OS SALÕES NA BELLE ÉPOQUE TROPICAL: UMA LEITURA DE 'A BELA MADAME VARGAS', DE JOÃO DO RIO.

Adriana Alves de Lima (UFAC)

Luciana Marino do Nascimento (UFAC)

Decerto, a cidade, a mais infiel das amantes, já nem se recorda desses pobres tipos, que já gozaram um dia o seu sucesso e tiveram por instantes o pábulo do aplauso, e decerto, os antigos triunfadores ficaram para sempre perdidos na ilusão do triunfo que, sempre breve, é para toda vida a inutilizadora das existências humildes.

João do Rio

RESUMO: O estudo da obra de João de Rio se justifica pelo fato de a nossa história literária olvidar o período que compreende de 1900 a 1922, época esta se convencionou a chamar de pré-modernismo. Na presente comunicação, intentamos levantar alguns aspectos acerca da vida social no Rio de Janeiro do início do século XX, por meio de um estudo da peça teatral “A Bela Madame Vargas”, de João do Rio. A partir da leitura dessa obra, pretendem-se assinalar os salões, os chás e os arranjos sociais como elementos estruturais da crítica social que é empreendida por João do Rio ao longo de suas obras. A par disso surgem os salões, essencialmente mundano, com grande pompa e luxo; outros mais modestos todos refletindo, porém, a influência européia, nessa perspectiva destaca-se “A Bela Madame Vargas” que trazia o requinte e emprestava às suas recepções. Se havia barões e condes de poucas letras, a grande maioria da nobreza era de homens cultos amigos das artes, das literaturas e da política, mas que viviam de aparências e mal se conheciam. Os salões se modelavam em esplendor pelo que havia de melhor na Europa. Madame Vargas abria os salões aos amigos em noitadas memoráveis. Esta sempre estava presente sendo este o estereótipo quase único que a consagraram e justificaram a fama.

PALAVRAS-CHAVE: Cidade; Chá; Salão; Sociedade; Modernidade.

O Rio de Janeiro da Belle Époque se caracterizou por uma nova sociabilidade advinda da modernização do espaço urbano. Sendo assim, a vida social se intensificou com a freqüência aos chás, aos salões e as confeitarias.

O fascínio que a cultura francesa exercia em nossos literatos era tão grande que, além de traduzirem obras de literatura francesa, nossos literatos viajaram muitas vezes para Paris, bem como incorporaram na escrita, muitas expressões francesas.

Em Paris, naturalmente, além da tourné boêmia por diversos cabarés de Montmartre, o escritor não deixou escapar a oportunidade de medir a pulsação da própria escrita diante de suas matrizes decadentistas. Revelando o desejo de decalcar na paisagem original os acentos de Huysmans e Lorrain, João do Rio consolida artigos sobre o bas-fonds parisiense, mobilizados por orientações do tipo. Para conhecer uma cidade, vale conhecer a camada alta e a camada baixa. A média é perfeitamente desinteressante.

Segundo Luis Edmundo , este afirma que “o modismo das conferências no Rio de Janeiro da Belle Époque favoreceu a elite letrada instituir um espaço propício à explanação de suas impressões de elite viajante, especialmente das tão aplaudidas peregrinações parisianas”. De acordo com o referido autor este aborda que poucos dias após o regresso de sua viagem à Europa, João do Rio apresentou o que poderíamos chamar de um relatório mesclado sobre sua passagem por Paris.

Podemos dizer que os textos de João do Rio alinhavam a cidade e a escrita, buscando incorporar as marcas da Europa. É tanto que o autor citado anteriormente afirma “que suas anotações de viagem traduzem um exercício atento a detalhes que refinem a preensão do modus vivendi urbano, a avidez por discorrer sobre ruas, boulevares, praças e avenidas.”.

