Imaginario, a poetica da construção cultural do Pará: identidade e socialização

O povo brasileiro é tipicamente mestiço, ou seja, oriundo do contato do branco (português) com o negro trazido da África no período da escravidão, e da relação de ambos com os indígenas (nativos encontrados pelos colonizadores), dessa forma, constrói-se no cenário brasileiro um espaço das multirrelações entre esses povos. Como conseqüência desse processo cultural houve grandes perdas de entidades culturais, mas também provocou um processo de formação de novas manifestações culturais.

A identidade cultural do povo paraense durante anos vem sendo debatida de maneira a minimizar os preconceitos ainda existentes em uma sociedade tipicamente mestiça e oriunda de diversos povos do globo terrestre. Definir essa identidade no presente século é uma tarefa árdua, pois ao longo do tempo surgiram novas manifestações culturais incorporadas pelos povos que aqui fixaram-se.

A globalização no mundo capitalista tem causado no homem atual uma série de descrença nas culturas populares, a diversidade de tecnologias tem minimizado o acesso direto a essas culturas, que durante anos determinadas comunidades lutaram para que esses laços culturais fossem fortalecidos.

Sendo assim é enfático dizer que a cultura popular é um elemento de socialização que está em constante confronto com a cultura tecnológica que ao longo dos anos tem influenciado diversas comunidades, transformando seus hábitos de vida e de comunicação.

Falar de identidade cultural não é simplesmente levar em consideração os costumes atuais, mas estudar as origens de determinas sociedades enquanto representes de uma cultura atrelada aos modos de vivências de seus antepassados. Tratar da construção da cultura paraense é privilegiar os aspectos míticos enquanto influenciadores de socialização.

Com isso fica fácil aderir a um comportamento crítico frente a essas transformações culturais ocorridas no presente século, cabendo ao indivíduo decidir qual comunidade cultural melhor se integra a sua realidade. No caso do Pará a realidade social são os primórdios culturais trazidos pelos colonizadores, pois as manifestações folclóricas exprimem a socialização dentro de diversos grupos sociais. A cultura paraense é descrita como elemento chave de um povo que busca o reconhecimento e respeito frente à diversidade cultural brasileira. Querendo de certa forma mesclar a tecnologia da cultura atual com os costumes e os mitos de uma sociedade que preza seus hábitos e valores culturais arcaicos.

As duas mais importantes manifestação cultural (tecnobrega, e o carimbó) demonstram que o Pará é possuidor de uma diversidade cultural que levou anos para se estabelecer e padronizar o culturismo de diversos grupos enquanto consumidores das manifestações produzidas por diversas comunidades que adotaram tanto o real como o imaginário levando a sociedade paraense a uma redescoberta dos valores culturais escondidos em diversas manifestações folclóricas , proporcionando a valorização da identidade sociocultural do paraense.

Vendo o Brasil como representante de diversas culturas, que formam a identidade da sociedade brasileira não seria difícil estudar as origens culturais de determinados grupos, como também seria fácil tratar o perfil sociocultural dos indivíduos frente a sua comunidade e dizer que somos multifacetados. É obvio que as comunidades sociais da região amazônica perderam muitas de suas identidades culturais no período da colonização tendo em vista que os europeus impuseram novas praticas de vivências e modificaram o hábito de vida dessa população ajudando na construção da identidade sociocultural do homem amazônico.

As perdas de identidades descrita nesse texto ditam a organização indígena, primeiros habitantes da Amazônia, é verdade que esse povo durante muito tempo soube viver em perfeita harmonia com a natureza ao seu redor, são tipicamente construtores de uma cultura peculiar e fundamentada nos ideais religiosos de seus antepassados. Mas nem sempre viveram em perfeita paz, durante algum tempo tiveram que abandonar suas vivências como homens livres para tornarem-se escravos do homem branco (portugueses). Na verdade não abandonaram apenas a liberdade, mas suas crenças, e identidades para sobreviveram no mundo colonial.

Todo esse acontecimento transformou a maneira de vida indígena, pois tiveram que abdicar de sua cultura para viver sob outra que não fez nem um sentido para esse povo rico na diversidade cultural que formam sua própria identidade.

“Os índios não tinham escolha: ou eram exterminados fisicamente ou deveriam ser extintos por força do chamado processo forçado de integração e assimilação à sociedade nacional.” (LUCIANO, 2006)

Como vemos nas palavras de Luciano, a perda da identidade indígena nos anos iniciais no Brasil não foi pacífica, nem aceita pelos índios, muitos tiveram que conviver partindo de uma ordem colonialista e com uma nova cultura e outro modo de falar, viver e morar em uma sociedade desconhecida e marginalizada do branco.

