Inverno
INVERNO
Assim como o tempo, nossa vida também é disposta em estações. No eterno ciclo da natureza, os seres vivem primavera, verão, outono e inverno uma só vez. Assim são as frutas e flores, isto sucede também com os animais, irracionais e racionais. Já falei em meus escritos, mais de uma vez, sobre o fascínio que o outono desperta em mim, sessentão maduro e bem vivido.
Depois do outono vem o inverno. Na estação fria, o que era folha seca, torna-se húmus, a água congela, os ventos esfriam mais, e a natureza dá mostras de exaustão. É preciso preparar o inverno; o da estação e o da vida. No momento em que escrevo esta crônica, ouço lá fora ventos anunciando a chegada do tempo frio.
Minha mulher me diz: “está na hora de preparar o inverno...” Está na hora de preparar o inverno, repito eu... Ocupado por nuvens, o céu acoita o vento frio, que de soslaio vem bater à nossa porta, espreitando nossas lembranças.
É preciso preparar o inverno... Há que se comprar algumas roupas encorpadas, cobertores a substituir, um sapato mais grosso, camisetas, uma meia de lã. Ontem tomei o primeiro vinho tinto seco do ano. Desceu bem. Carmen, provedora como sempre, avisou: “Olha, nosso vinho está no fim, temos que subir a serra, buscar o tinto para ti, o rosado para mim e suco de uvas para o filho Ricardo e alguns brancos para as visitas”. Mais, salame, queijo, copa e pé-de-moleque, acrescento.
No inverno apetece um bom vinho, uma lareira, um queijo estepe, copa cortada em fatias bem finas, salame cru e a calorosa charla familiar. Pena que nem todos possam ou gostem disso. É preciso preparar o inverno... Há uma calha, na cobertura, que está frouxa, o tempo ventoso está chegando e é preciso prendê-la fortemente. Um vidro no banheiro precisa de massa, está trepidando.
É necessário também atualizar a agenda de inverno. Viagens, cursos, lançamentos de livros... No inverno – quando não vou a Paris (risos), desfrutar o verão europeu – vamos, Carmen e eu, no mínimo umas duas vezes a São Francisco de Paula, naqueles dias de frio, cerração e chuva. A Caixa tem umas cabanas magníficas, lá. Ficamos lá quatro ou cinco dias. Lareira, vinho, música clássica, leituras, pão preto e geléia de maçã. Como é gostoso!
Faço coincidir essa estada com o fechamento de algum livro. Neste julho vou até lá, se Deus quiser, dar o toque final em “O diálogo da luz e da liberdade”. Levo o texto no pendrive e atualoizo-o no laptop. É preciso preparar o inverno... Também minhas flores e folhagens precisam de um tratamento especial. As violetas carecem de mais calor, os verdes da rua precisam de estacas para não sofrem muito com o vento (afinal, moro no 10o andar), e as salsas logo vão ser plantadas...
A redução da luz solar e a queda da temperatura se refletem diretamente no comportamento dos vegetais, que entram numa fase de pré-dormência. Quando estava concluindo esta crônica, o telefone tocou. Era uma moça, vendedora, que queria me demonstrar um plano de cremação. Marquei hora com ela na próxima terça.
É preciso preparar o inverno...