Pena de Morte
PENA DE MORTE
Entre as inúmeras ações que entendo devam ser pretendidas e praticadas pelo homem, relaciono e destaco duas delas: a primeira - é o desejo que deve ter o ser humano de adquirir diariamente novos conhecimentos; e a segunda - é a sua decisão de nunca deixar de buscar a Deus como amparo para a solução dos seus problemas. Assim é que, antes busquei a Deus para me auxiliar no assunto sobre o qual vou discorrer.
Neste modesto ensaio pretendemos enfocar a PENA DE MORTE sob dois aspetos distintos: um cronológico, que é a sua história desde os primórdios da humanidade até os dias atuais; e outro jurídico, que é a sua adoção e a legalidade da sua aplicação.Sob o aspecto cronológico, está constatado que houve um tempo, há muitos milênios antes do momento presente, que o ser humano que constitui a atual humanidade, viveu num estágio sociológico e cultural muito mais primitivo que o vivido pela mais primitiva das tribos indígenas habitadas no Brasil, nos dias do seu descobrimento. Está provado científica e sociologicamente que o estágio cultural e sociológico do homem primitivo, de que acabamos de falar, era profundamente rudimentar. Por essa razão, o homem que viveu naquele período não conseguia reagir de forma racional ao ser ofendido. Somente mais tarde, ao alcançar algum estágio de raciocínio, é que o homem, ao ser ofendido, passou a usar como meio de defesa - a VINGANÇA; no exercício da qual já se vislumbra um mínimo de raciocínio resultante de uma vontade consciente e voluntariamente desejada e buscada, mas ainda desordenada.
Inicialmente, todas essas formas de reação contra o ofensor pertenciam exclusivamente ao ofendido. Somente mais tarde, com a evolução da humanidade, é que esse tipo de reação deixou de ser privativa do ofendido contra a pessoa do ofensor, para ser exercida pelo chefe do grupo já politicamente organizado, pois a reação do ofendido contra a ofensa praticada pelo ofensor, costumava, muitas das vezes, exceder a agressão praticada. A partir do pressuposto de que a reação do ofendido não deve exceder a agressão praticada pelo ofensor, é que a humanidade passou a adotar um tipo de pena denominado TALIÃO, que tem sua origem na língua latina: talis, que significa igual, semelhante, tal; donde talio, onis: significa pena igual à ofensa, ou seja: olho por olho, dente por dente. Embora a expressão desse tipo de pena seja de origem romana, ela é encontrada em povos historicamente muito anteriores aos romanos. Assim é que o rei de Ur, cidade da Caldéia, já adotava o talião no ano 2050 antes de Cristo; mas foi através do chamado Código de Hammurabi, editado em 1780 antes de Cristo, que a pena de talião tornou-se historicamente conhecida da humanidade. De outro passo, a legislação hebraica descreveu na Bíblia, no Livro do Êxodo, capítulo 21, versículos 23, 24 e 25, a lei de talião, nestes termos: “Mas se se seguiu a morte dela, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé; queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. Jesus Cristo, no entanto, reprimiu a pena capital aplicada em forma de talião, ao proclamar: “Vim ao mundo para que tenham Vida e Vida em abundância”. Presentemente, há quem ainda adote o seu mecanismo, tanto é que ainda existe a expressão: “pagar com a mesma moeda”, ou “na mesma moeda”. Há também pessoas que enxergam formas atualizadas do talião no instituto da legítima defesa, e na decisão prevista no art. 140 do Código Penal, que permite ao juiz deixar de aplicar a pena no caso de retorsão imediata que consista em outra injúria. Vista com mentalidade atual, a pena de talião é cruel e desumana. Entretanto, interpretando-a historicamente, vê-se que ela representou o primeiro grande passo para a almejada justiça.
Concepção ética e moral da pena de morte sob o aspecto jurídico.
