Um mundo de histórias nos barbantes
Exposta em cordas, a literatura representativa do nordeste brasileiro chegou aqui com a colonização portuguesa
Por Claudia Alves
O cordel é um tipo de poesia popular, tipicamente oral. Marcada pela tradição contada e depois impressa em folhetos rústicos - ou outra qualidade de papel, eram expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis - o que deu origem ao nome que vem lá de Portugal, que tinha a tradição de pendurar folhetos em barbantes.
No Nordeste do Brasil, herdamos o nome (embora o povo chame esta manifestação de folheto), mas a tradição do barbante não perpetuou. Ou seja, o folheto brasileiro poderia ou não estar exposto em barbantes. São escritos em forma rimada e alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, o mesmo estilo de gravura usado nas capas. As estrofes mais comuns são as de dez, oito ou seis versos.
Oficialmente, o cordel surgiu no Brasil em mil oitocentos e oitenta e nove, com o paraibano Leandro Gomes de Barros, conhecido popularmente como Mestre Pombal. Essa primeira publicação foi intitulada: “A Peleja do Riachão com o Diabo”.
Neste ano, o cordel completa cento e onze anos da sua primeira impressão no Brasil. Esses folhetos de aspecto simples eram a forma de informação mais vigente no sertão nordestino do final do século XIX, até meados do século XX. Acompanhou o surgimento e a evolução dos meios de comunicação e, até hoje atuam com grande força na sociedade.
O conteúdo do cordel varia nas mãos habilidosas dos poetas, desde fatos jornalísticos a histórias fantásticas. Sua linguagem típica o caracteriza.
Embora caracterizado pela forte presença da oralidade em seu texto e forma, o cordel é necessariamente impresso, distinguindo-se de outras formas de poesia oral, como pelejas e desafios cantados pelos contadores repentistas. Apresentado no formato de folheto de 16.5x12cm, variando entre 24, 32 ou 64 páginas
Ao longo dos anos essa literatura foi se modificando ganhando novos formas que varia de livros até folhetos virtuais na internet; é o que nos conta Gustavo Dourado cordelista e Membro da Academia Virtual Brasileira de Letras: “Ele é usado mais em forma de folheto, pelo menos é a forma mais tradicional usada no nordeste até os anos 70. A partir dai ele ganhou outras formas em F7, então hoje ele é muito usado em livros. Mas em São Paulo e no interior do Nordeste como na Paraíba, principalmente Pernambuco, Bahia, Piauí, Ceara e Rio Grande do Norte ele é usado na forma tradicional. Agora com a internet temos os folhetos virtuais. Ele também está integrado ao livro nas formas modernas de editoração eletrônica, ou seja, pelo livro virtual o ‘E-Book’. Mas é importante manter o cordel em folheto pois é uma característica econômica e também de viabilidade de divulgação nas rodoviárias, estações de trens, ruas e praças. O movimento forte é na internet que é mais econômica e barata para se divulgar nas formas de e-mail ou pelas redes sociais’’.
Ainda segundo Gustavo Dourado o cordel é fundamental na cultura brasileira por que é uma das nossas vertentes culturais mais populares, está bem enraizada desde o período da colonização do Brasil pelos portugueses que trouxeram a literatura de cordel para cá. Tendo sua disseminação a partir do seculo XVIII e entrou através do porto marítimo de Salvador na Bahia e se espalhou com os bandeirantes e com os desbravadores . Atingiu o sertão por meio do Rio São Francisco que foi fundamental nesse processo. Coincidindo com o ciclo do gado, os bandeirantes e os garimpeiros.
A literatura de cordel, com freqüência, é tratada como de menor importância no contexto cultural. O cordel foi o meio de comunicação mais presente nas populações iletradas. É o que nos conta Bosco Maciel, folclorista e cordelista: ”No início do século passado era através da literatura de cordel que a comunicação de massa existia. Como não existia o rádio nem a televisão, as informações, os conhecimentos, a diversão tudo era feito pela literatura de cordel."
De acordo com Maciel, a literatura de cordel não corre o risco de acabar por causa da oralidade, porque a cultura é passada de pai para filho, porém o que existe é um processo de transformação. Por exemplo: quando o cordel chegou vindo da Europa os personagens eram europeus e árabes; com o passar do tempo, foi sendo substituído por personagens da própria região nordeste como Lampião, Padre Cicero, Frei Damião.
