COMPARTILHANDO PENSAMENTOS DUM LITERATO:

Uma das premissas aqui do recanto, das que norteiam a política de publicação de textos PELOS RECANTISTAS, é a de que não publiquemos textos que não são da nossa autoria, obviamnente, posto que, além de lamentável, configuraria um furto de direitos intelectuais.

Não é o caso.

Porém eu peço licença para apenas expor um texto que não é meu, mas que recebi por email, e que tanto me impressionou pelas analogias sociológicas com muitas das realidades do mundo de hoje, e que , no decorrer da sua leitura, me suscitou insistentes interpretações que me trasladaram pela História da inserção política do Homem no seu meio",esse MESMO HOMEM DE SEMPRE, HUMANIDADE de tão complexa existência, a se projetar de modo tão igual e previsível no seu limitado tempo de vida e espaço, que determinam a mesmice das suas histórias...e dos seus destinos.

Algo que me chega como sendo de autoria de Rubem Alves, um colunista de jornal de grande circulação no país, intelectual brasileiro, escritor, pensador, poeta, psicanalista, teólogo, um mineiro de Boa Esperança, que tive o prazer conhecer virtualmente na literatura, ocasião em que me deparei com um de seus pensamentos, que tão bem caracteriza seu talento e sua extrema sensibilidade artística:

***Amar é ter um pássaro pousado no dedo.

Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que,

a qualquer momento, ele pode voar***

Coloco então, o seu texto que segue, de grande valia para a leitura e reflexão de todos, justamente em analogia à nossa presente época cósmica, momento em que confesso desacreditar, NÃO NO HOMEM!, mas numa real mudança do foco da HUMANIDADE, enquanto instituição cientificamente tida como SOCIAL.

AO TERMINAR MINHA PRESENTE PROPOSTA de leitura, gostaria apenas de parafraseá-la no título, dizendo que ultimamente...TAMBÉM CRIEI MUITA CORAGEM. DEVE SER DO TEMPO.

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GANHEI CORAGEM

Rubem Alves

... colunista da Folha de S. Paulo ...

"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente

tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",

observou Nietzsche.

É o meu caso.

Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.

Por medo.

Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe

acerca da hora em que a coragem chega:

"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".

Tardiamente.

Na velhice.

Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei:

"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus

como fundamento da ordem política.

Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:

a democracia é o governo do povo.

Não sei se foi bom negócio;

o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,

é de uma imensa mediocridade.

Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo

como instrumento de libertação histórica.

Nada mais distante dos textos bíblicos.

Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.

Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha

para que o povo, na planície,

se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.

Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso

que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!

Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!

Mas ela tinha outras idéias.

Amava a prostituição.

Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias

pulava de perdão a perdão.

Até que ela o abandonou.

Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário

pelo mercado de escravos.

E o que foi que viu?

Viu a sua amada sendo vendida como escrava.

Oséias não teve dúvidas.

Comprou-a e disse:

"Agora você será minha para sempre.".

Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa

numa parábola do amor de Deus.

Deus era o amante apaixonado.

O povo era a prostituta.

Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.

O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,

porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.

As mentiras são doces;

a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola

com pão e circo.

No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos

sendo devorados pelos leões.

E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!

As coisas mudaram.

Os cristãos, de comida para os leões,

se transformaram em donos do circo.

O circo cristão era diferente:

judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.

As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,

se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro

"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"

observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.

São seres morais.

Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.

Mas quando passam a pertencer a um grupo,

a razão é silenciada pelas emoções coletivas.

Indivíduos que, isoladamente,

são incapazes de fazer mal a uma borboleta,

se incorporados a um grupo tornam-se capazes

dos atos mais cruéis.

Participam de linchamentos,

são capazes de pôr fogo num índio adormecido

e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Indivíduos são seres morais.

Mas o povo não é moral.

O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.

Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,

segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.

É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.

Mas uma das características do povo

é a facilidade com que ele é enganado.

O povo é movido pelo poder das imagens

e não pelo poder da razão.

Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.

Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista

que produz as imagens mais sedutoras.

O povo não pensa.

Somente os indivíduos pensam.

Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam

a ser assimilados à coletividade.

Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.

Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.

Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,

o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.

Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.

O nazismo era um movimento popular.

O povo alemão amava o Führer.

O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares.

Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.

Mas, que posso fazer?

Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,

de Saramago, de silêncio;

não gosto de churrasco, não gosto de rock,

não gosto de música sertaneja,

não gosto de futebol.

Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,

eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos

e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",

à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.

Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,

é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:

"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",

Isso é tarefa para os artistas e educadores.

O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves

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