João do Rio apesar de ter sido um grande entusiasta das idéias européias e das grandes viagens a Paris, ainda que tenha incorporado ao seu repertório, elementos da cultura e da literatura francesa, esteve voltado também para os grandes problemas do Brasil, o qual então vivia a sua modernidade nascente. Brito Broca, assim se expressa sobre João do Rio e o panorama cultura de sua época:

Vivíamos sonhando com a “rue de La Paix”. Numa crônica do livro Cinematográfico, intitulada “Quando o brasileiro descobrirá o Brasil”, João do Rio protestava contra a ignorância das coisas nativas, enquanto estávamos sempre prontos a falar com perfeito conhecimento da realidade européia, vício que era também até certo ponto, o do cronista.

Foi, portanto, “Entre a sedução e desilusão urbana” , que João do Rio atua na sociedade como literato, jornalista e também como autor teatral. Na peça “A Bela Madame Vargas”, João do Rio tematiza os aspectos da vida social no Rio de Janeiro no início do século XX, nessa peça teatral vem caracterizar as ressonâncias francesas no Brasil.

A personagem – protagonista Mme. Vargas representa uma mulher muito “chic”, da alta sociedade a qual tem uma casa linda, com um terraço entre rosas e trepadeiras. Há também o salão, lugar onde se reúne a elite carioca para tomar o chá da tarde, como vemos no fragmento a seguir.

(...) São cinco horas de um dia de inverno e há nesse terraço um chá ao ar livre. As pequenas mesas já estão dispostas, com gosto e com muitas flores. Os criados dão os últimos cuidados à organização geral. Ouve-se no salão de música risos, e pedaços de uma cançoneta parisiense (...) .

Na peça teatral “A Bela Madame Vargas”, João do Rio se refere também à valorização que os cariocas dão as línguas estrangeiras, abordando também os arranjos sociais, ou seja, os casamentos por conveniências. Outro aspecto importante é a hipocrisia da sociedade, adiante,

(...) Nas recepções cariocas só é prudente entrar quando a dona da casa já não precisa de parceiros para o bridge, nem de figuras para os flertes (...)

José – Oh! Barão, recepções! Que grande palavra para um chá simples, na mais simples intimidade.

Belfort - Mas onde viu você uma festa no Rio que não fosse intima? (...) A única intimidade hoje em dia é fingir que sabemos da vida alheias (...). A maioria das pessoas a quem cumprimento não me foi apresentada. Acontece a muitos mesmos. Um homem que trata toda a gente de você e pergunta pela família dos desconhecidos é um tremendo valor (...) .

Observa-se que essas reuniões e chás, onde sempre estavam às mesmas pessoas, muitas vezes se quer eram apresentadas. Ou seja, tratavam-se como amigos íntimos ao olhar de todos, conversavam, cantavam cançonetas, mas na verdade não passavam de desconhecidos.

João do Rio trabalha em sua obra a personagem Hortência, madame Vargas que é representada por uma mulher muito bonita a qual era viúva, e recebera muitos convites para casar-se novamente, mas sempre recusava. É sugerido aos leitores que por estar sozinha por tanto tempo, acaba por se entregar a Carlos, que passa a ser seu amante durante 3 meses.

Madame Vargas, sempre a manter as aparências com medo, de ser comentada na sociedade e perder sua reputação. Esta por ostentar uma vida, a qual não tinha mais condições para mantê-la acaba se afundando em dívidas e a única solução aparentemente mais viável seria o casamento por conveniência, antes que toda a sociedade fique sabendo que ela está falida.

No fragmento que segue Belfort amigo de Hortência na intenção de convencer Carlos (amante) para desistir dos ciúmes e das ameaças, acaba por fazer uma intextualidade, afirmando que a luz no fim do túnel para Hortência e o casamento, ou seja, os arranjos sociais, para continuar a manter as aparências.