A literatura de cordel veio da Europa, mais precisamente da Península Ibérica (formada por Portugal e Espanha). Vieram para o Brasil tipos de poesia e de prosa. Porém temos conhecimento de outros países europeus como Alemanha e Holanda que tinham uma produção literária parecida com o cordel. É curioso ainda ressaltar que formas semelhantes ao cordel brasileiro podem ser encontradas na América como, por exemplo, o "corrido" no México, na Argentina, Nicarágua e no Peru e o "contrapuento", semelhante à peleja ou desafio, também encontrado no México. Na Argentina são encontradas "hojas ou pliegos sueltos", que lembram os cordéis, e o "payador", que equivale ao nosso cantador.
A Literatura de Cordel como manifestação da cultura popular tradicional, pode ser chamada de folheto ou romance. Nasceu no nordeste e se espalhou pelo país, pelo processo migratório do sertanejo nordestino.
Fatos e feitos do Cordel
O conteúdo do cordel varia nas mãos habilidosas dos poetas, desde fatos jornalísticos a histórias fantásticas. Sua linguagem típica o caracteriza. Apesar de ser escrito, ninguém consegue falar, interpretar uma poesia de cordel em voz baixa, pois ela é tão excitante, quanto envolvente, e é necessário ter boa oralidade.
Com marca de oralidade forte e mais popularizada nas feiras nordestinas, sua literatura foi transportada para o resto do país. O campo de atuação dos cordelistas no Brasil vai além da criação literária. Trabalha-se para implementar a literatura de cordel no ensino das escolas nesse início de século XXI .
Na atualidade, os produtores de cordel se adaptaram as novas tendências de mercado, adquiriram formação acadêmica e seus trabalhos não se limitam somente aos folhetos, mas auxiliam pesquisas para valorizar a produção nacional.
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O Cordel mesmo tendo mais de 100 anos de história, não é muito conhecido, principalmente no Sul dos pais. As escolas não se preocupam em ensinar para seus alunos algo que faz parte na historia cultural do Brasil. Porém, existe a preocupação da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) para que o cordel seja introduzido na grade curricular de todo o ensino. Esta estratégia é compartilhada por Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da ABLC: “ A literatura de cordel já está na grade escolar de muitas cidades importantes no pais. Foram criados projetos como o ‘Acorda Cordel’ na sala de Aula em Fortaleza, como o ‘Novo Cordel’ em Campina Grande com os acadêmicos Alerandro Viana e Manoel Monteiro. Desde a criação da ABLC essa é uma das nossas preocupações”.
A Academia Brasileira de Cordel foi fundada por Gonçalo Ferreira da Silva, atual presidente, no Rio de Janeiro, em 18 de setembro de 1988, visando oficializar e reunir o máximo de obras de cordéis, assim como os expoentes desse gênero literário. A Academia já conta com um acervo de treze mil obras.
A literatura de cordel também é encontrada em outros países é o que nos conta Bosco Maciel: “o Cordel continua atuando em nosso cotidiano, assim como todos os meios de comunicação. Ele evoluiu, entretanto, sua essência continua viva: informar com linguagem poética os assuntos mais relevantes da sociedade”.
Os autores, ou cordelista, recitam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola, como também fazem leituras ou declamações muito empolgadas e animadas para conquistar os possíveis compradores.
Alguns autores
Apolônio Alves dos Santos Natural de Guarabira, PB, transferiu-se para o Rio de Janeiro no ano de 1950, onde exerceu a profissão de pedreiro, até viver da sua poesia. Seu primeiro folheto foi "Maria Cara de Pau e o Príncipe Gregoriano", publicado ainda em Guarabira. .
Zé Maria de Fortaleza José Maria do Nascimento é natural de Aracoiaba, Ceará. Aos 13 anos veio para Fortaleza, onde iniciou sua carreira como violeiro, tornando-se conhecido pelo seu talento poético e sua maneira de cantar. Já representou o Ceará em diversos festivais realizados em vários estados do Brasil, destacando-se duas viagens que marcaram época em sua carreira, quando esteve no Rio Grande do Sul, por ocasião do 2º Congresso Nacional de Turismo, e quando esteve em Brasília, cantando para as maiores autoridades do país. Lançou, juntamente com Benoni Conrado, um dos primeiros discos de violeiros que se tem notícia no Brasil. Tem um livro inédito intitulado “Fagulhas do Estro”, publicou vários folhetos de cordel, destacando-se “Folclore também é cultura” e “Miscelânea de motes e glosas”.
Essa forma de expressão atraiu o interesse de folcloristas como Mário de Andrade, Luís da Câmara Cascudo e Orígenes Lessa e influenciou poetas e escritores como João Cabral de Mello Neto, Ariano Suassuna, José Lins do Rego e Guimarães Rosa. O poeta matuto Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa de Assaré (1909-2002), uma das mais importantes expressões da literatura de cordel no Brasil, chegou a ser inclusive agraciado com o título de "doutor honoris causa" por universidades brasileiras e teve sua obra estudada na França e na Inglaterra.
