Poesia - um percurso

Com o Renascimento, e o seu peculiar afã de revivescer o espírito grego-latino, argumenta Móisés (1987, p. 40-50), Aristóteles e Horácio foram retomados. Suas idéias foram tomadas como verdadeiros axiomas, dogmas de fé, leis imutáveis que os escritores só tinham que acatar e por em prática. Desse modo, o papel dos humanistas restringiu-se ao comentário e glosa dos textos aristotélicos e horacianos, aos quais acrescentavam o resultado de suas mediações. Por isso, aos gêneros ali mencionados se somaram outros, herdados da tradição medieval, e modalidades ou subgêneros desenvolvidos no século XVI. As discussões giravam ao redor de minúcias, por exemplo: pode a tragédia conter matéria histórica?, ou da interpretação do pensamento implícito nas principais passagens da Poética aristotélica e horaciana. Naturalmente, o entusiasmo conferido a aceitação das regras e leis ensinadas pelos “antigos”, e a sua análise, resultou em que não raro levassem ao pé da letra ou a um de seus extremos os postulados estéticos que defendiam.

A Semana de Arte Moderna, de 1922, foi um momento significativo da dialética da ruptura no que se refere aos paradigmas da poética clássica. Seguidores do romantismo, neste sentido, sob a crise da representação do começo do século XX, instauraram a estética da modernidade.

Como sabemos, rompendo com as estruturas clássicas, o romantismo propiciou o surgimento de uma nova interpretação do fenômeno poético.

Através dos poetas da década de 30, nasce uma poesia moderna consolidada e radical. As novas dimensões temáticas são formadas na poesia de Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes entre outros, considerados responsáveis por uma nova linguagem poética, originada dos compromissos políticos, sociais e religiosos dessa geração.

Já na geração de 45, encontramos uma poesia que retoma a forma clássica do soneto, ode e elegia. Essa geração trouxe ao meio literário um problema básico: o da concepção de poesia como arte da palavra. Nesse contexto, pode se dizer que essa geração crê que deve existir harmonia entre o pensar e o sentir, o sentir o e imaginar, quando se produz a literatura, implicando assim na idéia síntese de alguns modernistas da geração de 45, de que a atividade literária é um exercício constante de pesquisa da linguagem.

O poeta de Carlos Drummond de Andrade é considerado o poeta mais importante, não apenas da geração de 30, mas de todo o movimento modernista, pela amplitude e pela qualidade de suas poesias, as quais possuem processos estruturais que sempre marcaram o seu modo de escrever.

Estas poesias apresentam por meio da ironia, do sarcasmo e do humor o sentimento de mundo do poeta, ou seja, podemos dizer que na poesia de Drummond, o eu poético apresenta-se como reflexão do mundo, expondo a realidade, sendo ela social, política, humana ou filosófica, na qual o poeta faz a “escavação do real”, conforme coloca Alfredo Bosi (1993 p. 441). Dessa forma podemos afirmar que a poesia de Drummond “escava” as aparências e os desnudamentos dos dilemas, conforme se percebe em Claro Enigma (1941).

Na obra Rosa do Povo, publicada no fim da Segunda Guerra Mundial, encontramos poesias que oscilam entre o coração e o mundo. Em outras palavras, dizemos que aqui o poeta deixa brotar o sentimento de esperança, porém, essa fase logo retoma a secura de seus primeiros versos, nos quais o poeta coloca-se como um desajeitado, cujo coração apresenta um distanciamento que represa as suas emoções.

Em Murilo Mendes, encontramos uma poesia religiosa, mística, mas, sobretudo que não perde contato com a realidade social, conforme afirma Bosi (1993, p. 447): “É pensamento que não rói o real, mas multiplica-o, exalta-o (...)”. Nesse contexto podemos dizer que a poesia de Murilo caminha conforme o cotidiano. Essa idéia permitiu a poesia desse autor acompanhar as transformações vividas no campo econômico, político e artístico, sendo o poeta modernista brasileiro que mais se identifica com o Surrealismo.

As poesias de Murilo apresentam novas formas de expressões, com a unção do processo futurista da montagem e processo surrealista da seqüência onírica. Esses versos de livre associação de imagens e conceitos são características presentes em praticamente toda a sua poética.