Os índios que sobrevivessem às guerras provocadas e aos massacres planejados e executados deveriam compulsoriamente ser forçados a abdicar de seus modos de vida para viverem iguais aos brancos. No fundo, era obrigá- los a abandonarem suas terras, abrindo caminho para a expansão das fronteiras agrícolas do país. O objetivo, portanto, não era tanto cultural ou racial, mas, sobretudo econômico, guiando toda a política e as práticas adotadas pelos colonizadores. ( LUCIANO,2006)

O processo de colonização na Amazônia contribui para a perda de muitas culturas oriundas das organizações indígenas, mesmo assim, ainda são visíveis essas manifestações na formação da identidade cultural paraense. As práticas sociais indígenas do inicio da colonização serviram para definir o modo de vida paraense e principalmente para formar a identidade social.

A Formação da identidade social e cultural paraense não se deu apenas com os aspectos da cultura indígena, mas contou com outro importante aliado trazido pelos ingleses e portugueses, o negro. Sua participação na formação da identidade paraense foi de extrema importância, partindo dessa chegada esses indivíduos influíram na formação da civilização amazônica.

Não seria erro admitir que a cultura paraense nasceu desse conflito cultural. Tendo como seu precursor o índio e sua relação com o branco depois com o negro. Formando uma sociedade miscigenada, dessa relação, branco e índio e índio e negro surgiu o que chamamos de cablocos e tapuios. De certo, nesse conflito sociocultural houve não apenas perdas de identidades, mas de ações de vida e socialização desconhecida por essa sociedade atual. As perdas e a renovação da cultura amazônica podem ser vista enfaticamente dentro do contexto paraense que reúne diversas tradições culturais.

A formação da identidade cultural paraense se deu dessa forma, nas entranhas das guerras sociais e culturais estabelecidas por brancos e índios. O nascimento de outro grupo social (cablocos), não reluta dizer que houve o surgimento de uma nova cultura, mais a inovação e a invenção de um caminho cultural atrelado a mestiçagem produzida por esse grupo.

A teoria descrita nesse texto enfatiza a identidade de uma sociedade que é o reflexo da luta cultural ocorrida nos séculos passados no território amazônico, mas não é suficiente para obrigar o individuo a aceitar essa identidade, mesmo que suas ações culturais e sociais mostrem o quanto ele está ligado aos costumes indígenas.

O que ocorre nesse texto não é a sustentação de que o paraense é oriundo das relações afro-indígena, mas o entendimento dessas relações nas ações sociais do homem paraense enquanto representante dessa relação cultural, ou seja, o entendimento da identidade frente às varias manifestações culturais ainda presente nesse século. Sobre isso Agier diz:

Toda a identidade, toda a declaração identitária, tanto individual quanto coletiva, é múltipla, inacabada, instável, experimentada mais busca do que fato (...) antes de ser um “abrigo virtual sem existência real, pode ser descrita como um caldeirão de enunciados ou de declarações de identidade” os meios urbanos podem ser fatos de encadeamento ou reforço de processos identitários. A cidade multiplica os encontros de indivíduos que trazem consigo seus pertencimentos étnicos, suas origens regionais ou suas relações familiares ou extrafamiliares. Na cidade desenvolvem-se na prática os relacionamentos entre identidades e na teoria a dimensão relacional da identidade; essas relações trabalham alterando ou modificando os referentes dos pertencimentos originais (étnicos e regionais...); essa transformação atinge os códigos de contunda, as regras da vida social, os valores morais, as línguas, a educação e outras formas culturais que orientam a existência de cada um no mundo ( AGIER, 2001, apud RODRIGUES. 2002).

Definir a identidade cultural do paraense não é simples, pois não engloba apenas a temática social de cada individuo da atualidade, mas toda uma geração milenar que tinha um modo de vida diferente dos de hoje e uma concepção literária (escrita, falada e visual ) fundamentada no conhecimento empírico de diversos grupos sociais , que moravam ao derredor ou dentro das matas, produzindo uma cultura atrelada ao misticismo.

É coerente afirmar que o homem branco, o negro e o índio criaram a cultura paraense repleta de mitos, lendas, religiosidades e danças. Formando uma diversidade cultural mesclando tradição e atualidade, que ao longo dos anos transformou-se, em ricos movimentos culturais que expressam toda essa diversidade cultural.

