FALTAM LEITORES

Houve um tempo em que os escritores datilografavam aqueles seus textos que almejavam transformar-se em livros. Colocavam-nos debaixo de braço e partiam para um périplo rumo às editoras tentando conseguir que sua obra fosse analisada quanto à viabilidade da publicação. Os donos das editoras eram, não raro, pessoas ligadas à literatura, jornalismo, história e afins. Além deles, havia o mais temido profissional que um pretendente podia encarar: o “agente literário”. Ele podia ser o próprio dono da editora ou um ilustre letrado, um crítico literário ou ainda um iniciado no ramo com uma visão abrangente do que fosse literatura. Com toda a objetividade e também toda a subjetividade que esse nome podia carregar junto com o seu portador. O agente lia e recomendava ou não a edição do livro. Uma vez que caísse no gosto dos leitores, então o escritor fazia contratos exclusivos com determinada editora (sempre ganhando muito pouco, na maioria dos casos) e tinha “encomendas” do editor para a próxima obra. Nos casos de sucesso retumbante, recebia um gordo adiantamento e podia dedicar-se algum tempo por conta de escrever, se quisesse. No entanto, é sabido que são pouquíssimos escritores no mundo inteiro que sobreviveram ricamente à custa somente de suas obras literárias. São os escritores dos best sellers e outros menos votados, mas donos de obras de alcance literário universal.

Em pouco mais de meio século a população mundial mais do que duplicou. Estamos próximos de atingir os sete bilhões de pessoas na Terra. As novas tecnologias da informação rápida, acessível a rincões do planeta nunca antes imaginados, possibilitaram que se tornassem públicos os milhares, milhões de escritores, diletantes e profissionais, principalmente através da internet. Escritores que já existiam e nunca sonharam que um dia pudessem dar vida às suas obras. Escritores potenciais que nunca se animavam a escrever, já prevendo com pessimismo que não iam encontrar quem se dispusesse a lê-los. Escritores que descobriram que tinham uma capacidade inata mas que nunca antes haviam se arriscado e só o fizeram diante da visibilidade imediata que a internet possibilita e por conta disso se desenvolveram com uma rapidez semelhante à da transmissão de dados. Se for elencar todos e todas as suas motivações, certamente daria um artigo à parte. A máquina de escrever foi aposentada definitivamente e num clique a gente pode colocar a obra no mundo em tempo real. O recurso do livro em volume de papel, porém, ainda continua sendo o sonho de 9 entre 10 escritores. Está aí o livro eletrônico, mas não se popularizou tanto ainda a ponto do nosso gostoso e inseparável livro de mão, de abraço e de cabeceira ser abandonado. Vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, mas ainda permanecem o prazer, desejo e o sonho daquele cheirinho de gráfica.

E o agente literário com esse fenômeno desapareceu antecipadamente do mapa editorial. Ele agora é o caçador de oportunidades de ganhos para as editoras que também proliferaram como coelhos. Não mais são pessoas ligadas necessariamente à literatura que estão no seu comando. São empreendedores comuns que farejam boas perspectivas de vendas e cobram dos iniciantes que queiram publicar. Na maioria dos casos, o autor além de bancar todo o custo de sua publicação ainda fica com o ônus da distribuição, a parte mais difícil, é bom que se diga.

Nessas inversões de situação, o que ficou faltando, no meu entendimento foi o crescimento no número de leitores na mesma proporção que cresceu o numero disponível de obras para a publicação, daí a supremacia das editoras mais agora do que já era antes.

Há inúmeros outros fatores que considero que contribuíram para emperrar algumas portas que poderiam ampliar o número de leitores, bem como facilitar a publicação de novos autores. O mundo tecnológico veloz vem cada vez mais cristalizando uma sociedade ligada a imagens e valores individuais. As leituras de imagens falam muito mais do que a leitura de um livro. A imagem da pessoa tem muito mais valor intrínseco do que o conjunto de sua obra. O que a pessoa representa enquanto alegoria mental de sucesso é mais importante na sociedade moderna do que as idéias que ela possa disseminar. São conjecturas o que aqui faço. É um sinal dos tempos que ainda não apontam em nenhuma direção específica. Eu prefiro chamar de crise geral do sistema de pensamento mundial. Estamos diante de uma tendência a um pensamento homogêneo, com ligeiros disfarces de resistências e farpas fragmentadas. Todos parecendo ter muito a dizer e ninguém arredando muito do lugar comum de uma organização social que elegeu o sistema de produção e aquisição de mercadorias e serviços como guia, como pilar do mundo. As contradições internas ao modelo de pensamento se limitam a melhorar o que já possuímos e de conservar aquilo que ainda não destruímos.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 02/06/2010
Reeditado em 02/06/2010
Código do texto: T2294615
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