A partir de Tempo e eternidade (1935), escrito em parceria com Jorge de Lima, Murilo Mendes parte para a poesia religiosa, mística, de “restauração da poesia em Cristo”. (BOSI, 1993, p. 448). Nesse caso, a poesia apresenta o dilema entre Poesia x Igreja, o material x espiritual. Outra característica marcante na poesia de Murilo é à consciência do caos, de uma civilização decadente, na qual a tarefa do poeta é tentar ordenar esse caos, utilizando-se para isso da lógica, da criatividade e do poder de libertação do trabalho poético. São significativos os títulos de seus livros: A poesia em pânico, As metamorfoses e Poesia liberdade.

O poeta que procurou “restaurar a poesia em Cristo” junto com Murilo Mendes, Jorge de Lima, possui em sua poesia traços das tradições cristã e africana. Alfredo Bosi (1993, p. 452), define a dimensão da obra do poeta, ao afirmar que o sentimento do poeta,

embora organicamente lírico, isto é, enraizado na própria afetividade, mesmo quando aparentemente dispersar-se em notações pitorescas, em ritmos folclóricos, em glosas dos grandes clássicos. É importante ressalvar esse ponto, porque sem a sua inteligência poderiam soar gratuitas as mutações de tema e de forma que marcam a linguagem de Jorge de Lima, poeta sucessivamente regional, negro, bíblico e hermético.

De acordo com a perspectiva de Bosi, Jorge de Lima possui em suas poesias temas folclóricos, sendo esse um dos elementos fundamentais nesse autor, aborda ainda uma obra de temas clássicos como a epopéia barroco-surrelista, presente na obra Invenção de Orfeu. Em suas poesias podem ainda encontrar poemas que apresentam uma tensão entre escravo e senhor, acentuada com a oposição entre negro e branco.

Vinícius de Moraes foi trovador moderno que cantava seus versos incorporados a Música Popular Brasileira, começou sua carreira escrevendo poemas de estilo simbolista. Entretanto, na medida em que se desenvolveu como poeta foi abandonado a contemplação e tematização do sentimento amoroso, e aderindo a tendências mais eróticas. A marca mais importe em sua poesia é a experiência do amor como algo concreto, na qual a eternidade se mede em termos de intensidade e não de duração cronológica. A sensualidade e a finitude das relações amorosas, intensas mais não eternas, pode ser considerado um traço típico desse poeta, aproximando a experiência poética com a experiência vivida.

Em Cecília Meireles, encontramos uma poesia característica principalmente pelo distanciamento do real, a fugacidade dos objetos, partindo para a sombra, e até mesmo para o sentimento da ausência e do nada. Cecília foi uma escritora atenta à riqueza do léxico e dos ritmos portugueses.

Partindo do ponto de vista de vista literário, a geração de 45 apresenta um retrocesso em relação à semana de 22. Em outras palavras, dizemos que nessa geração houve uma volta ao passado, com a valorização da rima, da métrica e do vocabulário erudito, porém sendo abordados temas contemporâneos.

A poesia de hoje procura uma direção mais objetiva, tendo em vista que privilegiam o universo do trabalho, da técnica e das tensões ideológicas. Conforme Bosi (1993, p. 468), ela pode ser “conteudista”, ou seja, preocupa-se com a mensagem que procura refletir a criticidade da realidade, sendo essa social, moral ou política; podendo ainda ser “formalista”, pois se preocupa com o código, ela procura dar ênfase a recepção que a poesia tende a ter como objeto de linguagem.

A nova objetividade poética é encontrada na poesia de João Cabral de Melo Neto, que em poesias metalingüísticas de grande importância, como Psicologia da Composição e A Educação pela Pedra, desvendam com estilo seco e despojado de verbalismos, o caráter essencial de sua obra. Dizendo melhor, os poemas desse autor se reúnem em uma só entidade, aparentemente objetivista, impessoal, mas reveladora do mar e do canavial, do litoral e do sertão, da morte em vida e da vida que explode, mesmo na morte, como em Morte e Vida Severina.