Descrever a cultura paraense tal como ela é, não é um trabalho simples, pois existe uma necessidade de conhecer todo o processo histórico social do individuo amazônico para poder traçar um pequeno mais coerente perfil da construção cultural. Quando isso acontece descobri-se o quanto as crenças influenciaram na formação da identidade do paraense, e ao trazer essas crendices ao meio urbano ocorre o que chamamos de confronto cultural, tendo em vista que essas manifestações influenciam toda a sociedade quanto a relação social.

O índio por sua vez trouxe sua contribuição para formar essa identidade. As técnicas de sobrevivência, conhecimento das vias florestais de menos perigos, lugares onde poderia ser encontrados alimentos com facilidade, conhecimento de técnicas nas construções de casas e artesanatos. Contribuíram com toda certeza na colonização do espaço amazônico e expulsão de invasores de terras portuguesas, usando suas habilidades no manuseio de armas produzidas por eles mesmos.

Além disso, se hoje temos uma diversidade lingüística dentro do português devemos a eles esse mérito, diversidade essa que é vista nos dizeres paraenses e até mesmo na construção literária de nosso próprio Estado. Conservaram toda a diversidade cultural amazônica com suas línguas e valores deixados por seus ancestrais, reproduzidos e aprimorados por eles.

Nossa cultura está profundamente impregnada pela religião católica trazida pelos colonizadores; pelas crenças indígenas (...) dessas miscigenações das raças e expressões surgiu à cultura paraense, expressa: na musica, no artesanato, na dança, na literatura e no teatro popular. Na formação social paraense surgiram muitas melodias, batuques, coreografia, linguagens e representações que foram conservadas e enriquecidas por organizações folclóricas e populares, que não se deixam contaminar pelos costumes de outras regiões. (MONTEIRO, 2001).

A identidade social do homem paraense assim como a cultura que o cerca não nasceu por acaso e nem teve fundamentações nos conhecimentos científicos que expressam a identidade cultural do homem atual, mas está ligado aos modos de vida do homem amazônico ,entrelaçado no imaginário poético de sua convivência com a natureza amazônica repleta de mitos e fantasias que formaram toda a cultura paraense.

Não é a toa que essa diversidade imaginaria tem sido objeto de estudos e discussões nos principais centros acadêmicos do Estado. Pesquisar toda essa poética é viajar na historia e descobrir que a cultura amazônica foi de fundamental importância nos alicerces da construção social do homem amazônico.

Tudo isso só foi possível graças os modos de ver a natureza como fonte de alimentação para o homem amazônico, e a busca por esses alimentos criaram certas culturas oriundas do imaginário humano. Por certo a cultura existente hoje no contexto paraense só ocorreu porque ela por si só é uma “cultura dinâmica, original e criativa, que revela, interpreta e cria sua realidade. Uma cultura que, através do imaginário, situa o homem numa grandeza proporcional e ultrapassadora da natureza que o circunda. (LOUREIRO, 2001).

Essa poética traduz uma realidade vivida por todos os paraenses que vivem frente a frente com a natureza, tendo em vista que o contato pessoal com o meio urbano é fragmento por razões peculiar da região.Essa fragmentação ocorrida nos meios de transporte e comunicação faz com que o homem recorra ‘às crenças e praticas produzidas a gerações e por ele aperfeiçoada para buscar a cura para determinada doenças, fundamentando ainda mais as ideologias nos seres encantados que habitam o fundo dos rios e as florestas.

“Acredita o caboclo amazônico que o fundo dos rios, igarapés ou lagos seja habitado pelos companheiros do fundo, criaturas muito alvas e louras de um reino encantado. Esses companheiros têm poderes especiais”... (Galvão, 1999).

Tudo isso emerge do inconsciente humano e forma toda a diversidade poética acopladas em todas as manifestações culturais, sejam elas escrita ou visual. Há dentro de cada uma dessas imaginações sentimentos repassado por outros povos que habitam a floresta, os índios.

“É em fático dizer que toda essa imaginação cria certa expectativa nos poderes desses seres criados por eles, na maioria das vezes são temidos e passam influenciar toda uma comunidade. O imaginário humano é “uma maquina de fabricar deuses” (BÉRGSON, 1970. Apud GALVÃO 1999).

Essa construção já faz parte da vida cabocla do homem amazônico, por isso a cultura paraense é tão repleta de mitos e lendas, isso demonstra a capacidade humana de criar e recriar sua cultura partindo de determinada realidade, por ele dita e descrita.

Ao construir os deuses, o homem toma com referencia uma realidade dada que caleidoscopicamente reordena, reestrutura e recria. Nesse processo, o imaginário tem como referencia o real, dando-lhe outros sentidos fornecidos pelo material simbólico que utiliza.( Laplantine e Trindade, 1999, Apud LOUREIRO 2001 ).

