Um olhar Literário da cidade

Um olhar literário da cidade

Uma análise literária da cidade de São Paulo do início do século XX sob a perspectiva do poeta Mário de Andrade.

Marcel Franco Lopes, Bacharelado em História

O presente artigo tem por objetivo analisar os aspectos positivos e negativos da cidade de São Paulo com o advento da modernidade, no século XX, a partir de um conjunto de poemas de Mário de Andrade.

A São Paulo do início do século XX está iniciando o contato com a modernidade, que explode nas principais capitais européias. Assim, trata-se de uma cidade que, aos poucos toma fôlego diante do fluxo intenso de inovações tecnológicas, culturais, enfim, em todas as formas sociais. É uma cidade que, ao mesmo tempo em que é inserida na modernidade, assiste em seu interior urbano, o modernismo salientar ainda mais as diferenças de classe, trazendo à tona a desigualdade. Vale à pena destacar, que o fluxo migratório é intenso nessa época, dada as condições de trabalho disponibilizadas nos campos e nas recém introduzidas fábricas, que necessitavam de mão-de-obra. Esses fatos desencadearam no aumento assustador do nível populacional da cidade.

Assim, tomando como base os poemas de Mário de Andrade, percebe-se uma alternância de sentimentos entre a “satisfação” proporcionada pelas inovações tecnológicas e o “medo” trazido pela velocidade com que essas transformações ocorrem e suas conseqüências para a sociedade paulistana. Essa satisfação é fruto do crescimento urbano, populacional, o que implica uma breve menção do poeta à Londres, o berço da modernidade, visto que, São Paulo a partir disso, cresce em todos os aspectos, até constituir, no final do século XX, na cidade mais importante do país, tal como Londres o era para o mundo.

Segundo Charles Baudelaire, o Modernismo ocorreu em duas linhas antagônicas, a Pastoral e a Antipastoral. A primeira diz respeito a um processo natural de modernização, ou seja, apresenta a modernidade como um fenômeno inevitável, que deve ser aceito, nele, há uma afinidade entre a modernização material e a espiritual. A segunda, no entanto, apresenta a modernidade como um fenômeno destruidor, que deve ser combatido antes que seja infeccioso ao redor do mundo. Tais visões aparecem nos poemas de Mário de Andrade, na medida em que, embora destaquem pontos da cidade de maneira mais específica, não deixa de apresentar as impressões deixadas pelos primeiros efeitos modernos, consistindo num diálogo entre as duas visões criadas pelo poeta francês. Embora a análise de Charles Baudelaire faça referência a Paris do século XIX, os efeitos em São Paulo são semelhantes, embora algumas décadas posteriores.

Segundo Gilberto Velho, a metrópole contemporânea, como é o caso da cidade de São Paulo no advento da modernidade, ao mesmo tempo em que passa por uma reorganização do estilo de espaço, na economia e política, ela está indissoluvelmente ligada aos modos de vida específicos de recortar e construir a realidade. Assim, Mário de Andrade constrói a sua análise da São Paulo moderna tendo contato direto com as transformações e conseqüências que ela traz. Portanto, constrói uma visão de mundo relacionada com o tempo, porque sua angústia não deixa de estar relacionada com as coisas boas de São Paulo pré moderna, espaço, pois percebe as transformações da cidade e suas conseqüências para o indivíduo, que por sua vez, ele mesmo está inserido nesse fluxo intenso de mudanças.

Ainda segundo Velho, a cidade se tornou o centro dessas mudanças, pois é uma produtora de sociabilidade e interação social, de modo genérico. A explosão demográfica, como resultante de transformações sócio-econômicas, com progressos médicos e sanitários, multiplicou às vezes em curto período de tempo o número de habitantes dos principais centros urbanos, como por exemplo, São Paulo. Além da migração citada no início desse artigo, outra facilidade foi a divisão social do trabalho, a criação de Leis Trabalhistas por Getúlio Vargas na década de 30, diante de um capitalismo em ascensão, alterou profundamente o modo de vida tradicional, produzindo alterações tanto no aspecto social, como no natural.

“Estes homens de São Paulo, todos iguais e desiguais, quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos...” (Os Cortejos, Mário de Andrade)

Por essa citação percebe-se a influência da modernidade diante dos homens da cidade, pois ao mesmo tempo em que eles são iguais, submetidos à mesma vida de trabalhador, rotina diária, são desiguais, pois pertencem a distintas classes sociais, portanto, possuem diferentes condições de vida. Portanto, estão submetidos às regras da modernidade, e à segregação espacial que dela se origina com mais intensidade.

