O Conto Conta A Sua História
A palavra conto deriva de contu- (Latim), e de kóntos (Grego), ambas com significado igual. A palavra é originária de computu- (Latim), com o sentido de "cálculo", "conta". Há outra possibilidade: A origem do conto vem do termo commentu- (Latim), significando "invenção", "ficção".
Há outra hipótese: a palavra conto seria um deverbal, procederia do verbo contar que, por sua vez, teria origem em computare, que inicialmente quer dizer "enumerar objetos". Com o tempo passou a significar metaforicamente, "enumeração de acontecimentos".
A palavra conto na Idade Média, significou a simples enumeração de fatos dentro de uma narrativa. Em A Demanda do Santo Graal, é comum a expressão: "Ora diz o conto que...", usada com a função de estabelecer nexo entre os vários episódios que compõem a intriga, o enredo.
No século XVI a rubrica ficou em sentido específico. Surge o primeiro contista em Língua Portuguesa, dentro do conceito moderno: Gonçalo Fernando Troncoso, autor dos Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, editados em 1575. Ele contou com a influência de D. Juan Manuel, Boccaccio, Bandello, e outros.
Surgem então idéias doutrinárias sobre o conto: Na Corte da Aldeia (1619) de Francisco Rodrigues Lobo. A partir desta publicação, apesar da presença da criação literária chamada novela, o vocábulo conto nunca mais perderia sua denotação literária.
A palavra "conto" em suas diferenciações, é usada em espanhol e francês, respectivamente cuento e conte. Em inglês, é conhecido por "short-story", para as narrativas de caráter literário, e "tale", para as narrações populares e folclóricas. Em alemão usa-se "novelle" e "erzählung", no sentido de "short-story , e "märchen" no sentido de "tale". Em italiano os termos são "novelle" e "racconto".
Estudiosos apontam o conflito entre Caim e Abel como exemplar de conto. Na Bíblia, os episódios de Salomé, Rute, Judite, Susana, a história da mãe judia, a história do filho pródigo, a ressurreição de Lázaro, o episódio do Rabi-Akiva. No antigo Egito, a história de "Os Dois Irmãos" e de "Setna e o Livro Mágico", ambas de autor desconhecido, do século XIV a. C., seriam os primeiros contos escritos da história antiga.
As Aventuras de Eumaneus, intercaladas na Odisséia, Os Amores de Orfeu e Eurídice, que constam nas Metamorfoses (Ovídio), são considerados contos. Da antigüidade Clássica outros exemplos: O Naufrágio de Simônides, de Fedro, A Matrona de Éfeso, de Petrônio, A Casa Mal-Assombrada, de Plínio, O Moço e o Sonho de Apuleio, As Fábulas de Esopo e Fedro. Todos são embriões de contos ou contos ocasionais, traduzem o surgimento de um modo específico de narrar.
É do Oriente, da Pérsia e da Arábia que vêm os exemplares mais típicos de contos: As Mil e Uma Noites, Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, Simbad, o Marujo, Ali-Babá e os Quarenta Ladrões, O Mercador de Bagdá. Esses contos são considerados o que de melhor existe em matéria de contos antigos.
Da Índia nos vêm, de autor desconhecido: Panchatandra. Dos fabulistas e contistas indus, ficou a notícia de um único deles, Somadeva, do século X a. C., autor de Oceano de Histórias.
Durante a Alta Idade Média (séculos XII a XIV), o conto conhece uma época áurea, as gestas cavalheirescas, o aparecimento de contistas de primeira categoria, mestres deste tipo de narração: Boccaccio, com suas Novelle, Margarida de Navarra, com seu Heptâmeron, e Chaucer, com Cantrebury Tales. Eles elevaram o conto a níveis alcançados apenas três séculos depois.
Nos séculos XVI e XVII, graças ao influxo de Boccaccio, o conto é cultivado na Itália. Matteo Bandello (Le Novelle), Celio Malespini (Duecente Novelle), Francesco Doni (I Marmi). Eles testificaram um amplo período de prestígio para o conto.
Na Espanha com Cervantes (Novelas Ejemplares), Quevedo (La Hora de Todos). Na França colaboram uma série de contistas: d´Ouville (Contes), Perrault (Contes), Mme. D´Aulnoy (Contes de Fées), La Fontaine (Contes). Este, apesar da prodigalidade dos autores, é considerado pelos historiadores, um período de declínio e afetação de que poucos escritores se salvaram.
