L.E.R. – Lendo Escutando e Recontando - Parte I de IV
Mais do que afetar sua visão interior, ler é o pilar central na formação, não só do escritor, mas principalmente do cidadão, como disse Monteiro Lobato: “quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”, fato incontestável, pois não basta ler, é preciso compreender.
Lembro que um dia o professor explicou: os melhores escritores leram muito antes de se tornarem bons escritores; isso ficou na minha cabeça durante anos como regra absoluta até conhecer pessoas que praticamente não liam, mas eram mestres da palavra e verdadeiros sábios da vida, foi aí que pensei numa concepção diferente da palavra ler.
L.E.R.= Ler Escutar Recontar
De onde surgiu essa concepção? Eu tinha um exemplo em casa, minha mãe me contava e conta histórias que são verdadeiras parábolas, várias começadas com “minha mãe contava uma história que…”, suas histórias ganham vida devido à riqueza de detalhes e o principal, todas suas histórias surgem no momento certo devido a algum acontecimento atual, ouvido no rádio de cabeceira, visto na TV ou vivido por nós. Ela teve pouca instrução aprendendo apenas o ABC da roça, ler, escrever e trabalhar no sol a pino, mas com um detalhe a mais, conservado especialmente nos sertões, talvez pela forte cultura indígena, a tradição oral. O contar e recontar histórias, lidas pelos mais letrados ou passadas de geração em geração junto à fogueira, à mesa após as refeições ou em versos pelos poetas da vida.
Continuei observando e conhecendo ótimos escritores sem muita instrução, que assim como meus antepassados quase não leram, mas em compensação suas palavras ao serem passadas para o papel se tornam verdadeiras obras de arte. Meu tio era um verdadeiro contador de causos, mas os melhores são os que se contam dele, verdadeiro matuto dos contos de Monteiro Lobato. Avós, irmãs, tios, primos e até mesmo amigos da família, cada um com sua história me tornaram também um Forrest Gump.
Notei que todas essas pessoas, mesmo as que leem muito, têm o hábito de escutar e recontar o que leem. Eu quando escrevo algo a primeira coisa que faço é ler em voz alta, escutando e observando os erros, logo após leio para alguém e depois tento recontar a mesma história melhorando em cada passo. Se parar para olhar detalhadamente, desde criança conto histórias, lembro que um dia era padre, no outro ator de cinema, herói, bandido, sempre arrastando os amigos para dentro do meu mundo de histórias, fazendo isso até hoje. Quando falo de um filme, livro, revista, site, as pessoas já perguntam como podem ler, ver, comprar, porque eu não conto apenas, eu reconto a história teatralizando os movimentos, a voz, as expressões e seguindo sempre, automaticamente, os princípios da minha concepção de ler.
Lendo muito e sentindo o texto, absorvendo a essência dele.
Escutando as palavras do personagem ou do contador da história.
Recontando a história e acrescentando o meu olhar a ela.
Faça a experiência, tente você também recontar aos seus amigos, família ou grupo de crianças (que acho bem mais divertido) a história que leu ou até um fato que você viu, logo verá que estará contando suas próprias histórias.
Quem sabe não há mais do que você pensa dentro de você; quanto a mim, ainda hoje sou a mesma criança que conta história para os amigos.
N. do A. - Publicado Originalmente no site Prosa em Verso, coluna Visão Interior dia 17 de Fevereiro de 2010