Comida de hospital (Parte III)
Como as poltronas que havíamos comprado pela internet ficavam bem próximas ao inutilizado banheiro, todos os desavisados que tentavam fazer uso dele tinham, necessariamente, que passar por nós, Eliana e eu. Foi o quanto bastou para que eu exercesse o meu oculto lado sádico-voyeur: passei a montar guarda para alertar, com um meio sorriso no canto dos lábios, a quem se aventurava a querer fazer uso daquela latrina, inteiramente digna de figurar como protagonista num daqueles filmes melequentos do Zé do Caixão.
“-Não vá. A coisa aí dentro está bem feia...”
Era o que eu informava aos incautos, ostentando aquele ar melífluo do conde Vlad Drácula, o real, ao assistir o empalamento de suas vítimas.
Quem desobedecia, de forma insensata, ao sábio aviso saía de lá como se tivesse visto um strip-tease da Lacraia, aquela da Eguinha Pocotó.
E foi nessa toada de uma nota só que nós atravessamos aquele resto de noite, até que chegamos em Presidente Prudente, logo no início da manhã. Depois de passar pela rodoviária da cidade o “Sujinho” se dirigiu até a garagem da Motta, aonde presumivelmente seria limpo; pelo menos era o que Eliana, eu e toda a torcida ali dentro, esperávamos.
Prá nossa sorte, descemos do ônibus e fomos fazer uso dos sanitários da base da Motta, razoavelmente limpos e asseados, pois a funcionária que entrou munida de vassoura e sacos de lixo, ou não estava a fim de cometer suicídio, ou então fez de conta que não viu o estrago no banheiro do “Sujinho”, que emporcalhado estava e emporcalhado ficou, comprovação feita por este nauseado escriba, quando quis verificar, logo que o “Sujinho” se moveu, se o serviço de desinfecção havia sido efetuado. Foi um abrir e fechar de porta instantâneo e estrepitoso, antes que eu fosse atraído por aquele buraco negro malcheiroso.
Prá compensar tanta vicissitude fomos contemplados com uma visão majestosa do rio Paraná, hora em que a abertura de nossas janelas tornou-se ainda mais útil, pois essa abertura nos permitiu fotografar à vontade aquele imenso mundo azul.
Adentramos então o estado do Mato Grosso do Sul, e em poucas horas chegaríamos a Dourados, o objetivo dessa nossa aventura rodoviária.
Numa das muitas cidades sul-mato-grossenses em que o “Sujinho” parava, (Acho que foi em Glória de Dourados.) uma das companheiras de viagem, vestida a caráter com uma blusa tipo oncinha, perguntou-me quanto tempo faltaria de viagem para a cidade seguinte. Eu lhe informei, ou desinformei, (visto que não fazia mínima idéia...) que não conhecia, até então, o estado. Pedi então à dama de estampas de onça que tirasse uma foto de Eliana comigo, explicando detalhadamente a ela como se fazia para executar tal mister.
Até agora eu ainda guardo a impressão de que a moça se aproveitou da oportunidade de ouro que eu lhe oferecera e se vingou do infectado banheiro do “Sujinho” na foto que tirou de nós dois: a danada conseguiu, numa só foto, cortar as cabeças e os pés de mim e de Eliana.
Enfim, precedidos por um estonteante Sol de Abril e após quatorze horas de viagem com os sucessos já relatados, chegamos a Dourados. Já havíamos verificado na internet que o hotel em que ficaríamos, Íbis, estava localizado bem próximo ao Terminal Rodoviário de Dourados, o que nos possibilitaria um banho restaurador após pouco mais de duzentos metros de caminhada.
Vergados sob o peso de nossas matulas, mais parecendo figurantes de um filme do Glauber Rocha do que propriamente turistas, entramos na recepção do Íbis para o check-in rotineiro e confirmar as reservas que havíamos feito com antecedência. Mantendo o meu índice de trapalhadas intacto, errei duas vezes a senha do cartão de crédito, antes que Eliana me salvasse do vexame de bloquear o nosso cartão com mais uma tentativa infrutífera – eu queria por que queria colocar um número a mais na senha do dito cujo.
Após o check-in efetuado lançamos mãos de nossas bagagens e fomos para os nossos aposentos nos livrar mais do que depressa da entranhada inhaca do “Sujinho”.
(Vai continuar)