Essa Coisa Chamada Amor: George Herriman e o seu Krazy Kat

Um gato(a) inocente e de raciocínio curto (Krazy Kat)

ama perdidamente um rato anarquista (Ignatz Mouse)

que, além de não retorna-lhe o amor e afeição, lhe res-

ponde com tijoladas na cabeça que Kat, ingenuamente, inter-

preta como "mensagens de amor". Um cachorro policial,

(Ofissa Pup), perdidamente apaixonado por Kat (que parece

não notar o amor de Pup), frequentemente encarcera Ignatz

não apenas para cumprir seu dever, mas também por não

suportar os maltratos de Ignatz para com Kat. Krazy Kat é a

história de um triângulo amoroso não correspondido de nenhum

dos lados e também a mais inteligente, original e idiossincrática

tira de quadrinhos já criada.

Inicialmente inseridos timidamente em The Dingbat Family/The

The Family Upstairs em 1910 (primeira tira de sucesso do

George Herriman), aos poucos o gato e o rato começaram

a roubar a cena e em 1913 ganham sua tira diária.

No começo eles tinham papéis mais ou menos definidos

na tradição clássica.

Em 1916, graças a boa aceitação das tiras diárias,

KK ganha o suplemento dominical, permitindo a

Herriman um maior espaço para o exercício do seu

humor erudito, surreal e idiossincrático e do emprego

de jogos linguísticos que já foi (sabiamente) definido

por um crítico como uma mistura de The Katzjenjammer

Kids (famosa tira da época que no Brasil ficou conhecida

como Os Sobrinhos do Capitão) com James Joyce.

No começo dos anos 20 a tira começa a adquirir seu

formato clássico e a despertar a atenção de intelectuais,

artistas e poetas;atenção esta que só iria aumentar

com o passar dos anos.

Dentre seus admiradores podemos citar o Walt Disney,

Charles Chaplin, Pablo Picasso, E. E. Cummings (que

chegou a escrever um famoso ensaio sobre a tira) e

mais recentemente Umberto Eco.

Não só lhes chamaram a atenção a inventidade e

virtuosismo gráfico e textual, mas principalmente suas

qualidades surreais, filosóficas e poéticas.

A partir da segunda metade dos anos 20 a tira atinge

considerável popularidade, mesmo que nunca tenha

chegado perto de destronar os campeões da época.

Ainda que se note claramente a genialidade e origi-

nalidade do Herriman em cada quadro de suas tiras

diárias (especialmente do ano de 1920), são nas pá-

ginas dominicais que veremos Krazy Kat em

toda a sua glória; nelas o exercício non-sense e teatro

absurdista atinge níveis de virtuosismo gráfico, beleza

plástica, pathos e poesia tão altos a ponto de alguns

críticos considerarem (acertadamente) algumas

destas páginas como pura poesia visual.

Se na primeira metade dos anos 30 as páginas dominicais

já tinham atingido um nível artistico incomparável,

como comentar o material produzido a partir de

1935 EM CORES? O que era genial atingiu o status de

obra de arte e talvez nada produzido nos quadrinhos

antes ou depois se compare a esses painéis.

Se contarmos suas primeiras aparições como coadju-

vantes em 1910, Krazy Kat permaneceu "no ar" por

34 anos, mas a grande ironia é que nunca foi uma tira

muito popular e em seus últimos anos circulava em

pouquíssimos jornais.

Calma que eu explico.

O magnata dos jornais William Randolph Hearst (re-

tratado no filme Cidadão Kane) era um fã incondicio-

nal da tira, e sempre que algum editor reclamava

da reação negativa dos leitores, Hearst praticamente

obrigava-os a não retirá-la pois ele mesmo era um fã

incondicional e por pior reputação que ele tenha adquirido

com o passar do tempo, é importante frisar que ele

foi o responsável direto pela longevidade e reconhecimento

quase póstumo da obra do Herriman.

Ainda hoje Krazy & Ignatz divide opiniões; para alguns é um

quadrinho repetitivo e com um senso de humor um

tanto estranho, para outros é justamente na repetição das

situações (tijoladas na cabeça, encarceramento de Ignatz

por Ofissa Pup etc.) que reside um dos seus (muitos)

charmes; Herriman conseguiu repetir a mesma idéia por 34

anos ininterruptos mas sempre com variações extremamente

criativas.

A minha opinião é que Krazy tem um efeito cumulativo

no leitor: a beleza e poesia brotam justamente da leitura

contínua e da infindável repetição das situações.

Krazy Kat nunca vai alcançar o status de fenômeno popular de um

Calvin e Haroldo ou Charlie Brown, mas não seria exagero

considerá-la como o Sgt. Peppers dos quadrinhos e a meu

vêr nada produzido para os jornais ou talvez nas HQ's

como um todo se compare a esta obra sui generis.

Ramon Bacelar
Enviado por Ramon Bacelar em 19/04/2010
Código do texto: T2206415
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