MANUEL BANDEIRA E O MODERN ISMO

A partir de 1940 Manuel Bandeira ocupava a 24a. Cadeira na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Júlio Ribeiro. As considerações, a seguir, focalizam alguns aspectos do pernambucano Bandeira.

1. Bandeira e o Modernismo no Brasil

Manuel Carneiro de Souza Bandeira descendia das famílias Souza Bandeira e Costa Ribeiro. Pode-se por isto considerar Bandeira como um pernambucano de mais de quatro séculos. O estudo destas mesmas famílias revela-nos que nas veias de Manuel Bandeira corriam quatro diversos sangues: o índio, o alemão, o português e o italiano.

Quase octogenário, o espírito de Manuel Bandeira, sob certos aspectos, se manifestava mais jovem do que quando entrava na virilidade dos 30 anos. Bem afirmava, então, Gilberto Freyre numa entrevista à Revista Visão: "Entre os velhos no Brasil, mais cheios de mocidade que muitos moços, me encanta, além de Villa-Lobos, o meu poeta predileto em português Manuel Bandeira". Bandeira era então alegre, satisfeito com o renome de que gozava, irônico nos escritos que ainda espalhava na praça literária. Ao contrário, em 1919 o desânimo habitava na alma do Poeta, que mais tarde levaria o nome do Brasil para além das fronteiras.

Quando nas altas camadas literárias se fez sentir o fracasso do simbolismo sobre o parnasianismo, aparece uma plêiade de poetas entre os quais se situa Manuel Bandeira. Estes vates aparecem num momento decisivo da evolução poética modernista. E, segundo alguns críticos, Bandeira pode ser considerado um precursor do modernismo. Na Semana Modernista de 1922, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, Bandeira, ali presente, teve a sua sátira dos "Sapos" declamada por Ronald de Carvalho. Isto comprova a antecipação de Bandeira ao Modernismo, tendo em vista que aquela Semana se dedicou exclusivamente à arte moderna.

A "Semana de Arte Moderna" foi o marco inicial para a introdução do modernismo no Brasil, como movimento organizado. Querem alguns críticos que, antes de 1922, somente as artes plásticas tenham sentido a reforma modernista. Isto, contudo, não parece exato, pois, como vimos, a literatura teve lances de modernismo já antes do discurso de Graça Aranha, considerado o marco de abertura do modernismo nas Letras. Mesmo que alguns ainda considerem polêmico se houve ou não lances modernistas na literatura brasileira antes de 1922, o certo é que o modernismo literário não eclodiu pelo discurso de um, mas foi resultado de um estado de espírito generalizado. Já desde há muito tempo as raízes deste movimento estavam-se aprofundando no âmago da cultura brasileira.

Manuel Bandeira, Graça Aranha, o Grupo Paulista e outros embarcaram no modernismo em pleno desenvolvimento. A Semana de 1922 não foi um fato pontual que acabou com o simbolismo para mergulhar no modernismo. O modernismo já estava crescido, mas à semelhança dos bombeiros, faltava-lhe apagar bom número de fogos. Eloy Pontes, por exemplo, reclama tenazmente contra o abandono da rima e da sintaxe na poesia. E chega mesmo a sustentar que Manuel Bandeira não se impôs por seus poemas modernistas, e o que lhe valera para entrar na Academia Brasileira de Letras teriam sido suas obras anteriores ao modernismo. Como Eloy Pontes, outros críticos se firmaram contra o modernismo, que mesmo assim triunfou imperiosamente.

2. Manuel Bandeira e sua obra

A obra de Manuel Bandeira jamais poderá ser separada da vida do homem Bandeira. Ao pegarmos suas poesias completas caberia dizer: "Aqui está a vida do poeta, aqui está o homem". Com a leitura de sua obra podemos traçar a curva de sua existência: seus anseios, seus desesperos... As poesias completas de Bandeira podem ser lidas qual diário. Chegando à última página descobriremos alguém em que o menino ainda existe. Cada grau da vida de Manuel Bandeira está refletida em algumas de suas obras. Aqui apenas a menção de algumas de suas obras. Entre outras, Bandeira produziu: A Cinza das Horas - Carnaval - Ritmo Dissoluto - Libertinagem - Estrela da Manhã - Lira dos 50 Anos - Crônicas da Província do Brasil - Itinerário de Pasárgada.

