Gregório de Matos: Entre o Barroco e a Pós-Modernidade
INTRODUÇÃO
Este estudo visa analisar a poesia de Gregório de Matos que foi o maior poeta do Barroco brasileiro. Embora sua obra só tenha sido publicada no século XIX, extraídas de códices pertencentes a seus admiradores, o “Boca do Inferno” tornou-se uma referência para a nossa literatura. O assunto que motiva a realização deste ensaio é o paralelo que foi traçado entre a obra de Gregório de Matos e a estética modernista.
É pertinente abordar tais características, pois mesmo Gregório estando situado no contexto Barroco, ele já possuía nuances do modernismo provando que a literatura não pertence ao um tempo cronológico.
Objetiva-se com o presente estudo abordar as peculiaridades de um Gregório multifacetado no tocante ao que chamamos de fusão entre o Barroco e uma iniciação ao modernismo
O método da pesquisa utilizado foi o dedutivo, já que pareceu ser o mais indicado para esse tipo de trabalho, pois permitiu refutar e eleger dados que possibilitaram o desenvolvimento do estudo proposto. Os poemas foram analisados sob a perspectiva do estilo barroco e da vertente modernista/pós-modernista e embasado por teóricos literários que tratam da poética gregoriana. Além de ter como pano de fundo a teoria da Semiótica de Charles Sanders Peirce, que rege as atuais discussões no que tange os estudos acerca da literatura.
Assim o estudo proposto neste trabalho configura-se sob a luz dos temas presentes na obra de Gregório de Matos pretendendo ser relevante no que se refere às pesquisas realizadas a partir dessa temática.
A Estética Barroca
O Barroco é conhecido sob diversas denominações, nem todas muito precisas: conceptismo, cultismo, culteranismo (Espanha e Portugal), marinismo (Itália), gongorismo (Espanha), eufuísmo (Inglaterra), silesianismo (Alemanha), e preciosismo (França). Na literatura luso-brasileira, a figura mais importante é a do Padre Antônio Vieira; e Gregório de Matos é o nome mais lembrado na poesia barroca brasileira.
O Barroco nasceu sob a inspiração da contra-reforma, e se desenvolveu nos séculos XVI (segunda metade), XVII (período áureo), e XVIII (decadência).
Um período em que o homem busca a união entre espiritualismo com o humanismo. A tentativa de harmonizar essas tendências acendeu a tensão, tão peculiar ao estilo, e as contradições próprias a uma tendência que ora festeja a razão, ora a fé; ora o sensorial, ora o espiritual. Afrânio Coutinho identifica no homem barroco a saudade de uma religiosidade de outra época, induzida pela Contra-Reforma, com o objetivo de despertar nele ânsias de eternidade, num momento histórico em que já não lhe era possível negar os valores mundanos e desconhecer os apelo terrenos.
A designação “Barroco” surgiu para denominar acontecimento de arte considerados, pelos classicistas de então, confusos e extravagantes. Este nome foi-lhe dado com o objetivo de depreciá-lo, sendo Barroco o nome que se dá a uma pérola de superfície irregular. Os classicistas queriam que o termo apresentasse a conotação de algo pejorativo e irregular, pois o Barroco era visto por eles como uma degenerescência da arte renascentista.
Na arte, o Barroco apresentava ausência de clareza e elegância de linhas, assim como um uso exagerado de ornamentos. Na literatura, o barroco distingui-se pela abundância dos ornatos, pela elaboração formal – metáforas preciosas, jogo de palavras, antíteses e paradoxos, hipérbatos e hipérboles – pela intensificação dos detalhes, pela linguagem de conceitos singulares, de pensamentos preciosos.
A reformulação desse conceito e a conseqüente valorização da arte barroca foram feitas por Heinrich Wolfflin (Conceitos fundamentais da historia da arte), que desenvolveu um sistema, apoiado em cinco pares de conceitos, no qual estabelece uma contraposição entre traços renascentistas e barrocos. A partir da teoria wolffliniana, o Barroco passa a ser visto como um desenvolvimento, e não como uma degenerescência, do Classicismo. Estabelecidas às características próprias de estilo, sua avaliação a partir dos preceitos renascentistas perde a razão de ser.
