VIVER COM DIGNIDADE

Tenho por sedimentada a ideia de que a humanidade se divide em dois grupos antagônicos: os que “são” e os que “têm”.

Os que “são” exercitam o altruísmo, a benemerência, o solidarismo. Sonham com um mundo melhor e mais justo. Confraternizam a todo o instante. Ajoelham-se saudando o dia seguinte. Concelebram o viver: uma bênção. Fraternos, concebem o Bem como uma resposta às necessidades individuais e coletivas. E mais: cometem o desatino de amar em tempos de cólera.

Os que “têm” amealham fortuna e poder. Todos as oportunidades são destinadas à recolha dos frutos materiais, bem ou mal chegados. Os haveres, por vezes, são de ancestralidade bem-havida. Outros grupos, em regra os que mais avultam no dia a dia, apoderam-se das fontes de produção e enricam a cada minuto transcorrido, ao ponto de causarem dor de cabeça aos filósofos, aos sociólogos e aos economistas em todos os tempos.

Os primeiros mudam os destinos do mundo, porque são alquebrados lanceiros terçando armas contra pás-de-moinhos, os gigantescos monstrengos de Miguel de Cervantes. Os que “são” recebem a alcunha de quixotescos. Desassombrados na vida e na morte, crêem no espiritual e na liberdade de ser e de mudar a endogenia. Alguns até brigam com a Fonte Original. Constroem-se na luta e no sofrimento...

Aos segundos, não interessam mudanças porque perdem privilégios, poder, dinheiro e capacidade de influência no seio das comunidades. Globalizam tudo para que se não identifiquem os líderes e possam proscrever os viventes que ousam pensar diferentemente dos donos do poder. Adoram as ditaduras e conspiram à boca pequena. Registram muito pouco os seus atos, com medo de que o Poder lhes exija futuros tributos. Dominam os meios de comunicação. O bem e o mal estão nas mesmas panelas onde cozinham os interesses. E estes os movem como grupo. A cooptação dos altruístas é a sua meta sócio-política.

Pois bem, é neste antagonismo dialético que nascem a Poesia e a Prosa idealista, libertária – sempre frutos do amor ao coletivo. A um convite para participar da edição de obra cooperativada acorre um pugilo de homens e mulheres comprometidos com o seu tempo. Acreditam que os seus escritos podem servir para mudar o mundo e socavar os opressores de plantão. Se os lumes idealísticos trazidos se farão verdade ou não, só o tempo dirá... Se estes terão força para que a Literatura possa ser instrumento de justiça social e de transformação da sociedade é outra incógnita.

Uma coisa é certa e palpável. Todo esse conjunto de pensamentos hauridos de óticas diversas (da construção do mundo real) tem a tônica e o condão do Futuro, num Brasil que se constrói a cada minuto transcorrido no universo da aldeia global. Afinal, somos cerca de duzentos milhões de almas ansiosas pela oportunidade do devir da felicidade individual e social.

Acreditemos que é possível sonhar o Brasil a partir do amor pela palavra, por amor ao semelhante. O sonho de construir a Grande Pátria pelo vício da leitura, para que a palavra seja boa, útil e lúcida...

– Do livro A BABA DAS VIVÊNCIAS, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2496743