A Cabana, de William P. Young
Teço aqui apenas comentários, sem pretensão de esgotar o assunto, sobre A Cabana, de William P. Young, porque me impressionou sua criatividade . Filho de missionários e formado em religião, o autor movimenta-se muito à vontade na trama, concebendo personagens completamente diferentes do que se aprende em qualquer religião.
A história de Mackenzie Allen Philips é narrada com graça, leveza, fluência, vocabulário e imagens apropriadas, riqueza de metáforas, frases bem-encadeadas e grande sensibilidade. Ela me faz refletir sobre questões absorvidas pelo meu imaginário e acredito que das pessoas, cuja discussão está restrita a teólogos e estudiosos das religiões (pelo menos é o que o penso).
Com 13 anos, depois de ser brutalmente castigado pelo pai (bêbado) durante quase dois dias, com uma cinta e versículos da bíblia, Mack sai de casa e nuca mais volta.
Já adulto e casado, um fim de semana leva seus filhos para um acampamento, e sua filha mais moça, Missy, é sequestrada e assassinada em uma cabana.
Uma tristeza infinita toma conta do coração do protagonista, além do complexo de culpa por não ter cuidado o suficiente de sua menina.
Passados quatro anos, ele recebe um bilhete supostamente escrito por Deus, marcando um encontro com ele na cabana, cenário do bárbaro crime que o abalou tão profundamente.
Mesmo desconfiado, ele vai. Primeiro encontra a cabana como a viu no dia em teve certeza da morte da filha. Quando ia embora, a paisagem transforma-se magicamente num lugar maravilhoso. A cabana restaurada. Intrigado, ele volta. Ao abrir a porta, surpreende-se. Depara-se com uma Trindade moderna e humana, que rompe com os estereótipos religiosos.
Deus se apresenta como uma mulher negra e gorda, que é a cozinheira da casa, cantante, dando boas risadas (lembrei-me de tia Nastácia, só que ela não era tão “enorme”). Mulher, negra e gorda, tipos marginalizados pela sociedade (e não aquele velho severo, de barbas brancas, ditando leis aos homens), dizendo do amor que sente pela humanidade, pedindo confiança nas horas difíceis e amor incondicional.
O Espírito Santo – Sarayu (Vento, conotaria Sopro?) aparece como uma mulher asiática, jardineira, vestindo jeans e blusa colorida, resplandecente. Não é a pomba branca com a qual nos acostumamos a conviver.
Jesus é um homem do Oriente Médio, carpinteiro, tem pouco mais de 30 anos (o único cuja idade foi mencionada, por ter sido homem), vestido como operário, de jeans e camisa xadrez, de feições agradáveis sem ser bonito, que ilumina com os olhos e o sorriso, destilando amor e bondade. Não é europeu, nem bonito, nem branco, nem tem os olhos azuis.
No livro, é flagrante o conhecimento do autor sobre a bíblia, da qual utiliza passagens conhecidas, como Jesus ter caminhado com Mack sobre as águas. Há debates sobre o perdão (“Perdão não é esquecer”), culpa, medo, instituições (igreja), religião, relacionamentos, expectativas, amor, confiança. Dele jorram emoções que se misturam com as que estão vivas no leitor, despertam as que dormem e instigam as quietas.
Depois de ler A Cabana, ficou-me a sensação de que realmente é muito difícil, senão impossível (pelo menos para mim) nos entregarmos a Deus incondicionalmente, sem julgamentos nem questionamentos como também o é vivermos o pleno exercício do “amar o próximo como eu o amei”.
Este encontro mudou Mack, mas quem não mudaria? Então eu me pergunto: como seria um encontro meu com Deus?
Mardilê Friedrich Fabre
Imagem: Google
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