René Wellek, ao conceituar seu estudo sobre o Barroco em literatura, não esconde suas preferências pelo conceito:
“A despeito de muitas ambigüidades e incertezas quanto à extensão, avaliação e conteúdo preciso do termo barroco ele tem desempenhado e continuará a desempenhar importante função. Situou de maneira bem clara o problema da periodização de um estilo irradiante: realçou as analogias entre as literaturas de diferentes países e entre várias artes. Continua, pois como o termo adequado para designar o estilo que surgiu depois do renascentista e precedeu o neoclassicismo (...) O Barroco é um termo de sentido estético que auxilia a compreensão da literatura do tempo e que concorrerá para romper a dependência da história literária para com a periodização derivada da história política social. Quaisquer que sejam os efeitos do termo (...), ele abre o caminho para a síntese, afasta nosso espírito da mera acumulação de observações e fatos e prepara o terreno para a futura história da literatura”.
Gregório de Matos
O poeta baiano Gregório de Matos teve uma vida muito tumultuada. Como filho de senhor de engenho, Gregório pôde estudar em Portugal, para onde se mudou aos 14 anos de idade. Lá passou 32 anos, prósperos e tranqüilos.
Retornou ao Brasil, em 1682, nomeado para funções na burocracia eclesiástica da Sé da Bahia. Durou pouco no cargo, do qual foi destituído em 1683. Iniciou-se, então, a última fase de sua vida. O casamento com Maria dos Povos, a quem dedicou belíssimos sonetos, não impediu a decadência, social e profissional, do Dr. Gregório. Ficou famoso em suas andanças e pândegas pelos engenhos do Recôncavo. Mais famosas ainda eram suas sátiras. Talvez por causa delas, foi deportado para Angola, em 1694. Pôde retornar ao Brasil, no ano seguinte, mas para o Recife, onde morreu aos 59 anos de idade.
Gregório de Matos Guerra ficou conhecido na história da literatura como o Boca do Inferno, por causa de suas sátiras e de sua poesia. Mas sendo um autor barroco e, portanto surpreendente e contraditório, esse mesmo Boca do Inferno também disse coisas belíssimas sobre o amor
Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem mesmo ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e mordaz, apelidaram-no de “O Boca do Inferno”.
Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Influenciado pelos mestres espanhóis da Época de Ouro Góngora, Quevedo, Gracián, Calderón sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava “as valentias desta musa”, coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais. Ficaram também cópias feitas por admiradores, como Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Por isso é temerário afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria. Entre os melhores códices e os mais completos, destacam-se o que se encontra na Biblioteca Nacional e o de Varnhagen no Palácio Itamarati.
As múltiplas vertentes da poesia atribuída a Gregório têm provocado a perplexidade dos estudiosos e alimentado uma longa polêmica. Entretanto, é nessa mesma multiplicidade que reside sua riqueza. As contradições entre os vários Gregórios de Matos é que desenham o seu perfil barroco: estilo baixo/estilo alto; o sublime/o grotesco; piedade, ascese, arrependimento/hedonismo (culto do prazer); reflexão, moralismo/poesia jocosa, sátira maldizente; idealização do amor e da mulher/amor carnal, pornografia.
É nesse contexto que Gregório de Matos está inserido, com sua poesia muito rica, que interessa não apenas por documentar a vida social do período seiscentista, mas pelo seu alto grau artístico.
Gregório de Matos é sem dúvidas o poeta mais enigmático e polêmico da literatura brasileira e, é dono de uma obra multifacetada.
MODERNISMO
Tendência vanguardista que rompe com padrões rígidos e caminha para uma criação mais livre, surgida internacionalmente nas artes plásticas e na literatura a partir do final do século XIX e início do século XX. É uma reação às escolas artísticas do passado. Como resultado desenvolvem-se novos movimentos, entre eles o expressionismo, o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo e o futurismo.
No Brasil, o termo identifica o movimento desencadeado pela Semana de Arte Moderna de 1922. Em 13, 15 e 17 de fevereiro daquele ano, conferências, recitais de música, declamações de poesia e exposição de quadros, realizados no Teatro Municipal de São Paulo, apresentam ao público as novas tendências das artes do país. Seus idealizadores rejeitam a arte do século XIX e as influências estrangeiras do passado. Defendem a assimilação das tendências estéticas internacionais para mesclá-las com a cultura nacional, originando uma arte vinculada à realidade brasileira.
A partir da Semana de 22 surgem vários grupos e movimentos, radicalizando ou opondo-se a seus princípios básicos. O escritor Oswald de Andrade e a artista plástica Tarsila do Amaral lançam em 1925 o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, que enfatiza a necessidade de criar uma arte baseada nas características do povo brasileiro, com absorção crítica da modernidade européia.
