"A poesia prevalece"

Inúmeros são os exemplos de obras, literárias ou de outra expressão artística, verbais e/ou não-verbais, antigas ou contemporâneas,como os excertos citados logo abaixo, que trazem o social ou o lírico em sua essência.Uma coisa é certa, a poesia está em todas e em cada uma delas. E, por ser poesia, lírica, intimista, crítico-social, reflexiva, erótica, seja qual for o tema, assunto ou forma de expressão, é engajada socialmente, pois dialoga com quem a recebe. Nenhuma obra intimista fala sobre algo alheio às pessoas. Portanto, não pode ser considerada como alienada.Nenhuma obra crítico-social provocará uma revolução social. A pretensão, intenção, desejo do artista independe da recepção. Está na recepção a possibilidade da reflexão, da mudança ou da alienação. Nunca na obra, pois toda forma ou expressão artística transcende a mediocridade, razão de sempre ser engajada socialmente, independentemente de ser lírica, reflexiva, intimista,erótica, crítico-social. É, no mínimo, inocente, para não dizer hipócrita e preconceituoso, quem acredita que um tema seja mais ou menos engajado socialmente que outro."A poesia prevalece." ( O Teatro Mágico)

“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. " (Iracema - José de Alencar - excerto)

Tenho músicas ardentes,

Ais do meu amor insano,

Que palpitam mais dormentes

Do que os sons do teu piano! (Excerto - Anjos do céu - Álvares de Azevedo)

Ismália (Excerto) Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar...

Viu uma lua no céu,

Viu outra lua no mar.

Florbela Espanca (Tortura - excerto)

"Quem me dera encontrar o verso puro,

O verso altivo e forte, estranho e duro,

Que dissesse a chorar isto que sinto!"

Noções (excerto)

Entre mim e mim, há vastidões bastantes

para a navegação dos meus desejos afligidos.(Cecília Meireles)

Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

(Trecho do conto 'Os desastres de Sofia', in "Felicidade Clandestina)

Clarice Lispector

Navio Negreiro (excerto)

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

(Castro Alves)

Tonga(excerto)

Banana. Palmar. Dendém.

Café robusta de Angola.

Preto na tonga

voluntário

contratado

preto-prato-colher

manta-sandália:

seus pertences nas estradas de Angola.

(Cândido da Velha)