Hélio Pellegrino manifesta-se a favor da vida, contra a pena de morte aplicada pelo Poder Judiciário, ao sustentar que: “SÓ DEUS É SENHOR ABSOLUTO – E JUIZ SUPREMO – DA VIDA E DA MORTE”. Contudo, no atual momento, a falta de perspectivas provocadas pela aguda crise econômico-social, pela diminuição dos princípios éticos e morais, pelos desmandos, pela corrupção e pela malversação da coisa pública, induzem à aplicação de penas radicais para combater os crimes chamados hediondos, destacando-se entre elas, a pena de morte.
A desigualdade entre os 30% da população que se manifestam contra a pena de morte, e os 70% favoráveis à sua adoção, reflete algum tipo de maniqueísmo, que é o confronto entre as forças do bem e do mal.
É legítima a indignação das pessoas contra os assassinatos bárbaros e os crimes violentos. Sou daqueles que me associo às vozes que clamam por justiça e exigem o fim da impunibilidade. As teorias da pena de morte ligam-se ao equivocado conceito de justiça embasado no princípio da vingança, que tem por norteamento a lei de talião: olho por olho, dente por dente. A nova concepção da pena de morte vem sendo sustentada pela mídia eletrônica, a fim de conquistar milhares de espectadores que engrossam os seus níveis de audiência. Assim procedendo, a imagem produzida na televisão trabalha no sentido de aumentar a violência na sociedade, ao passo que, se a mídia pretendesse diminuir os índices de agressão, deveria apresentar mensagens de conteúdo de respeito ao próximo e de obediência à lei. A pena de morte, instrumento medieval, ultrapassado e condenado, é insistentemente ressaltado pela mídia, sempre que ocorrem crimes violentos que abalam a opinião pública. No século XVIII, o jurista italiano Césare de Beccaria dizia que o “caráter intimidatório ou dissuasório das penas, não estava no seu rigor ou na sua intensidade, mas na certeza de sua aplicação”; ao tempo em que emitia as seguintes considerações: “Parece-me um absurdo que as leis, que são a expressão da vontade pública e que detestam e castigam o homicídio, o cometam elas próprias, e para afastarem os cidadãos do assassinato, ordenem elas próprias um assassinato público”. Pesquisa feita pela ONU demonstra: na Inglaterra, onde não existe pena de morte, ocorre um homicídio para cada cem mil habitantes/ano. Nos Estados Unidos, onde há pena de morte, são dez homicídios para cada cem mil habitantes. Nos Estados da Califórnia, Texas e Flórida, onde há pena de morte, o número de homicídios é significativamente maior do que nos estados de Dakota do Norte ou Vermont.
A irreversibilidade da pena de morte.
Incalculável torna-se a injuridicidade da aplicação da pena capital quando ocorrem erros judiciais. Só nos Estados Unidos, no século XX, 139 pessoas foram condenadas à morte por engano, dentre as quais 23 foram executadas.
O direito à vida está inscrito no capítulo inviolável das garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal Brasileira, que aboliu expressamente a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. Os países que adotam a pena de morte na sua legislação e promovem a aplicação dela, inscrevem-se entre os que apresentam as mais precárias condições econômicas e sociais, e restritas liberdades políticas e civis. A pena de morte ainda é aplicada em 78 países, inclusive a China. Os Estados Unidos são a única nação do primeiro mundo em que este crime medieval ainda é praticado pelo Estado, com o beneplácito do aparelho judiciário. Vale a pena ressaltar que na França houve uma significativa diminuição nos índices de criminalidade, com a abolição da guilhotina. Albert Camus, eterno revoltado contra a pena de morte, sustenta que “A pena capital é o mais premeditado dos assassínios”.