Ferreira Gullar, poeta do cotidiano, da carência, do desejo, e de cálida e sofrida oralidade. Possui também poesia que relembra sua cidade (São Luís do Maranhão). Uma outra importante característica em sua poesia é a presença do concretismo.

Outro importante precursor do concretismo no Brasil foi Mário Faustino, sendo considerado mestre nas formas tradicionais e inventor de linguagens novas. Através de influências Européias, escreveu poesia subjetiva e inovadora alusivas aos mitos dionisíacos, mas que visavam à exploração dos significantes.

Criada por Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, a poesia concreta era um ataque à produção poética da época, dominada pela geração de 1945, procurando superar a poética metafórico-musical do simbolismo. A partir da publicação do "Plano- Piloto para Poesia Concreta", o movimento completa maturação e as irradiações de suas idéias começam a se fazer sentir não só no próprio ambiente literário, como também em outras áreas do contexto cultural brasileiro. O material teórico encontrava-se na revista Invenção (1962) e no volume Teoria da Poesia Concreta de H. e A de Campos e D. Pignatari (1965).

Os concretos identificavam como precursores o Mallarmé do “Un coup de dés jamais n’ abolira lê basard”. O poema concreto tem como definição a arte como atividade produtora, sendo identificado como objeto de linguagem. Primeiramente, o leitor deve sentir a experiência concreta e depois examinar os seus princípios teóricos.

Os poetas concretos brasileiros reconhecem e promovem uma tradição tecnicista como ponto de referencial histórico e estético. O poeta concreto inova no campo semântico através dos ideogramas, no campo sintático, com a ruptura com a sintaxe da proposição, inovando ainda no campo léxico, morfológico, fonético e topográfico. Outra característica marcante é a estrutura frásica, na qual se encontram versos tanto na direção horizontal como na vertical.

A partir da década de 50 e 60 a poesia passa a apresentar traços da tradição clássica, embora tenha reflexos literários da poética da geração moderna de Drummond, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, entre outros.

Entre os principais aspectos retomados pela nova geração de poetas, cita-se o retorno do discurso poético que vem acompanhado do verso livre ou metrificado, além das novas margens autobiográficas. Essas poesias possuem também o caráter público e político da fala poética.

Já a década de 80, abriu as portas para um novo profissional, o tradutor, tendo em vista que essa geração ofereceu a rica cultura internacional através de traduções que procuram ser fieis aos textos originais, que tanto influenciaram a cultura moderna.

Um aspecto moderno de grande importância para a literatura está presente na crítica literária, que começou com os estudos éticos e ideológicos de Tristão de Ataíde, passando por Álvaro Lins na década de 40 a 60. É notória a influência francesa, sendo voltado para a análise moral e psicológica.

Outros grandes nomes da criticidade literária brasileira foram Afrânio Coutinho, considerado um especialista no movimento Barroco, que divulgou no Brasil os princípios do new criticism anglo-americano. Tem-se ainda nessa perspectiva Antônio Cândido de Mello e Souza que possui em seus ensaios a síntese mais completa da analise e interpretação da Literatura Brasileira. O maior legado desse crítico é sem dúvida e idéia de Tese e Antítese, presente em sua obra Formação da Literatura Brasileira. Além desses pode-se citar outros nomes importantes que estudaram a literatura brasileira e todo o processo de influência na formação da mesma.

Dessa forma, pode-se dizer que o novo surge pelo aproveitamento da literatura clássica. Ressurgem, no entanto, dentro do movimento dialético, momentos clássicos. O Modernismo, por sua vez, apresentou-se infenso às práticas anteriores (parnasianas), iconoclasta como o próprio Romantismo. A geração de 45 deixou aflorar, novamente, a forma e a temática clássica. Portanto, trata-se de um processo cíclico que nos permite afirmar: o clássico nunca morre, mas rejuvenesce em diferentes contextos.

Na verdade, o que vem surgindo são questionamento e alterações da tradição clássica para então se formar uma nova tradição. Sendo assim, podemos dizer que o homem e o mundo em sua relação dialética trás implícito na literatura moderna raízes muito mais antigas que parecem.