(...) Hortência, não sei se sabe? Continuando depois da morte do marido, a mesma vida de fausto, está sem recursos. Ou antes, tem pouco para manter uma vida que é a razão de ser sua existência. A aparência! Como a aparência leva a ruína neste país! Hortência soçobra, porém, sem salvamento. Falta-lhe um auxílio forte, falta-lhe um homem (...) .

O amante Carlos, não aceita ser deixado, abandonado, primeiramente temos a percepção de estarmos sendo envolvidos, acreditando que Carlos realmente ama Madame Vargas, e sente-se inferior porque é pobre. Mas no decorrer da leitura Carlos não aceita que Hortência se case, porque ele é um estereótipo, ou seja, o dândi representando o homem hipócrita, vaidoso, que simplesmente não aceita ser abandonado, e sua revolta não é porque Hortência irá se casar e sim com que ela irá casar. Seu pretendente José representa um homem bom, sincero, forte e bonito. A hipocrisia se revela não pela perda do “grande amor”, mas de perder para alguém superior.

O hábito das reuniões e dos chás nos salões tornou-se uma constante na sociedade carioca, a boêmia dos cafés se transformara na boêmia dourada dos salões, como afirma Broca.

(...) Na verdade, à medida que decaía a boêmia dos cafés, surgia uma fauna inteiramente nova de requintados, de dândis e raffinés, com afetações de elegância, num círculo mundano (...) Em lugar dos palitós surrados, das cabeleiras casposas, os trajes pelos mais recentes figurinos de Paris e Londres, os gestos langues e displicentes dos blasés, que constituíam a chamada jeunesse doreé (...)

Ou seja, na elite não temos mais o café, Broca destaca que “teremos o advento do chá, não aquele chá pacato e familiar tomado à noite, no âmbito dos casarões patriarcais, mas servido às cinco da tarde com a designação britânica de Five o’clock tea.” Figueiredo Pimentel segue afirmado que “O chá civiliza-se... tal como o Rio” .

Nessa perspectiva começa a ser retratada a cidade remodelada, oferecendo aos passantes o signo da nova era, os salões eram elegantes, as salas cheirosas e com mulheres bonitas. Como pode ser observado na peça teatral “A Bela Madame Vargas” e, é esse ambiente que João do Rio evoca em sua obra. Broca destaca “que nas crônicas de João do Rio, gravitam figuras mais conhecidas e típicas da jeunesse doreé. Crônica da “Boêmia dourada” também se identificam com o gênero de dandismo que a caracteriza “ . Portanto percebe-se que semelhante a Paris do final XIX, o Rio de Janeiro, no século XX, teve sua aparência transformada e com o objetivo de ingressar na modernidade seguindo os paradigmas das normas européias, o Rio de Janeiro, civiliza-se, e a elite carioca segue os mesmos cânones europeus.

E é essa elite deslumbrada, que João do Rio aborda em “A Bela Madame Vargas”, e este olhar que o referido autor lança sobre os tipos humanos que circulam nessa sociedade, que acaba sendo elementos fundamentais para construir sua obra, e esse viés crítico sobre esses estereótipos, que nos faz compreender que seduzidos pela modernidade acabam se desiludindo e vivendo de aparências, pois valorizam tudo o que “vem de fora”, ou seja, dos países europeus, desvalorizando o próprio país.

Referências Bibliográficas

BROCA, Brito, 1903 – 1961. A vida literária no Brasil – 1900. 4. Ed. Rio de Janeiro: José Olímpio: Academia Brasileira de Letras, 2004.

COUTINHO, Luiz Edmundo Bouças & FARIA, Flora de Paoli. (org.). Corpos-letrados, corpos viajantes. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2007.

RIO, João do. A alma encantadora das ruas. Rio de Janeiro: Garnier, 1910. Apud. NASCIMENTO, Luciana Marino do. A sedução e a desilusão urbana: imagens da cidade na crônica de João do Rio, 2001. (P. 169- 176).

Rio, João do. A Bela Madame Vargas. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 28 de Junho de 2010.