O Expresso 2222 Da Semiologia
Poder político é poder fazer a história oficial, abrigar-se confortavelmente na servidão à subliminar afirmação do repetir rotineiramente os mecanismos que fazem do homem escravo da rotina política e econômica neoliberal.
Poderá ele libertar-se do presídio manicomial da estrutura fechada dos signos da subjetividade, das palavras, da força estranha e implacável que suposta e realmente lhe dirige os quereres? Essa força real e literária (ficcional) da História. Através da literatura certa liberdade da linguagem pode acontecer. E acontece.
Barthes reconhece na linguagem “o objeto em que se inscreve o poder desde toda a eternidade humana”. Nela o autor pode vir a tornar-se senhor individual do corpo, da mente, de sua habitação física, mas, ainda não, dos eventos coletivos da História.
A literatura é real o suficiente para “desconstruir” a estrutura da linguagem subliminar que dirige de algum algures, a sutileza determinista dos fatos, a artificial dramaticidade das vivências que reproduzem o homem enquanto agente de incongruências e tragédias de rotina.
A literatura se faz das encenações de enunciados conotativos que se constroem, por vezes, de forma um tanto quanto compulsiva. O autor se torna o sal do mundo real acontecendo unidimensionalmente, ao recriar um universo ordenado a partir do caos pluridimensional dos interesses de sobrevivência social.
A literatura gera-se da crença que pode não haver identidade entre o real e sua linguagem: o objeto de desejo do real pode ser outro que não o do delírio de ser, sempre, uma absurda adequação à linguagem oficial.
A sensatez limite de querer realizar uma impossibilidade: isto é que é a função da literatura. Mallarmé, Baudelaire, Rimbaud, tio Marx, "tio" Freud, Marcuse, Reich e "tio" Joyce, Proust, ousaram mudar a linguagem como forma de mudar a percepção linear do mundo. Conseguiram realizar “perversões” literárias segundo a compulsão dessas e não de outra qualquer lei.
O autor quer, pode e precisa manter a força da deriva, a potência atemporal da 3ª Margem do Rio da percepção gregária. O autor inusitado deseja negar a validade da ação determinista dos agentes militantes de uma subliminar e congênita perversidade de dignitários leais. Cães de guarda de uma ordem que privilegia apenas uma "elite" entre aspas .
O autor literário precisa saber prover o silêncio ao modo da Fanopéia. E no silêncio subjetivo da força estranha do espírito, saber acompanhar o ritmo integrado da imaginação. Como diria Pessoa: "O teu silêncio é um barco com todas as velas pandas".
Imagine agora uma jangada em plena navegação marítima, com as velas enfunadas. O saveiro indo para o alto mar. O pescador pensando em trazer a pesca. A embarcação a movimentar-se velozmente por sobre as águas do grande oceano. O sol amanhece. Os planos de voltar ao entardecer.
"O teu silêncio é um barco trôpego com todas as velas pandas".
Ligeiro, ágil, percorre as distâncias sobre as águas como o barco da juventude percorre veloz o tempo da mocidade. E no silêncio abençoado da paisagem nas profundezas da superfície do continuum mar, o barco navega como se corresse sobre as ondas, no ritmo da poesia vivenciado no momento irrenunciável que não se repetirá. E a nau navega veloz por sobre os abismos da imensidade oceânica. O autor condutor da nau, em silêncio. A mente navega célere, esquecida de si, do eu, na substância oceânica dos significados.
Ah! Saber imaginar a essência do que a prosa suscita. Superar os impedimentos entre as palavras e os universos paralelos que elas sugerem. O leitor precisa saber abrir as portas da percepção para esses lugares sagrados nos quais as palavras fornecem a chave para abrir a porta da percepção do segredo silencioso que a leitura mais atenta profana.
O leitor necessita do sentimento da descoberta. Carecer aventurar-se no universo paralelo das velas enfunadas da imaginação em pleno navegar de sua embarcação imaginária.
Ah! Poder se libertar da ditadura denotativa da imagem literal das coisas. Não há fenomenologias a explorar na palavra petrificada pela musa malamada do significado restrito e formal da medusa dicionário.
Acessar o imaginário que a leitura proporciona aos que buscam a passagem para o universo paralelo do espírito. Despertar o verbo na carne tenra que se transcende, incorpórea, inteligente, ânimo, índole, subjetividade, ironia.
A força de literatura está em conseguir pluridimensionar os signos da linguagem. Ao contrário de lançá-los numa possível adesão aos desdobramentos sociais e econômicos do poder político, que fragiliza o opressor e o oprimido, reduzindo e coisificando a ambos na necessidade de sobrevivência do mundo rotineiro da luta pela aposentadoria. Não há poesia no cartão de ponto da Senzala urbana. Os edifícios da cidade de carne cooptando pessoas de cimento armado, gerando rotinas de trabalho.
Como conseguir uma Ética ou uma justiça para normatizar as relações entre opressores e oprimidos? Fica a impressão de que, se Deus existisse e baixasse numa mídia tvvisiva num programa de entrevistas, diria: “É doloroso saber que todos estão sempre na crista da onda, deslizando aventureiramente dentro do tubo de raios catódicos do inconsciente”. A crista da onda no tubo da telinha.