Em 1928 levam ao extremo essas idéias com o Manifesto Antropofágico, que propõe "devorar" influências estrangeiras para impor o caráter brasileiro à arte e à literatura. Por outro caminho, mais conservador, segue o grupo da Anta, liderado pelo escritor Menotti del Picchia (1892-1988) e pelo poeta Cassiano Ricardo (1895-1974). Em um movimento chamado de verde-amarelismo, fecham-se às vanguardas européias e aderem a idéias políticas que prenunciam o integralismo, versão brasileira do fascismo.
No tocante a literatura uma das principais inovações modernistas é a abordagem de temas do cotidiano, com ênfase na realidade brasileira e nos problemas sociais. O tom é combativo. O texto liberta-se da linguagem culta e passa a ser mais coloquial, com admissão de gírias. Nem sempre as orações seguem uma seqüência lógica e o humor costuma estar presente. Objetividade e concisão são características marcantes. Na poesia, os versos tornam-se livres, e deixa de ser obrigatório o uso de rimas ricas e métricas perfeitas.
Os autores mais importantes são Oswald de Andrade e Mário de Andrade, os principais teóricos do movimento. Destacam-se ainda Menotti del Picchia e Graça Aranha (1868-1931). Em sua obra, Oswald de Andrade várias vezes mescla poesia e prosa, como em Serafim Ponte Grande. Na poesia, Pau-Brasil é um de seus principais livros. A primeira obra modernista de Mário de Andrade é o livro de poemas Paulicéia Desvairada. Sua obra-prima é o romance Macunaíma, o Herói sem Nenhum Caráter, que usa fragmentos de mitos de diferentes culturas para compor uma imagem de unidade nacional. Embora muito ligada ao simbolismo, a poesia de Manuel Bandeira também exibe traços modernistas. Um exemplo é o livro Libertinagem.
O modernismo vive uma segunda fase a partir de 1930, quando é lançado Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade. Os temas sociais ganham destaque e o regionalismo amplia sua temática. Paisagens e personagens típicos são usados para abordar assuntos de interesse universal. Surgem ainda nessa época os romances de introspecção psicológica urbanos, como Caminhos Cruzados, de Érico Veríssimo. Numa linha mais intimista estão poetas como Cecília Meireles, autora de Vaga Música, Vinicius de Moraes, de Poemas, Sonetos e Baladas, Augusto Frederico Schmidt (1906-1965), de Desaparição da Amada, e Henriqueta Lisboa (1904-1985), de A Face Lívida.
A terceira fase do modernismo tem início em 1945. Os poetas retomam alguns aspectos do parnasianismo, como Lêdo Ivo, de Acontecimento do Soneto. João Cabral de Melo Neto, de Morte e Vida Severina, destaca-se pela inventividade verbal e pelo engajamento político. Na prosa, os principais nomes são Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão: Veredas, e Clarice Lispector, de Perto do Coração Selvagem.
Análise dos Traços do Modernismo Presentes na Obra de Gregório de Matos
Tendo em vista que já situamos o leitor ao contexto histórico e social em que Gregório está inserido, faremos então uma análise no que se refere aos pontos de encontro entre o poeta Barroco e a estética moderna/pós-moderna. É sabido que mesmo Gregório sendo um poeta pertencente da estética Barroca, ele traz em sua obra traços marcantes do modernismo, portanto podemos afirmar que Gregório mesmo estando situado na época seiscentisa, iniciou uma modernidade prematura.
Raimundo Lopes Matos, em sua obra voltada ao estudo da poética de Gregório de Matos, afirma que:
“O barroco rejeita, também, o princípio de obra fechada que, por isso deixa de fora o observador (...). Vale ressaltar que essa abertura iniciada nos séculos XVI e XVII pode servir como um embrião do texto do texto aberto e da recepção da obra, como a sua validação pelo leitor, assuntos abordados no contexto moderno/pós-moderno. (...) no Barroco vai prevalecer a claridade relativa, exigindo olhares múltiplos (...) olhares que procuram o todo coeso, mas também, as suas partes em movimentos visuais centrífugos, centrípetos e giratórios, simultaneamente. Esse princípio, respeitando-se as devidas peculiaridades, é retomado pelas vanguardas do início do século XX, em especial o cubismo. O Barroco faz opção pelo sonoro, polifônico e cromático, o que é sobremodo valorizado na era da internet (...) Finalmente, o Barroco enfatiza a efemeridade, pois tudo é passageiro. E, vale salientar-se, que, depois de séculos, o mundo passa a tocar, dançar e viver no ritmo da relatividade, reino do aqui-e-agora “.
