Ventos nórdicos

Ventos nórdicos

Impiedosas labaredas crepitam-lhe o peito punindo-o. Ventos nórdicos rigoroso inverno vaticinam. Na alma, o resquício da indiferença a lho sobraçar. Lancinantes sentimentos o consomem. No olhar vítreo, os revérberos da paixão a depor em desfavor do coração em arritmia.

No alvéolo, o néctar da decepção a brindá-lo. Na cristalina taça a taciturna imagem o amargo regresso fê-lo imitar face a face. O gélido licor aos lábios frêmitos escorre. Une-se às lágrimas. Rios solitários às espáduas convergem. Líquidos poemas a enfebrecida fronte tartamudeiam. Ao som das uivantes cítaras, a epiderme ante a neblina eriça. Álgido, o pálido poeta à dorida estação, às maresias inevitáveis do tédio, se rende.

Com as mãos convulsas, à reza, se antepôs. A um frenesi constante, à emoção, se predispôs. Solilóquio titubeia. Quimeras ao vazio amordaçam-no. No âmago, a ânsia congênita a mortificar o instante. Alvas formas materializam-se. Gaivotas notívagas, à claridade do oásis, revoam.

No maternal regaço, à miragem, a face convertida pende. Recosta e chora. E indaga: por que recusa em negar o óbvio?Que mal fiz em receber tal flâmula? Quisera ser um Bocage d’esquina, um vate imundo! Que não se confunda eu a um Dante vagabundo!

Se, à sombra da literatura, sou nobre ou plebeu, rico ou pobre, pouco importa a indumentária: à efêmera essência ou à posteridade os pútridos brasões não farão falta. À vala dos homens esquecida, as larvas comporão a mesma feita. E rirão! E sobejarão!

Às épicas abantesmas do passado, a deidade dos hauridos sonhos de si escarnecia. Das hisurtas batalhas o sentimento lhe afervorava. E no hoje o hercúleo “eu-pedante”, ao relento, silente se desmaterializa. Na mortal luta, o bom combate o amor se queda de esperança, como em enevoado mar perdida vela. De um oceano vergonhoso às marés revoltas: quisera das noites de alienação sobrenadar (como um cadáver) na existência...

Nos vapores do licor o ébrio assombreado murmura sentidas agonias. Recobra-se à realidade e medita vertigens antepassadas. Curvilíneas marcas a seca do instante, moribunda, o semblante deixa. A incerteza a alma recobra. O amor atormentado do ontem se desprende ao lobrigar das orações.

As retinas rentes o horizonte vislumbram. Na frouxa luz o além remonta. À noite, o soturno cavaleiro desponta e ordena: é hora de peregrinar, pois se vos ficar agonizando a fugidia efígie tereis que levar convosco a mortalha... Atinai, por hora, oh pálido poeta! Despertai enquanto é tempo, pois ela vos aguarda de braços abertos...

À órbita escura, desfaz-se o fantasma do apocalipse com as lendárias imagens. Uma paz interior o antecede e preenche o vazio do antes. Com a gélida brisa a oscular-lhe os lábios, segue-se reorientado pelo ponteiro do abstrato sentido à nau de seus dias mais abrumados...

Pálido poeta
Enviado por Pálido poeta em 18/04/2010
Código do texto: T2204927
Classificação de conteúdo: seguro