POETAS DE HOJE: LUÍS AUGUSTO CASSAS

José Neres

(Texto publicado incialmente no Jornal Pequeno - Suplemento Cultural Guesa)

Dono de uma vasta produção literária que já conta com quase duas dezenas de títulos, Luís Augusto Cassas é um poeta de grandes recursos estilísticos e que já conseguiu imprimir uma dicção poética própria em sua obra.

Em 1981, Cassas publicou seu livro de estreia, República dos Becos, que foi muito bem acolhido pelos leitores e pela crítica especializada. Logo no prefácio deste primeiro trabalho, Josué Montello advertia que era preciso guardar o nome do novo escritor, porque não se tratava “de um simples poeta”, mas sim “de um excelente poeta (...) com uma personalidade nítida, bem marcada, desde o momento que se iniciou nas letras.” Depois vieram tantos outros livros e dezenas de estudos e ensaios sobre a poética do autor de Rosebud, que já tem, hoje, uma alentada fortuna crítica sobre seus trabalhos.

Atualmente, depois de muito esforço e perseverança no manejo com as palavras e na divulgação de seus trabalhos, Cassas já conquistou um espaço no cenário literário maranhense e, embora ainda não tenha seu trabalho devidamente reconhecido na própria terra, caminha a passos largos para deixar seu nome gravado em paragens que vão além do regional.

A temática desenvolvida por Cassas em sua produção poética é ampla e atinge uma variada gama de eixos que se bifurcam e se entrecruzam na formação de um todo orgânico em que as partes aparentemente isoladas são valorizadas e acabam se encaixando nas linhas principais desenvolvidas a cada trabalho. Além de preocupar-se com a temática central de cada livro, Cassas também não descura da linguagem e, consciente de que escrever é também brincar com o idioma, tece interessantes jogos de palavras, como o seguinte, retirado de Shopping de Deus & a Alma do Negócio, no qual a palavra NÓS adquire múltiplas significações:

Somos feitos de nós,

Nós na garganta,

Nós no peito,

Nós nas tripas,

Múltiplos nós,

Todos os nós

Todos nós,

Nós, todos.

Porém os recursos estilísticos do poeta vão além da repetição vocabular com multiplicidade semântica, ele também se vale de outros artifícios como ou uso de parênteses, desmembramento de palavras, espacialização de termos e uso de símbolos, como ocorre no mesmo livro acima citado, quando, para representar a constante presença do dinheiro na vida das pessoas, utiliza o cifrão repetidas vezes em substituição ao S, alcançando o efeito desejado.

o dinheiro é um deu$ terrível

que go$ta de $er adorado face a face

e paga à vi$ta o$ $eu$ milagre$

condecorando os vivo$ com moeda$ na língua

pra ab$olvê-lo$ da ferrugem do $ol do$ mi$erávei$.

Mas engana-se quem pensa que a poética de L. A. Cassas é composta apenas por jogos vocabulares. Ele, além de valorizar a forma, também se preocupa com o conteúdo de seus poemas. Em um passeio pela produção do poeta maranhense é possível encontrar diversas temáticas recorrentes, como, por exemplo, misticismo, telurismo, crítica social, erotismo, apego às raízes familiares e um constante ar de descontentamento com a realidade circundante. Mas, qualquer que seja a abordagem escolhida pelo poeta, fica sempre claro que o centro de sua obra é o ser humano, com todos os seus caracteres positivos e/ou negativos.

A preocupação de Cassas com o Homem, seja no campo espiritual, seja no âmbito físico-material evidencia-se em todos os livros do poeta, pois a essência humana é uma das marcas mais profundas e visíveis de toda a sua produção literária. Não importa se o tema central é a criança abandonada, o idoso humilhado, a mulher como objeto de amor e de prazer, ou mesmo uma pedra, sempre o poeta está interessado em por o ser humano com suas angústias, dores e alegrias no foco do poema.