O homem transcende o humano. Foi através disso que hoje temos uma cultura repleta de mitos e lendas que constroem a identidade cultural do Pará. A construção do imaginário nasce também junto com a necessidade do cabloco em sobreviver na floresta, a busca por alimentação nos extremos da floresta desperta no imaginário humano fantasias, que se tornaram afirmação cultural de lendas e mitos dentro da cultura popular paraense.

As culturas populares emanam uma concepção social de apreciação histórico constituindo uma relação de passado e presente na sociedade vigente causando interesse em conhecer as origens desses imaginários e qual a relação com a identidade do individuo que a escuta.

Esse processo é visto também por possuir uma compreensão do imaginário como fundamento das concepções literárias do mundo antigo, onde o ser inanimado ganha vida e passa a conviver socialmente como participante de um mundo do qual não faz parte. São relações imaginativas que o próprio homem enquanto criador de linguagem e cultura cria para viver de forma harmoniosa com a natureza. Nascem nesse processo imaginativo o referencial de toda a cultura, o mito. Sobre isso Xisto, diz:

Os mitos são a concepção e a resposta humana aos acontecimentos da totalidade da manifestação, são o modo originário de os homens lidarem com o espanto, de compreenderem sua existência em meio à epifania do cosmo e de explicarem a gênese, o ordenamento e a destinação de cada elemento constitutivo da realidade ( XISTO, apud VALDEMAR.)

Nota-se que o mito é a argumentação de todo o acontecimento cultural descrito e visto pelo homem. É o caminho para o entendimento daquilo que é desconhecido ou incompreendido pelo homem. A própria cultura paraense é por si só um mundo de várias culturas, onde há espaço para vários mitos e definições da realidade concisa do mundo imaginário. Pode-se dizer que o mito é a retratação do divino.

O mito é a maneira lógica de explicação das coisas existentes, dentro do contexto paraense é o meio argumentativo de explicar como nasceram os encantados e sua relação com o meio de vivência humana.

Portanto as lendas e os mitos fluíram na cultura paraense devido à relação do homem com a natureza e o pouco espaço de infiltração tecnológica em diversos lugares da região amazônica. Parte daí a concepção de que os encantados descritos na cultura paraense são reais e podem influenciar na vida do homem.

Essa construção cultural se deu sob predomínio da oralidade, são histórias que atravessaram séculos e se constituíram no presente século como narrativas orais dos encantados da Amazônia. E fazem parte de toda a construção imaginária da cultura regional.

É comum nos interiores do Estado do Pará, ouvir fervorosamente essas narrativas como parte da identidade cultural do homem moderno impregnado nas tradições culturais de seus antepassados. São narrativas que constituem a relação sociocultural do homem frente à natureza que o cerca. Dessa vivência nasce as mais profundas e ilusórias histórias que correm povoados vizinhos e se estabelecem como verdades absolutas.

Assim a perfeita manipulação desse patrimônio cultural faz com que a história do povo amazônico paraense, se estabeleça como portal para o irreal, onde nasce um universo de seres imaginados mostrando a perfeita realidade de um povo que buscou nos mais profundos artefatos contos para encobrirem uma realidade de miséria e sofrimento humano.

Como vemos a formação da identidade cultural do homem paraense, tem relação com um processo histórico social, atrelado ao surgimento de ideologias acopladas ao misticismo regionalista e as ações de povos que habitavam as florestas no período da colonização e sua relação com negros e brancos formando uma identidade multifacetada que influenciou na construção de uma cultura repleta de fantasias e realidades que a cada dia de redescobre através das organizações culturais.

REFERÊNCIAS

LOUREIRO, João de Jesus Paes: Cultura amazônica uma abordagem poética: Belém, 2000.

LOUREIRO, João de Jesus Paes: Obras reunidas: São Paulo; Escrituras Editora, 200.

LUCIANO, Gersem dos Santos: O índio brasileiro; o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje – Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, alfabetização e diversidade; Laced/ Museu Nacional, 2006.

MONTEIRO, Benedicto, História do Pará, Belém: Delta/ o Liberal, 2001.

RODRIGUES, C.I: Cablocos na Amazônia: a identidade na diferença. Belém, 2002

TERCEIRO, Valdemar Ferreira de Carvalho Neto: O poder do imaginário Popular. - disponível em acessado em 017/08/2010.

Azariel Silva
Enviado por Azariel Silva em 15/09/2010
Reeditado em 22/12/2012
Código do texto: T2499883
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