Entretanto ainda existe o preconceito com o cordel e o brasileiro continua sem ter o hábito da leitura.
O interesse dos meios de comunicação e de algumas editoras brasileiras em publicar textos de poetas aumenta, oferecendo aos autores uma atenção especial na mídia, espaço antes ignorado à cultura popular regionalizada.
Atualmente, ao contrário do que se pensa o cordelista pode sim viver do cordel. Uma das sugestões de ampliar o conhecimento sobre a literatura de cordel no país é agregá-la à grade curricular no ensino fundamental.
Não só a cultura nordestina, mas todas as manifestações brasileiras deveriam ser incluídas no ensino público. Para aqueles que acham que a Literatura de Cordel é uma exclusividade do povo nordestino, eis uma prova de que essa arte está cada vez mais presente nas demais regiões do Brasil, em especial no sudeste.
Cordel da Cultura Nordestina I
Escrito por Gustavo Dourado
A cultura nordestina-se
Transcende o regional
Xaxado-maracatu
Xote frevo carnaval
Sanfona de Gonzagão:
Forró-baião literal...
Literatura de Cordel
Improviso e embolada
Ciranda, boi e reisado
Praia, arte, luarada
Lobisomem à meia-noite:
Em busca da madrugada...
Carne de sol:baião de dois
A sagrada rapadura
Bebo uma talagada
Gole de cachaça pura
Para cantar o Nordeste
Terra de amor e ternura...
São João em Campina Grande
Castro Alves condoreiro
Ariano Suassuna-nos
Cordelisa o Romanceiro
Auto da Compadecida:
Sucesso no mundo inteiro...
Glauber Rocha cinearte
Torquato em Teresina
Mário Faustino traduz
O raio da silibrina...
João Gilberto Bossa Nova:
Tem essência nordestina...
Elba, Gal, Gil e Betânia
Voz de Anísio Teixeira
A arte de Caetano
Repente de Zé Limeira
Patativa do Assaré:
Encanto da Mulher Rendeira...
Na Chapada Diamantina
Horácio...Manuel Quirino
Irecê e Pai Inácio
Morro do Chapéu cristalino
Recife de Ibititá:
Canarana me destino...
Herói Zumbi dos Palmares
Nísia Floresta vital
Poesia de Auta de Souza
Nunca ouvi nada igual
Luís da Câmara Cascudo
Folclorista magistral...
Science e Chico Cézar
Paulo Freire Educação
Cangaço, Lucas de Feira
Vaqueijada, Azulão
Na peleja e na rima
Malazarte e Cancão...
Asa Branca Acauã
Petrolina Juazeiro
Cordel do Fogo Encantado
Um encanto brasileiro
Quarteto Armorial
Mestre Pinto do Monteiro
Tem Quinteto Violado
O Barro de Vitalino
Mágico Antônio Nóbrega
Tem sorriso de menino
Ivanildo Vilanova:
Um orgulho nordestino...
Baião de Humberto Teixeira
Cangaceiro Lampião
Guerrilheiro nordestino:
Imperador do Sertão...
Amava Maria Bonita
Com prazer e emoção...
Feira de Caruaru
Xangai,Tom Zé, Elomar
Zé Ramalho Avohai
Corisco a sapatear
Inácio da Catingueira
Num galope a beira mar...
No sertão de Piritiba
Raul Seixas Caculé
Na América Dourada
Joao Dourado e Quelé
Lá na Terra do Feijão:
Vou plantar capim guiné
Cego Aderaldo no verso
Apodi e Borborema
No sertão do Cariri
Ouvi o canto da ema
Penedo e Xique-Xique
São Francisco, que poema...
No Raso da Catarina
Ararinha ao natural...
Paulo Afonso cachoeira
Um salto fenomenal
No Lago de Sobradinho
Água como o Pantanal...
Xilogravura de Borges
Raul Seixas a cantar
Geraldo Azevedo galopa
Lenine a nos misturar
Zeca Baleiro embala
Graciliano no ar...
José Lins e Zé Américo
Rachel a romancear
Jorge Amado frebordina
Grapiúna a namorar
Enamora Gabriela:
Janaína reina o mar...
A cultura nordestina
É orgulho nacional
O Nordeste é um primor
É uma terra sem igual
Eu canto a minha aldeia:
Na seara universal...
Locais em São Paulo para se apreciar a literatura de Cordel :
Casa dos Cordéis
O Instituto Cultural Casa dos Cordéis é um Espaço cultural criado pelo Poeta Folclorista e Cantador Bosco Maciel, com o objetivo de valorizar a Cultura Nordestina e Brasileira.
Periodicamente são montados Grupos de estudo para coletar peças e documentos que contam a história de nossos Costumes.