Também chama atenção o grau de ironia com que o autor de A paixão Segundo Alcântara trata seus temas. O olhar ácido do autor não perdoa as injustiças sociais nem o descaso com que a cidade geralmente é tratada. Já em seu primeiro livro, Cassas imprime suas digitais de observador irônico da realidade circundante. No poema Parábola, por exemplo, ele consegue transformar o que acontece no dia-a-dia em um uma pequena peça de arte que traduz as contradições facilmente encontradas na dúbia realidade em que vivemos. Criaturas anônimas saem da Igreja após uma missa, mas a cabeça de cada um não está somente em Cristo, e sim nos problemas sociais que atormentam todos os trabalhadores que lutam por pedaço de chão para abrigar a família.

PARÁBOLA

Domingo de Ramos

eles vestem a fatiola engomada nas dobras

e voltam contritos e triunfais com um ramo nas mãos.

Um ramo colhido na melhor palmeira da paróquia

e bento na igreja santificada do bairro.

Seguem puros para casa? Não.

Planejam uma nova invasão no Coradinho.

Há quem considere Luís Augusto Cassas um poeta contraditório e que vaga de temática em temática em busca de algo indefinível. Mas o próprio poeta não esconde esse caráter errante, pois, assim como Mário de Andrade dizia claramente ser “trezentos, trezentos e cincoenta...”, o poeta maranhense também tem certeza de que dentro dele habita uma multidão de seres diferentes e ao mesmo tempo complementares, conforme ele mesmo escreveu no primeiro poema de seu livro de estreia:

Habitam comigo, há anos,

no quarto escuro de mim,

dividindo o aluguel

dessas trinta e três vértebras

(...)

um estudante de Letras

um boêmio que recita

Lorca; um funcionário público

que sofre dores nos rins;

um cozinheiro que frita

ovos às três da manhã;

um advogado, que no fórum

advoga o mundo do imundo;

um conquistador barato

sem lábia e brilhantina;

e um poeta de esquina,

que por vergonha de ofício

não quer se ver declamado

em reuniões sociais.

Então, se o próprio poeta admite ser múltiplo e multifacetado, resta ao leitor buscar a voz interior que se destaca em cada poema, em cada livro. Desse modo, em alguns momentos, temos o poeta metafísico que se cólica acima dos elementos materiais e busca e eu e o outro dentro de um vazio existencial. Em outros momentos, destaca-se a voz do homem que ama sua cidade, mas que não consegue fechar os olhos para os problemas que nela são encontrados. Às vezes o que se destaca nos versos é a presença do voraz leitor que marca, nas páginas dos livros encontros com seus escritores preferidos. E muitos outros seres que habitam o mesmo ser podem ser encontrados nas páginas de Cassas. Mas eles não vêm de forma organizada, cada um em seu livro, não, eles muitas vezes fazem reuniões em uma mesma página, o que confunde o leitor menos afeito a esse estilo diferenciado do autor.

O leitor logo percebe que Cassas tem o evidente interesse de colher poesia de tudo o que o rodeia. Pedras transformam-se em poesia. A Cidade é poesia revisitada página a página. Para nada perder, até fome, miséria, lixo e podridão metamorfoseiam-se em poemas... Mas essa metamorfose constante não deseja esconder a realidade, mas sim torna-se um recurso para torná-la mais evidente aos olhos das pessoas.

Em alguns momentos, o poeta aproxima seus textos de versículos bíblicos e, misturando o sagrado e o profano a seus recursos poéticos-estilísticos-irônicos, consegue alguns efeitos imagéticos que, apesar de aparentemente repetitivos, mostram um poeta inventivo e que parece ter encontrado seu caminho nas tortuosas veredas da poesia. No fim, entre ironias, inusitados jogos de palavras e uma profunda consciência do fazer poético, fica a lição de que:

Engano o homem

ser animal político

por definição.

O homem

é animal poético

em pleno verão.

José Neres
Enviado por José Neres em 17/12/2010
Código do texto: T2676903