Gregório é considerado o primeiro grande escritor a incorporar à sua produção não só temas – o retrato burlesco-satírico da cidade da Bahia colonial e de seus habitantes – mas também uma linguagem já “brasileira” proveniente de inúmeros coloquialismos, gírias, tupinismos, africanismos e expressões populares correntes na cidade da Bahia. Teria sido também o primeiro a expressar criticamente um sentimento nativista ou mesmo nacionalista, como é possível observar nos seguintes famosos versos:
Senhora Dona Bahia,
nobre, e opulenta cidade,
madrasta dos Naturais,
e dos Estrangeiros madre.
Dizei-me por vida vossa,
em que fundais o ditame
de exaltar, os que aí vêm,
e abater, os que ali nascem?
Se o fazeis pelo interesse,
de que os estranhos vos gabem,
isso os Paisanos fariam
com duplicadas vantagens.
E suposto que os louvores
em boca própria não cabem,
se tem força terá a verdade.
O certo é, Pátria minha,
que fostes terra de alarves,
e inda os ressábios vos duram
desse tempo, e dessa idade.
(Gregório de Matos)
Canto de Regresso à Pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
(Oswald de Andrade)
No poema de Gregório de Matos a locução “pátria minha” faz referência a forte ligação do poeta à terra baiana/brasileira. Trata-se não só de sua pátria, mas, igualmente, da terra dos familiares e amigos, isto é, trata-se da possessão comum e coletiva. Está presente no fragmento um traço pungente do modernismo, que é o apego a terra natal, características típicas dos manifestos Antropofágicos e da Poesia Pau-Brasil. Comparando os dois poemas podemos dizer que estão inseridos os elementos intertextuais e provam que as diferentes épocas dialogam através dos tempos. As noções de pátria contidas nos dois poemas dão conta de que Gregório mesmo sendo um poeta seiscentista, ele remete-se a uma noção que só será abordada muito mais tarde, no século XX. Portanto podemos afirmar que o modernismo resgata a noção de nacionalidade contidas nas obras de Gregório.
Alfredo Bosi em (Dialética da colonização, Companhia das Letras), assinala que na poesia de Gregório de Matos:
“O que está em jogo não é a forma irritada de consciência nacionalista ou baiana, mas uma rija oposição estrutural entre a nobreza, que desce, e a mercancia, que sobe”.
No que tange as inconstâncias e a efemeridade do tempo e das coisas, este assunto é retratado pelo poeta barroco assim como pela modernidade/pós-modernidade. No Barroco o poeta defende o carpe diem, o tema da fugacidade do tempo, da incerteza da vida, é desenvolvido por meio de um jogo de imagens e idéias que se contrapõem, num sistema de oposições: nasce x não dura; luz x noite escura; tristes sombras x formosura; acaba x nascia. O homem barroco tem consciência de que a vida terrena é efêmera, passageira, e por isso, é preciso pensar na salvação espiritual. Mas já que a vida é passageira, sente, ao mesmo tempo, desejo de gozá-la antes que acabe, o que resulta num sentimento contraditório, já que gozar a vida implica pecar, e se há pecado, não há salvação.
Nasce o sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, porque não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
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Começa o Mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância”.
(Gregório de Matos)
“... Gozai, gozai da flor da formosura”,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura..."
"Lembra-te Deus, que és pós para humilha-te,
E como o teu baixel sempre fraqueja,
Nos mares da vaidade, onde peleja,
Te põe a vista a terra, onde salvar-te..."
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
(Carlos Drumonnd de Andrade)
Carlos Drummond de Andrade faz parte da segunda geração modernista, cuja poesia é caracterizada pela sensação de estar-no-mundo. Esse texto representa a ausência de saída à qual José é submetido. Pode ser demonstrado pelo fim da vida ou pela incapacidade do homem de mudar, sob o peso de suas responsabilidades.
Neste poema percebe-se as inconstâncias e a fugacidade da vida e de suas perspectivas remetendo-se a uma ótica efêmera, já que tudo na vida de José agora é apenas um passado.
