Ser mulher
Ser mulher é...
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
Ser mulher é se dar sem dar o corpo e sem ter que vender o que as peças íntimas escondem. Ser mulher é chupar picolé até o palito aparecer entre os dedos e calçar sapatos apertados sem reclamar se eles lhe fizerem calos nos calcanhares. Ser mulher é falar da vida alheia sem fofocar e cair no ridículo. É beijar sem morder a língua é tomar banho quente sem permanecer muito tempo embaixo do chuveiro para não aumentar a conta de luz no final do mês.
Ser mulher é comer o pão – não o que o diabo amassou - mas o que chegou a sua mesa por méritos próprios, sem ter vergonha de se olhar no espelho e nele ver refletida a figura safada de uma mundana que ganhava a vida expondo o corpo às visitações libidinosas. Ser mulher é voar sem sair do chão, cair sem bater a cabeça na calçada; levantar a moral sem pisar seus semelhantes; acender uma luz onde só a escuridão impera com a sua presença medonha. Ser mulher é beber sem se embriagar. Andar na chuva sem molhar os cabelos, ver além das aparências efêmeras o que está do outro lado da rua ou oculto dentro de um coração solitário.
Ser mulher é apresentar respostas imediatas e soluções instantâneas a problemas que pareçam insolúveis. É encarar as pessoas de frente, gritar e responder à altura, sem baixar o nível de educação. Ser mulher é saber dosar o grau de arrogância – e se acaso tiver que extrapolar limites - não se sentir intimidada ou acuada e, em razão disso, se fechar num silencio constrangedor. Ser mulher é buscar sonhos não sonhados, pisar caminhos ainda não percorridos, se impor com a sua magia, sem no entanto, se achar uma princesa intocável dessas saídas dos contos de fadas.
Ser mulher é lutar sem descanso por dias melhores. É tratar de descobrir, a cada minuto, uma esperança nova, um desvio onde a estrada da vida insista em permanecer interrompida. Ser mulher é correr atrás do amanhã sem pisar no agora e sem perder de vista o hoje que passa lá fora. Ser mulher é, sobretudo, não perder a alimentação que vem de dentro da alma; é estender as mãos e dar abrigo aos que clamam por carinho e não se desligar, jamais, da comunhão com o Supremo, nem pisar (ainda que de mansinho), no coração do homem amado. Ser mulher é fortalecer a base familiar. Cuidar para que as chamas do amor permaneçam sempre acesas e velar dia e noite para que vento nenhum (por mais valente que seja), venha e apague o ardor dessa paixão. Ser mulher é torcer pela Seleção, chutar para gol, agarrar todos os pênaltis e, no final dos 90 minutos, levantar, com orgulho, a taça da vitória.
Ser mulher é viver constantemente em busca do eterno. Sondar os mistérios que emanam, como dádivas benignas da face do Senhor de todas as coisas e as glorificar. Ser mulher é se transformar na mãe zelosa que acaricia com ternura infinda os seus filhotes; é ser a tábua que aparece em alto mar para salvar o náufrago diante da morte que o espreita. Ser mulher é ter o universo inteiro na ponta dos dedos; saber o momento exato de girar as chaves que abrirão as portas secretas que levarão às saídas necessárias, notadamente no instante em que tudo parecer perdido. Ser mulher é ter a faculdade de contemplar o céu em sentido amplo, enxergar além dos horizontes distantes e buscar a paz sonhada. Ser mulher é igualmente se entregar ao desconhecido, sem temer as conseqüências; galgar degraus cada vez mais sólidos sem se importar se a escada cairá por não reunir forças suficientes para agüentar seu peso.
Ser mulher é tomar refrigerante barato como se fosse uma bebida rara, comer um pf com arroz e ovo, como se o conteúdo do prato estivesse na lista das guloseimas mais sofisticadas de um restaurante granfino. Ser mulher é carregar nas costas a humildade dos fracos, na mente à sabedoria dos inteligentes e no coração a benignidade de saber perdoar. Ser mulher é ter consigo a virtude da Mãe de Deus. É ser a santa de todos nós, indistintamente, sem se importar em ter um altar numa igreja de periferia. Ser mulher é ter a dádiva de gerar nove meses a sublimação do amor e depois desse período conceber divinamente a vida plena.
Em resumo, ser mulher, faz do sexo frágil, a melhor e a mais cobiçada obra criada pelo Altíssimo. Talvez, por isso - como tal - e do alto da sua santa piedade, seja ela, indubitavelmente, o sustentáculo deste mundo maravilhoso em que vivemos.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.