A rápida transitoriedade da alienação que se afirma nos discursos maquiavélicos das pessoas da sala de jantar. Caladas, silenciosas, olhando, hipnotizadas, as personagens de sua virtualidade se movimentarem na sala de jantar. Elas permanecem na poltrona. Sedimentadas pelas atrações das imagens institucionalizadas. Cooptadas como pedras na paisagem submersa de seu buffer de entrada. Os olhos fixos na bola bailarina entre um e outro pé de jogador.
Os constrangimentos da rotina transferidos para a atenção às imagens dramatizadas da tvvisão. E os gêneros (poesia, conto, novela, crônica, artigo, tese, romance) da literatura continuam em busca de decifração. O discurso gregário dos autores em busca de um leitor que saiba usar a imaginação. Que simplesmente saiba ler.
A semiologia ainda não é discurso universal. Apenasmente acadêmica.
Ser gregária, este não é um dos objetivos da literatura. Ela não induz ao bando. Ao raciocínio pastoso. O autor não escreve para o gado continuar sendo dominado pelo guardador de rebanhos. Os signos podem e devem ser pensados e pensados outra e mais uma vez. Cada novo e outro olhar sobre eles atualiza e “emociona” o leitor observador. Para a semiologia não há atributos a-históricos nos signos.
Por ser uma linguagem de linguagens, a liberdade de imagens que se superam na velocidade daqueloutro silêncio de que falava Pessoa, nunca poderá ser uma metalinguagem. Não terá tempo de se voltar para si reivindicando a análise do passado de si mesma: em direção ao futuro navega com as velas da imaginação enfunadas. O presente ponte por vir. Ligando lugares incomuns impossíveis de ser alcançados pela rotina.
Os discursos poéticos fruem e resistem à voracidade da onda, da moda, da natural antropofagia, perfumarias do tempo: Nada como um dia depois do outro. E neles ter uma memória poética. Não a memória da garota internética. Do ser empedrado frente ao muro engessado da virtualidade da telinha da tv.
A vivacidade fanática da força da sucessão de eventos aleatórios do calendário impõe, de maneira implacável, o discurso autoritário da realidade quotidiana. É como se a vontade de transparência desejasse tornar inteligível o subtexto do absurdo do real: os substratos desprivilegiados da sociedade induzidos, em massa e subliminarmente, a eleger o candidato que melhor os submete à pobreza, ao desabrigo, à deseducação, e os mantêm, incluídos os eleitores que adoram passar em túneis com seus carros, e mostrar no trânsito que têm também celulares da moda, verbalizando bobagens à beira de um ataque coletivo de nervos.
A semiologia não apreende diretamente o real, apenas faz com que ele, por momentos, dê-se à vista sem mistificações. Atua, desta forma, provisoriamente, enquanto signo universal, rápido como um cometa. Esta semiologia desdobra-se em realidade. Nela, os valores antigos, autoritários, repetem a si mesmos, projetando-se para além de cada reveillon do 3º Milênio. Como se este ainda estivesse no passado do século XX. E o tempo histórico repetindo-se. Regressivo. Regredindo. Retroativo.
Para a semiologia os melhores textos são os textos do imaginário inusitado.
A literatura, em meio a esta conjuntura de eventos mórbidos deseja desmistificar-se. E ao leitor. O discurso semiológico transcende. Faz transcender. A semiologia quer refletir-se no discurso da ficção. Ela, signos. Mais das vezes só consegue transformar-se numa estátua de sal. Os velhos signos têm a transcendência bufarinheira do ferro-velho. Literatura para coelhos. As perfumarias continuam a fazer a cabeça das pessoas como se estas vivessem em tocas. Logomorfas. Leporídeas. Domésticas. E vivem mesmo. Sedimento do tubo de raios catódicos do inconsciente. Por isso necessitam do sofá. . . Mas as pessoas da sala de jantar. . .
O absurdo da ficção é o absurdo do real. A História passada, lugar privilegiado da fantasmagoria. Certo estava Michelet que fazia da História uma imensa Antropologia. As gerações de ontem, que convivem contemporâneas das novas gerações, não querem sentir-se diluídas nessa política fantasmas agindo no estilo arcaico, antropofágico e troglodita de afirmarem o autoritarismo das cavernas: sombras na alegoria de Platão.
Barthes convence ao afirmar que a língua deve ser combatida, deslocada, do interior. Tais gestos de deslocamento desfocalizam significantes de significados, marginalizam o discurso institucional: faz oscilar o agente oficial, logocêntrico, inserindo na História um novo e providencial sujeito, liberto do imaginário ideológico formal. Anterior:
Os discursos do poder político, através do quarto poder, as mídias precisam criar realidade, não apenas comentar a realidade antecedente. A dimensão utópica do discurso de Barthes define, desta forma, a liberdade de navegar pela linguagem dos lastros ideológicos doa sentidos pegajosos, rançosos, rancorosos, horríveis e tatibitates, dos signos antecedentes.
Saia da frente da medusa da sala de jantar. Se é que você pode, estátua de pedra, novamente se levantar.