Segundo Massaud Moisés:
... a poesia é, em essência, a-histórica, a-narrativa,e a-geográfica. Na realidade, a poesia não se insere no tempo (embora escolha o tempo como tema), quer dizer não se prende às dimensões do tempo, não se apresenta numa ordem temporal, cronológica, com um “antes” e um “depois” (um “antes” e um “depois” que balizassem a ordem do tempo, não a ordem que as palavras se organizam no corpo do poema). Em suma: as emoções, sentimentos e conceitos que integram um poema ignoram qualquer sucessividade análoga à tempo do relógio, e apenas se arquitetam conforme um nexo psicológico ou inerente à própria substância da poesia, dir-se-ia um nexo emotivo-sentimental-conceptual. Daí que pareça mais participar do tempo psicológico, ou da “duração” bergosiana, que da cronologia histórica ou física”.
De acordo com o que foi citado por Massaud, é pertinente afirmar que mesmo a poética de Gregório de Matos estando inserida no contexto Barroco, ela é atemporal visto que a obra pode estar inserida cronologicamente em uma época, porém pode não pertencer a seu tempo. Verifica-se na poesia gregoriana características de uma modernidade prematura fruto da interculturalidade vivida pelo autor. Esta antropofagia cultural também aconteceu com os poetas modernistas, pois assim como Gregório, os artistas modernos também trouxeram, influências européias para o panorama artístico brasileiro.
Outro aspecto que mais uma vez prova que Gregório é um poeta muito à frente do seu tempo é o fato de que ele lança mão de uma poesia voltada para a estética do apelo visual. Sua tendência para a humanização do sobrenatural bem como a busca pelo efeito visual são as formas de expressão do ilusionismo gregoriano o visualismo do poeta manifesta-se na sua poesia descritiva.
Ao Desembargador Belchior da Cunha Brochado
Dou pruden nobre, huma afá
to, te, no, vel,
Re cien benig e apraz
Úni singular ra inflexí
co, ro, vel
Magnífi precla incompará
Do mun grave Ju inimitá
do is vel
Admira goza o aplauso incrí
Po a trabalho tan e t terrí
is to ão vel
Da pron execuç sempre incansá
Voss fa Senhor sej notór
a ma a ia
L no cli onde nunc chega o d
Ond do Ere só se tem memór
e bo ia
Para qu gar tal, tanta energ
po de tod est terr é gentil glór
is a a a ia
Da ma remot sej um alegr
Nota-se que no poema há uma desfragmentação na linguagem artística e uma diferente composição no seu arranjo, o que não era comum para a estética da época e que séculos mais tarde seria evidenciada pelos poetas concretistas.
Nos dias atuais podemos analisar este poema com a ajuda da Semiótica pois ele está voltado para as escolas concretistas, pós-concretistas, portanto não poderiam estar sendo estudadas pela antiga "lingüística" do código verbal, visto que a linguagem verbal era apenas uma "parte" do poema.
A semiótica, pelo seu trabalho com os códigos não-verbais, passou a vislumbrar os sistemas e suas composições, criando um discurso crítico pautado na metalinguagem e desconstruindo e reconstruindo a poética através de modelos estruturais.
O sentido faz parte do individual-coletivo do leitor, fecundando o que a arte tem de geradora no interior das assimilações e leituras, abrindo as possibilidades de interpretação.
CONCLUSÃO
Ao negar a centralização da palavra vigente, política e esteticamente, Gregório elimina as fronteiras entre os estilos literários, numa perspectiva que oscila entre o estilo Barroco e o Modernismo, traços estes que ratificam o espírito transgressor do poeta. Os poemas analisados apresentam o caráter circunstancial e efêmero. Tais textos resistiram ao consumo imediato e vêm perpassando séculos também pela presença de vários ingredientes literários como musicalidade, jogo de idéias e palavras, os recursos sonoros, polifônicos e cromáticos, as relações com o contexto histórico/estético da época, entre outros. Para o momento artístico do seu tempo, o poeta baiano foi além da recriação da realidade, porque fecundou o fazer poético na colônia.
Portanto é pertinente salientar que Gregório de Matos conseguiu ultrapassar o espaço e o tempo fazendo de sua obra algo extremamente contemporâneo, o que o legitima como um poeta sincrônico e inserido na modernidade/pós-modernidade.
Referências:
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1975.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
COUTINHO, Afrânio. Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro: Pallas, 1980.
MATOS, Raimundo L. (Org.). América Latina - Espaços Multiculturais. 1. ed. Varsóvia: CESLA - Centro de Estudios Latinoamericanos, 2004. v. 1. 125 p.
MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 12ª ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
WELLEK, René - Austin Warren. Teoria da Literatura. Lisboa, Europa-América, 1971.
WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais de história da arte. 2 ed. São Paulo: Matins Fontes, 1989.