a atenção dos leitores para a fixação nas ações de suas personagens. Isso porque elas nem sempre são o que aparentam, mas Machado as apresenta como se usassem máscara em relação à realidade aparente, fazendo-as, na verdade, como inconsistentes e cindidas entre o homem exterior e o homem interior. A cisão das personagens faz com que o leitor veja que, assim como essa forma de apresentá-la tem um caráter central, todo o cenário que a envolve torna-se também importante e significativo para a compreensão do texto, uma vez que, o homem exterior participa de uma vida social intensa. Em seus contos e romances, Machado não podia deixar de explorar psicologicamente seus personagens face ao realismo, ao objetivismo e ao cientificismo marcantes em seu tempo.

2. Análise dos contos

No conto O corpo (lésbico) de Clarice Lispector, a autora faz o seu leitor de cúmplice do preconceito social que ela quer mostrar: o modelo de uma sociedade patriarcal simbolizado no esquema onde Xavier domina sobre duas personagens com as quais vive: Carmem e Beatriz. Porém, à medida que o conto vai sendo narrado, percebe-se que o relacionamento homoerótico vivido por elas vai se tornando amor verdadeiro, elas vão se livrando do preconceito social até assassinarem a Xavier, símbolo desse preconceito. Nota-se que tudo isso acontece com muita frieza e sem nenhum tipo de remorso. Além disso, elas nem foram presas pelos policiais, mas, ao final, foram viver suas vidas. Esse tipo de enredo em Clarice é muito comum, podendo-se traçar o seguinte esquema: ela fala do cotidiano; em seguida vem o momento epifânico; e por último a volta ao banal ou a espera de novas experiências epifânicas e, nisso, os personagens constroem e se reconstroem. O mesmo se pode constatar em ele me bebeu, quando Aurélia Nascimento, ao final do conto, notou que havia perdido sua identidade para Serjoca, seu cabeleireiro que é homossexual. Na medida em que Serjoca a maquiava e a produzia, ele a desfigurava e assumia sua personalidade, talvez por inveja. Aurélia chegou até a perder Affonso de Carvalho para Sejoca, algo que no conto jamais se poderia esperar dentro dos padrões sociais. Mas o fato é que Aurélia teve seu momento de epifania em que se renovou, renasceu, e foi viver sua nova vida, como sugere a autora pelo próprio sobre nome de Aurélia: Nas-ci-men-to.

Entretanto, quando se compara as personagens claricianas com as machadianas, nota-se logo a diferença entre elas. Machado usa em seu texto a imprevisibilidade em relações as personagens, além de explorá-las psicologicamente, causando no leitor uma surpresa, pois as personagens nunca são o que aparentam, é como se usassem máscaras, ou como se vivessem fendidos entre o homem interior e o exterior, dessa forma, nas mãos de Machado, eles são como um jogo. Clarice, ao contrário disso, explora suas personagens objetivamente, mostrando a consciência de cada uma no mundo e o interrelacionamento entre elas e os seres em favor do amor e da felicidade. Mas as personagens de Machado, não são assim, mas elas, porque têm a personalidade fendida entre o homem interior e o exterior, e, além disso, se isolam, têm o mundo a sua volta, mas estão sempre só, não vivem a experiência profunda com o mundo, e, assim, vivem em um estado de angústia e de infelicidade. Romão Pires, em Cantiga de esponsais, ao perder a esposa, não conseguia compor a peça que começara antes do acontecido. Com isso, ele não consegue mais traduzir seus sentimentos e viver o amor, tendo conseguido fazer isso apenas no final do conto perto de sua morte, quando viu os dois recém casados, felizes cantarolando as notas que faltavam para terminar a peça inacabada. Entende-se com isso que o que faltava para a conclusão de seu trabalho estava na vida daquele casal, era exclusivamente o viver para o mundo, experimentar o interrelacionamento, viver o amor, como as personagens claricianas. Outro personagem semelhante a esse é Inácio Ramos, em O machete, que interiormente está sempre descontente consigo, a troca de instrumentos sugere isso, mas exteriormente procura manter as aparências. No final, não conseguindo agradar nem a si e nem aos outros e tendo perdido a esposa para Barbosa, algo inesperado, como mais uma das surpresas de Machado, o conto acaba com Inácio em profunda melancolia.

Conclusão

Conclui-se desse estudo, portanto que há diferença entre as personagens de Clarice e de Machado. Por exemplo, em Clarice as personagens quebram as regras sociais em favor da felicidade, mas nas personagens machadianas, ao contrário, procuram dissimular a aparência para satisfazer às exigências sociais e vivem com isso um estado de infelicidade.

Referências

ASSIS, Machado. Obra completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1994.

AZEVEDO FILHO, D. S. De cantos, de fotografias, de (in) vocações, do obsceno e dos paucos...: ensaios literários. Espírito Santo: Edufes. (s.d.)

BOSI, A.; GARBUGLIO, J. C.; CURVELLO, M.; FACIOLI, V. Machado de Assis: Antologia de estudos. São Paulo: Ática, 1982.

LISPECTOR, C. Água viva. São Paulo: Ed. Círculo, 1973.

MORAES, A. Clarice Lispector: possibilidade e simulacros do sujeito. (s.d.)

REALE, G. & ANTISERI, D. História da filosofia: de Nietzsche a Escola de Frankfur. São Pauo: Paulus, 2006.