Existem dois tipos de punibilidade ainda não aplicados no Brasil: a prisão por tempo indeterminado e a prisão perpétua, que acarretariam menor violência social e inibiriam a crescente onda de criminalidade, visto como o criminoso ficaria afastado da sociedade por tempo correspondente à pena aplicada ao crime cometido, podendo a pena prevalecer até o final de seus dias. Não são poucos os casos de erro judiciário. As decisões judiciais são calcadas nas provas produzidas, sendo a mais importante delas, a confissão do acusado. Este ao confessar a autoria do crime, será decididamente condenado, embora surjam posteriormente novos elementos provando que o autor do crime tinha sido outra pessoa, ou que o crime nem havia sido praticado. É bom lembrar que a última execução de pena de morte no Brasil, ocorrida no final do século XIX, foi um erro judiciário reconhecido quando já não se podia voltar atrás, porque não havia como devolver a vida à pessoa injustamente morta pelo Estado. O réu, Mota Coqueiro, tinha sido forçado a confessar a autoria do crime e por isso foi morto, foi assassinado com as benções do Estado.
A pena que era vista primordialmente como um castigo afligido ao criminoso pelo mal que ele fizera, passou a ser vista pelos pensadores modernos, como de caráter educativo, com a finalidade de reintegração do preso no convívio social. Seria não apenas, mais o castigo pelo castigo, mas o castigo como meio de recuperar o delinqüente. Sou contra a pena de morte porque ela é perigosa e pode ser extremamente injusta, pois, uma vez aplicada, não haverá irreversibilidade, mesmo quando se sabe que houve erro ou que a condenação foi injusta. Também sou contra a pena capital porque o preso, ao ser executado, não sofre o suficiente que merecia pelo crime praticado. Particularmente, prefiro a prisão perpétua como forma de proteger a Sociedade contra indivíduos nocivos. Até mesmo a prisão perpétua merece ser substituída por outra pena mais grave e mais severa, para a punição de condenado de alta periculosidade. É profundamente lamentável observarmos a brandura da pena aplicada a bandidos altamente perigosos, e que presentemente ocupam uma cela de presídio, sem a obrigação de trabalhar, mas cercados de algum conforto, gozando alguns deles de privilegiadas mordomias amparadas pela corrupção administrativa carcerária, com direito a boa alimentação, rádio, som, televisão, telefone celular, banho de sol diário, sala de musculação, e até o privilégio do enfoque especial da mídia como ocorre com Fernandinho Beira-Mar, que é principescamente acompanhado quando é removido de um presídio para outro, e quando “fica” com namoradas de destaque nas colunas sociais, criadas pela própria mídia.
Dizer que o criminoso é fruto do sistema, vítima da falta de mercado de trabalho, das desigualdades sociais, entre outras hipocrisias criadas pelos sociólogos e divulgadas pela mídia, sinceramente, é um absurdo. Aliás, sustento eu, que esses procedimentos são um desrespeito para com a maioria das pessoas extremamente pobres, que buscam no trabalho honesto a fonte permanente do seu sustento, sem que se prevariquem e sem que pratiquem qualquer sorte de crime, enquanto são obrigadas a pagar impostos escorchantes usados para manter o bandido descansadamente no cárcere. Esse tipo de procedimento é absurdo, é contra o verdadeiro sentido de justiça, é antiético, pelo que deve ser combatido. Mas chegará um momento em que manter todos esses milhões de malfeitores em prisão perpétua, será economicamente inviável. Aí sim, a pena de morte pode ter, em minha opinião, espaço.
A criação de Colônia Penal de alta segurança e afastada do convício social, talvez seja uma solução para execução da pena de condenados por crimes hediondos de latrocínio, de extorsão, de sequestro e de assalto seguidos de morte, etc., para onde o condenado seria levado e entregue à sua própria sorte, sem qualquer ajuda do Estado, tendo que trabalhar para sobreviver, e ficando por essa forma a Sociedade livre dos seus crimes.
Ideologicamente é esta a minha modesta opinião sobre o tema.
Wilson de Oliveira Ribeiro é advogado, e membro da Academia Itapetinguense de Letras.