Eurico, O Presbítero
O romance inicia-se com a narração da luta entre godos e árabes na Península Ibérica. Eurico, o Presbítero, acontece no século VIII. Alexandre Herculano, o autor, explora com descrições competentes os efeitos desse pano de fundo histórico.
O narrador relata a aventura de Eurico, um cavaleiro que havia sido impedido de casar-se com Hermengarda, e resolve entrar para um monastério. De lá só sai para auxiliar na expulsão dos árabes, disfarçado em Cavaleiro Negro.
É um valente e destaca-se na luta unindo-se ao bando de Pelágio, irmão de Hermengarda. Recupera a ex-namorada, libertando-a do período em que esteve prisioneira dos árabes. Confessa-lhe seu amor, porém se reconhece impossibilitado de realizar sua paixão, por estar envolvido com a Igreja.
Diante desse suposto impedimento, Hermengarda adoece e enlouquece, e Eurico passa a enfrentar sozinho os bandos de inimigos muçulmanos, movido por sua ânsia suicida, desde que nada lhe importa mais, uma vez perdida a oportunidade de unir-se à Hermengarda que havia entrado em surto psicótico, sorrindo com “risadas que faziam eriçar os cabelos, tão tristes, soturnas e dolorosas eram elas: tão completamente exprimiam irremediável alienação do espírito.”
Faço a opção por uma análise psicológica do personagem de Alexandre Herculano. É possível que ele estivesse sexualmente impotente. Sabe-se que o amor é, por vezes, apenas uma disposição afetiva de ordem moral ou intelectual, com relação a alguém ou a alguma coisa. Já a paixão é uma emoção de alto grau de intensidade, que se sobrepõe à lucidez e à razão.
Apaixonado por Hermengarda aproxima-se dela, não para afirmar a sensibilidade romanesca, mas para confirmar sua impossibilidade de realizá-la. Ora, se a mulher Hermengarda dominava seus sentidos pela presença de sensibilidade e beleza, o que o impedia de abandonar a batina e seguir o curso natural de seus instintos?
Talvez Eurico estivesse tão envolvido com as contradição de seu tempo, o amor carnal, versus o amor sublimado em religiosidade, confirmando-se a impossibilidade de realização de seus instintos de macho, de homem, ele destruiu não apenas a ele, mas ao objeto de seu amor frustrado: Hermengarda.
A paixão platônica justificada quando não havia necessidade de declarar seu amor para ela, desde que não poderia afirmar-se enquanto macho. Justificou para ela essa impossibilidade dizendo que não poderia realizar esse amor, desde que era um monge. Ora, nada o impedia de abandonar a batina e seus compromissos religiosos pelo amor de uma mulher.
Para Hermengarda Eurico, mais que homem, era o herói que a havia salvo das mãos do inimigo religioso, os mouros. Não havia necessidade dele pronunciar seu discurso amoroso para ela, desde que, em seu íntimo, não poderia realizá-lo.
Impossibilitado de amar fisicamente a mulher, o que ele fez? Inconscientemente impossibilitou-a de amar qualquer outro homem. Ao malograr as expectativas amorosas da mulher Hermengarda, a admiração e a afeição dela, uma vez transformadas em impedimento definitivo, obstruiu seus sentidos em todas as instâncias físicas e psicológicas, provocando a manifestação exteriorizada do histerismo e da loucura.
Talvez movido pela culpa, Eurico tenha se transfigurado no mais impetuoso guerreiro da cristandade naquela plagas da luta contra os árabes. A paixão, quando sublimada, libera forças incompreensíveis para o comum dos mortais. Ora, como explicar, de outra maneira mais persuasiva, que um monge possa se comportar com tamanha bravura e valentia, a ponto de superar em coragem e ousadia, os guerreiros mais exímios do império português e da cristandade?
Impedido, por motivos de natureza física e psicológica, de exercer sua sexualidade, ele canaliza essa energia afetiva do amor, transformando-a em ódio e bravura no enfrentar os inimigos na guerra, convertendo o sentimento amoroso em destrutividade. Na realidade a manifestação dessa “ira divina” era uma execração dele para consigo mesmo. Odiando-se, por não poder realizar seus instintos amorosos com a mulher idealizada, ficava mais fácil odiar fanaticamente o resto do mundo. E ainda transformar-se em herói do cristianismo.