O século XVIII reflete um ambiente revolucionário. Na França surgem contistas que se sobressaem dos demais, a exemplo de Piron, Marmontel e Hamilton, liderados pelo meste do conto de todos os tempos: Voltaire, autor de Zadig, Cândido, O Ingênuo, Micrômegas, A Princesa da Babilônia, mantêm a vitalidade do conto conseguida até então, apenas pelos escritores medievais.
No século XIX o conto conhece sua era de maior grandeza e intensidade. O conto abandona seu estado empírico, indeciso, sem caráter científico, folclórico, para ingressar numa fase tipicamente literária: ganha estrutura e narração características, compatível com a essência de seu desenvolvimento histórico. Transfigura-se em pedra de toque para todo ficcionista que se preza.
Nunca foi tão elevada a quantidade de contos editados como na segunda metade do século XIX, com contos de alta qualidade literária. Na França avultam os grandes contistas: Balzac cultivou a forma excepcionalmente (Contes Drôlatiques), Flaubert (Trois Contes) e Maupassant. Este, por sua competência inata, torna-se o mestre indiscutível do conto. Escreveu uma série de obras-primas modelares, reunidas em alguns volumes: Boule de Suif, La Maison Tellier, Contes du Jour et de la Nuit.
Muitos outros dedicaram-se ao conto sem o brilho de Maupassant: Alphonse Daudet, Charles Nodier, Théophile Gautier, Stendhal, Prosper Mérimée, e outros. No século XIX destacram-se Edgard Allan Poe (Tales of the Grotesque and Arabesque, The Murders in the Rue Morgue, entre muitos).
Nicolai Gogol, considerado com Poe o introdutor do conto moderno. Anton Tchecov, considerado o maior contista da Rússia, e Henry James, atribuíram ao conto mistério e misticismo, próprios da alma eslava. Tchecov escreveu duzentas e quarenta e cinco histórias. Hoffmann se notabilizou com seus Contos Fantásticos, muito lidos no século XIX.
Em língua portuguesa surgem alguns contistas de gabarito. O primeiro de todos, Machado de Assis, autor de "Missa do Galo", "O Alienista", "Uns Braços", "A Cartomante" e muitos outros: Alexandre Herculano, Rebelo da Silva, Júlio Diniz, Conde de Arnoso, Teixeira de Queiroz, Fialho de Almeida, Eça de Queiroz, Teixeira de Queiroz, Trindade Coelho, Bel Botelho, D. João da Câmara, Coelho Neto, Domício da Gama, Pedro Rebelo, Aluísio Azevedo, Júlia Lopes de Almeida, Afonso Arinos, Valdomiro Silveira, Simões Lopes.
No século XX a voga do conto continuou, impelindo-o às vezes, na direção da crônica e do poema em prosa: Anatole France, Vicente Blasco Ibánez, Pio Baroja, Henry James (mencionado), Virgínia Woolf, Katherine Mansfield, Kafka, William Saroyan, James Joyce, William Faulkner, Ernest Hemingway, Selma Lagerlöf, Máximo Górky, e demais.
Em Portugal e no Brasil o panorama é igualmente rico: Hugo de Carvalho Ramos, Monteiro Lobato, Aníbal Machado, Alcântara Machado, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Dalton Trevisan, Osman Lins, João Alphonsus, Ribeiro Couto, Orígenes Lessa, Afonso Schmidt, Marques Rebêlo, Jorge Luis Borges, Carlos Drummond de Andrade, José Rodrigues Miguéis, João de Araújo Correia, José Cardoso Pires, Aquilino Ribeiro, Domingos Monteiro, Castro Soromenho, Irene Lisboa, Alves Redol, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, Branquinho da Fonseca, José Régio, Miguel Torga, Manuel da Fonseca, Rubem Fonseca, Decio One, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Júlio Cortázar, Luís Vilela, Murilo Rubião, Autran Dourado, Hilda Hilst, Wander Piroli, Moacyr Scliar, Garcia de Paiva, João Gilberto Noll, Modesto Carone, Julieta de Godoy Ladeira, André Carneiro, Flávio Aguiar, Sérgio Faraco, Adonias Filho, Alan Viggiani, Fernando Sabino, Josué Montello, Tânia Faillace, Zulmira Ribeiro Tavares, Marcos Rey, Miguel Jorge, Oto Lara Resende, Péricles Prade, Hélio Pólvora, Ivan Carlos Regina, Loyola Brandão, Hardy Filho, Ricardo Ramos, Chaves Valério, José Magalhães da Costa, Nelson Nery Costa, Joaquim Bezerra Feitosa, José Ribamar Garcia, José Tavares de Souza, Marcos Patrício Nogueira Lima, Edgar Pereira, Pedro Mendes Ribeiro, Ana Clélia Basílio Napoleão do Rêgo, Maria do Socorro Santana Ramos, e outros.