A modernidade é um produto, entre outros fatores, das Revoluções Industriais e do próprio capitalismo, que, na verdade, é um efeito moderno do ponto de vista político-econômico. As mudanças que esses movimentos geraram não são homogêneas, na verdade, produziram o colapso de sociedades inteiras, na medida em que, umas se expandiram e outras enfraqueceram.

Novamente voltando a Baudelaire, da mesma forma que a modernidade traz benefícios ao ambiente urbano e ao poder econômico nacional, ela fere socialmente, pois, deturpa aspectos simbólicos da cidade para a implantação de outros símbolos mais modernos. Isso gera uma perda de identidade, que, nesse caso, é coletiva. A perda de identidade gerou atritos entre as autoridades e os habitantes da região, como por exemplo, a Guerra de Canudos e a Revolta da Vacina.

“São Paulo é um palco de bailados russos, sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes....” (Paisagem nº2, Mário de Andrade)

Percebe-se, por essa citação, a desordem deixada pelo advento da modernidade, a influência da ambição capitalista, e o crescimento do pensamento individual. Ou seja, São Paulo tomava ares de cidade grande, moderna, onde seus habitantes, submetidos à rotina alienada pensam individualmente, fazendo emergir sentimentos negativos. A cidade é tomada por efeitos modernos, que destroem a identidade social da cidade, na medida em que individualiza seus habitantes.

Assim como em Paris a reforma estrutural de Haussmann proporcionou a modernização dos lugares, tais como praças, enfim, no Brasil isso se deu na forma de Planejamentos que reorganizaram o espaço urbano da cidade, inclusive de São Paulo.

Segundo Carl Shorske, três são as linhas ideológicas da cidade moderna: a cidade como virtude, como vício e a cidade para além do bem e do mal. As duas primeiras prevaleceram na primeira metade do século XIX e dizem respeito ao cenário da cidade, já modernizada, com seus vícios, ou seja, a rotina diária, que emprega o individualismo, a mão-de-obra necessária para a produção, enfim. A última, em fins do mesmo século diz respeito a uma visão subjetiva da cidade, que seja moderna, urbanizada, mas livre dos vícios modernos que infectam a identidade social. As duas primeiras aparecem ao longo do século XX em São Paulo na medida em que, com o advento da modernidade, aparece a industrialização, o aumento da produção, inovações tecnológicas. Em contraste, aparecem os vícios modernos, a rotina de produção, o individualismo, a ambição por lucros, a segregação social. Isso pode ser visto na maioria dos poemas de Mário de Andrade que tratam da modernidade e suas conseqüências para a cidade de São Paulo.

Atualmente, a cidade de São Paulo é uma “selva de pedra” caracterizada por diversos edifícios, a rotina alienada de produção, uma megalópole nacional com mais de 20 milhões de habitantes. Uma cidade dominada por um trânsito bastante intenso, mas cuja importância reflete diretamente na economia nacional.

“Os caminhões rodando, as carroças rodando, rápidas as ruas se desenrolando... e o largo coro de ouro das sacas de café” (Paisagem nº4, Mário de Andrade)

A citação diz respeito ao progresso que o urbanismo trouxe para a cidade de São Paulo no início do século XX, expressas claramente na fluidez do transporte das sacas de café rumo ao porto para serem exportadas. Assim, a modernidade está presente aqui no aspecto econômico.

Por fim, o advento da modernidade trouxe tanto aspectos positivos como negativos. No decorrer do século XX os efeitos da modernidade influenciaram todos os aspectos da sociedade paulistana e brasileira. A partir dela, o crescimento foi vasto em todos os aspectos, constituindo o ponto positivo, de maneira geral, da modernidade. Por outro lado, salientou diferenças entre as classes, proporcionou a ocupação da periferia por moradias precárias, empobrecendo a estrutura urbana da cidade de São Paulo.

Saiba mais:

• ANDRADE, Mário. Poesias Completas. São Paulo: Edusp, 1987.

• BAUDELAIRE, Charles. O Modernismo nas Ruas.

• BAUDELAIRE, Charles. U Spleen de Paris. Pequenos poemas em Prosa. Rio de Janeiro: Imago, 1995.

• SHORSKE, Carl. Pensando com a História. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

Marcel Lopes
Enviado por Marcel Lopes em 19/01/2011
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