ROSA, M. de F.; SANTOS, R. Re-vendo “O corpo” (lésbico) de Clarice Lispector (s.d.).

APÊNDICE

Apêndice A – Os contos claricianos

O CORPO (lésbico)

ENREDO DO CONTO (SÍNTESE)

O conto o corpo (lésbico) está relatada a história de Xavier, homem que vivia com duas mulheres, Carmem e Beatriz e ainda transavam com uma prostituta. No conto pode-se perceber de forma clara como a ordenação das personagens constitui um sistema patriarcal e rígido admitido pela sociedade como aquilo que é correto de fato, em que ao homem é dado certos direitos que, ao contrário, a mulher esses direitos são subtraído. E assim, pode-se ver que ele tinha um relacionamento extra com uma prostituta no espaço privado; tinha relação com Carmem e Beatriz, e gostava de vê-las fazendo amor, homoeretico, porém à medida passaram a se amar de verdade não podiam vivier a homosexualidade plenamente porque Xavier as atrapalhava. Então elas o assassinaram de uma forma que não choca quem lê o conto. E assim foram viver suas vidas.

Quadro1: O corpo

Fonte: Autoria nossa

ELE ME BEBEU

ENREDO DO CONTO (SÍNTESE)

Em ele me bebeu, Clarice mostra a trama entre três personagens, dos quais Aurélia e Serjoca compartilham sua amizade e Affonso só entra depois ao fazer a gentileza de oferecer um carona aos dois. Serjoca é o cabeleireiro que produz Aurélia e grande admirador dela e de sua beleza, tanto que incorpora todos os seus traços, e à medida que a produz a desfigura. A confirmação disso é que quando ela se interessada por Affonso, perde-o para Serjoca, que também estava interessado por ele. O conto termina com um ar de insatisfação por parte de Aurélia, como se o que aconteceu fosse algo inconcebível, e uma renovação de si. Assim dentro do conto, observa-se diversos diversas situações que dizem respeito à existência do individuo, suas relações, suas mudanças e as conseqüências disso. Pode-se observar que Aurélia perdeu sua identidade e a renovou após a decepção; Serjoca ganhou uma nova identidade personificando-se em Aurélia; e Affonso, que é visto como másculo, o mais normal é que ele se interessasse por Aurélia, no entanto, ficou com Serjoca, ou seja, perdeu essa identidade diante da situação.

Quadro 2: Ele me bebeu

Fonte: Autoria nossa

Apêncide B – Contos machadianos

CANTIGA DE ESPONSAIS

ENREDO DO CONTO (SÍNTESE)

Em Cantiga de esponsais o personagem Romão é apresentado como um famoso maestro, onde o cenário descrito por Machado, o simbólico sugere isso, por exemplo, quando escreve: “o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro”, esse era um momento de glória, em que era admirado por todos. E embora todo o cenário fosse importante, Machado diz que se limita a descrever apenas Romão, o homem que rege a orquestra com alma e devoção. Porém, em face dessa realidade aparente interiormente havia uma tristeza que consistia em não conseguir terminar uma música, iniciada após seu casamento e interrompida pela morte da esposa, embora fosse tão renomado maestro. Se isso tem alguma ligação, Machado não deixa claro, mas o fato é que tudo isso torna Romão um homem contraditório.

Quadro 3: Cantigas esponsais

Fonte: Autoria nossa

O MACHETE

ENREDO DO CONTO (SÍNTESE)

Em O Machete Inácio Ramos, músico, aprendeu o ofício com o pai e dedicou-se a tocar rebeca, como um instrumento que lhe trazia inspiração. Certo dia ao assistir um concerto com violoncelo, apaixonou-se pelo instrumento e decidiu aprender a tocar, porém, tocava para si mesmo. Assim, a rebeca não lhe trazia o mesmo entusiasmo de antes, agora, era o violoncelo que traduzia o verdadeiro sentimento de sua alma. E assim, no decorrer do conto Inácio se mostra como um homem que não consegue se contentar e para agradar aos outros e a si mesmo sente a necessidade mudar de instrumento. A grande surpresa de Machado está no triangulo amoroso, muito comum em seus contos, em que na medida em que Barbosa se aproximou da casa de Inácio e tocava o manchete para entreter, trazia angustia a Inácio, que se via rebaixado com o violoncelo, e assim, sem condições de chamar a atenção nem mesmo de sua esposa, sentia-se mal por não agradar. Ao longo do conto, percebe-se como Machado deixa pistas com relação ao caso extraconjugal entre Carlotinha (sua esposa) e Barbosa, por exemplo, quando Inácio disse que queria aprender a tocar o manchete, ela riu ironicamente, anteriormente, cada vez mais ela se envolvia ao ver o músico tocar, ficou contente quando ele disse que ficaria um pouco mais. Nota-se, que à medida em tudo que isso vai acontecendo, a tristeza de Inácio vai se acentuando até culminar com a perda da esposa para Barbosa. Algo que se pôde perceber é a importância que Machado atribui ao cenário, e aqui, Inácio não consegue dissimular sua aparência exterior, mas se mostra o tempo todo angustiado, descontente e com uma inveja descomunal. O desfecho do conto mostra a angústia e a insatisfação de Inácio consigo mesmo ao extremo manifestada simbolicamente pelo violoncelo, quando ele diz é grave demais. Neste sentido, entende-se que Inácio termina mal com os homens e mal consigo mesmo.

Quadro 4: O Machete

Fonte: Autoria nossa