A LINGUAGEM DO CONTO
1) O diálogo direto (ou discurso direto) permite que as personagens entrem em contato verbal entre si de uma forma literária, a partir da qual o narrador não interfere. Ou sua interferência é, supostamente, mínima. Desde que o autor cria as personagens, a influência não é tão mínima, como querem alguns teóricos do conto.
2) No diálogo indireto (ou discurso indireto), o autor resume as falas das personagens em forma narrativa, sem destacar o diálogo entre elas.
3) No diálogo indireto livre (ou discurso indireto livre), a terceira e a primeira pessoa da narrativa se fundem. Entre autor e personagem (ou personagens), há uma espécie de interlocutor. Ele fala a língua das personagens, e insere-se discretamente em seus discursos, através dos quais o autor relata ou interfere nos fatos narrados.
4) No diálogo ou monólogo interior, a personagem subjetiva-se, fala consigo mesma, em vários níveis de consciência. Um exemplo deste estilo de narrar é o da escritora Clarice Lispector, dos escritores Dalton Trevisan e Decio One, p.ex.
Segundo Massaud Moisés, em seu livro A Criação Literária, o epílogo do conto corresponde ao clímax da história: enigmático por excelência precisa surpreender o leitor por seu caráter imprevisível, revelado afinal, à curiosidade insatisfeita. Tudo é difícil e ao mesmo tempo fácil no conto, a depender dos recursos empregados pelo escritor. Da técnica de elaboração literária do autor.
A aplicação e a dedicação no uso da palavra se concentra mais no momento de iniciar a narrativa. Das primeiras linhas e parágrafos, depende o futuro da continuidade narrativa. Se ele consegue prender a atenção do leitor desde o início ("a primeira impressão é a que fica"), certamente o leitor lerá até o final. Se não gostar, não vai adiante. Exceto se for um estudioso dos vários estilos de narrativa curta.
No conto, por suas próprias características, o começo e o fim estão próximos. O autor não deve perder tempo em delongas e firulas que enfastiem o leitor. Pelo contrário, deve a narrativa ser o mais dinâmica possível. O epílogo está presente na introdução, e o leitor é chamado pelo mistério narrativo e fixa sua curiosidade na continuidade narrativa, em busca de um ápice dramático que justifique a chama de sua curiosidade intelectual, acesa pelo processo narrativo.
O início pode ser o grande trunfo do contista. Nele, por vezes, ele mostra o passado anterior ao fato, e este truque narrativo prende a atenção do leitor e justifica as páginas seguintes do texto e a atenção dele, leitor, para a continuidade da narração, com cada vez maior interesse.
Ao contrário do romance e da novela, toda a atenção deve somar-se na síntese das primeiras linhas. O contista deve saber principiar, chamar a atenção, despertar a curiosidade a partir de alguma estratégia narrativa que o identifique (o ledor) com o enredo, com uma paisagem e/ou com os sentimentos e emoções das personagens.
O leitor do conto é, presume-se, um indivíduo "apressado". As solicitações profissionais e familiares não permitem um tempo maior para a introspecção. Deseja desentediar-se, participar da emoção fornecida pelo narrador, pelos conflitos que tornam os diálogos interessantes e provocam uma incitação dos sentidos. Normalmente esse leitor não possui tempo hábil para aprofundar-se nos significados menos superficiais. Quando o leitor entra na viagem subjetiva de uma personagem e com ela se identifica, então está pego pela narrativa ou pela dramaticidade desenvolvida pelo autor.
No conto, a visão do ledor está, por vezes, limitada às margens mais próximas da narrativa. Se é afoito arrisca-se a atravessar o rio, enfrentar a correnteza, os redemoinhos, vencer a profundidade, a distância maior que o separa das margens. O universo do conto não é tão amplo como o do romance ou o da novela. Uma visão mais geral, universal, profunda e abrangente dos eventos narrados, é característica do romance, narrativa mais longa, que não exige do autor da narrativa curta, o talento na construção literária da síntese de eventos e emoções que precisam estar presentes logo nas primeiras linhas do conto.