A Cinza das Horas - É o livro da mocidade e da doença. Nele encontramos um jovem ansioso de viver e desesperado em obter a cura, morbidamente melancólico. Sua disposição varia de acordo com o clima. Numa manhã de sol sente-se "belo como David e forte como Golias". Inversamente, uma manhã nublada significa desolação crepuscular. Todo o poema é a descrição desses sobressaltos, dessas recordações que encurralam o Poeta dentro de si mesmo. Constantemente afloram as lúgubres lembranças da mãe e da irmã mortas. A sátira dos "Sapos", inserida na "Cinza das Horas", satiriza os parnasianos: "Meu pai foi à guerra? Não foi -Foi! - Não foi!".

Ritmo Dissoluto - Nesta obra Bandeira evoca lugares que conheceu: Bélgica e outros. Comovem-no os meninos carvoeiros, o filho da lavadeira que solta balões. De vez em quando, nas longas noites de cismar, vagos remorsos se insinuam, e Bandeira fumando diz: " Em cada charuto que acendo cuido encontrar o gosto que faz esquecer". Um jornalista, interrogando Manuel Bandeira a respeito do crucifixo de marfim e da estátua de gesso que aparecem no "Ritmo Dissoluto", obteve a seguinte resposta: "Eles realmente existem. O crucifixo pertenceu à minha mãe, e espero morrer abraçado com ele como morreu minha mãe, meu pai e minha irmã".

Em 1930 Manuel Bandeira lançou a obra "Libertinagem". E em 1936 apareceu no mercado literário "Estrela da Manhã". Nestas duas obras a poética de Bandeira atinge o pleno amadurecimento. Algumas das obras-primas da poesia brasileira estão nestes dois livros. É o apogeu do Poeta. Como quem está no meio do caminho e olha para trás, assim o Poeta evoca a cidade de sua infància. Os parentes e as pessoas com quem o Poeta conviveu, agora dormem "profundamente". Denota-se, nestas obras, um profundo amor pelas criaturas: "Tenho vontade de beijar esta aranhazinha". É a influência do modernismo italiano, francês, inglês e norte-americano.

A Lira dos 50 Anos - Nesta obra Manuel Bandeira volta com grande e inesperada frequência ao verso tradicional, com métrica e rima. Não será isto um sinal de que o Poeta começa a sentir então a sombra da idade, e quer voltar ansiosamente ao mundo extinto? A própria obra parece confirmá-lo. Nos diversos capítulos da "Lira dos 50 Anos" a nostalgia pelo passado é flagrante. Celebra seu quarto e seu beco na Rua da União, em Recife, onde brincava de chicote queimado, e partia as vidraças da casa de dona Aninha. E agora, debruçado sobre o espelho, imagem do tempo, vê refletidas as rugas, os cabelos brancos, os olhos míopes e cansados. Então, com o coração partido de nostalgia, invoca o menino: "No fundo deste homem triste, descobririas o menino que sustenta este homem; o menino que não quer morrer, que não morrerá senão comigo".

No "Itinerário de Pasárgada" Manuel Bandeira narra sua longa viagem por este mundo. Antecipa-se ao modernismo, acompanha-o a seguir, para, finalmente, superá-lo. Narra o histórico de sua posição no modernismo.

Ainda em muitos outros poemas, Bandeira semeia pedaços de sua vida. Nem sempre os críticos são benevolentes com Bandeira. Só para citar um, Agripino Grieco, por exemplo, é mordaz quando afirma: "Quando leio Manuel Bandeira creio ver um esqueleto tocando-lhe piano na dentadura".

3. Manuel Bandeira no estrangeiro

Em 1957, esgotadas as belezas do Brasil, Manuel Bandeira embrenha-se no Velho Mundo em busca de novidades. Nesta estadia na Europa o Poeta prefere os museus às musas. Desembarcando em Londres, tira um paralelo com o Rio de Janeiro. Acha Londres um mundo, enquanto o Rio de Janeiro arremeda um simples povoado. Ainda em Londres, encontra a poetisa Edith Sitwell que já traduzira 37 de seus poemas. Descobre também ali o seu nome na revista "Times", ao lado de Carlos Drummond de Andrade. Os dois estão caracterizados como poetas da literatura hispano-americana. Bandeira, então, achou hilariante este particular: ele como poeta hispano-americano.

E as traduções de Bandeira para o Inglês, Francês e outras línguas continuaram. Assim, este modernista, ou precursor do modernismo literário brasileiro, garantiu o seu nome no mundo das Letras.

Inácio Strieder é professor de Filosofia- Recife/PE