Esportes perigosos
A comoção causada pela morte de Maguila (até o americano Mike Tyson lamentou o fato), ex-boxeador que nos encantou não apenas com suas muitas vitórias mas também com seu jeito bronco mas afável, força-nos a refletir sobre a vida. Nos seus últimos tempos, José Adilson Rodrigues dos Santos - que doou seu cérebro para ser estudado pela ciência - enfrentava uma doença neurodegenerativa. Inicalmente, o lendário ex-atleta havia sido diagnosticado com Alzheimer -doença que tinha acometido sua mãe e outras pessoas de sua família - mas depois se concluiu que ele era, na verdade, vítima de encefalopatia traumática crônica, também conhecida como demência pugilística e que é resultado de repetidas pancadas na cabeça. Como consequência, Maguila, que tinha sido um homem forte(ele ganhou o apelido de Maguila quando trabalhava como servente de pedreiro por causa da sua força física), foi definhando devagar e morreu ainda relativamente jovem, aos 66 anos, com a aparência de um homem de 80. Estava parecendo o pai de Evander Holyfield, ex-boxeador americano de 62 anos que ainda está em plena forma.
A morte de Maguila, um grande ídolo brasileiro, mostra-nos que no final fama e glória não servem para nada e são passageiras. Ele se tornou famoso e ganhou dinheiro com isso, mas infelizmente pagou um preço alto demais. E isso também nos leva a perguntar se vale a pena conseguir fama, dinheiro e glória quando colocamos nossa vida e saúde em risco. Lembremos bem disso porque outros ex-boxeadores, como Éder Jofre e Muhammad Ali passaram seus últimos anos sofrendo com os danos cerebrais causados pelo boxe. Assim como Maguila, eles conquistaram fama e deixaram seus nomes na história do esporte, mas pagaram com a saúde e foram se degenerando aos poucos. O boxe é um esporte potencialmente perigoso e mais de uma vez lutadores chegaram a morrer em pleno combate.
Não são poucos os filmes que têm o boxe como temática que falam sobre os perigos que a prática da “nobre arte” envolve. Entre eles, podemos citar os filmes da série Rocky (com Sylvester Stallone), O campeão(com Jon Voight), Menina de ouro (com Hillary Swank e Clint Eastwood) e A luta pela esperança (com Russell Crowe). Em todos esses filmes, é abordado o fato de que as lutas colocam em risco a vida dos boxeadores. E vale mencionar que A luta pela esperança é baseado na vida real do boxeador Jim Braddock, que, na época da Grande Depressão, teve que lidar com o desafio de enfrentar um oponente que já tinha matado dois adversários.
Embora a doença de Maguila seja também chamada de demência pugilística porque foi observada primeiro na década de 20 quando médicos avaliaram o estado de saúde de ex-boxeadores, não podemos esquecer que ela não afeta apenas lutadores de boxe. Aliás, ela afeta também jogadores de futebol americano, rúgbi, hóquei e já foi constatado que muitos ex-lutadores de MMA andam dando sinais de danos cerebrais resultantes dos anos de luta. E devemos lembrar que Bellini, o capitão da seleção brasileira de 1958, que antes havia sido diagnosticado com Alzheimer, na verdade tinha encefalopatia traumática crônica como resultado do fato de que cabeceava muito, visto que era um homem alto. Não foram poucas as vezes em que ele saiu de campo com a cabeça machucada.
No caso do futebol americano, um filme(baseado numa história tristemente real) que conta como a prática do esporte afeta grandemente o cérebro dos atletas é Um homem entre gigantes, que relata a luta do neuropatologista nigeriano Bennet Omalu (muito bem interpretado por Will Smith), que vivia nos Estados Unidos e começou a desconfiar de como o esporte afetava a saúde dos atletas ao fazer uma autópsia no ex-jogador Mike Webster, que havia morrido de problemas cardíacos com apenas 50 anos. Webster, que tinha sido uma estrela do futebol americano, nos últimos tempos, era apenas uma sombra do homem que fora um dia, apresentando um comportamento errático, vivendo nas ruas, tendo episódios de esquecimento, agressividade e depressão. Omalu, analisando o cérebro do ídolo, viu que havia algo muito errado e suas suspeitas só se confirmaram ao analisar os cérebros de outros astros do esporte, dois dos quais haviam cometido suicídio. Ele tentou alertar a NFL mas sua vontade de contar a verdade entrou em choque com a liga de futebol americano, afinal esse é um esporte altamente popular nos Estados Unidos e envolve bastante dinheiro. Porém, é triste constatar que a modalidade esportiva que atrai multidões aos estádios naquele país representa um potencial risco à saúde dos jogadores.
Na vida real, o futebol americano já quase foi abolido porque antes a média de vida dos jogadores era muito menor do que a de um americano médio e mesmo hoje, com os avanços na medicina esportiva, há vários riscos à vida dos jogadores. Muitos morrem de morte súbita, quebram o pescoço e é alto o índice de jogadores que sofrem fraturas e concussões em plenas partidas. Nos últimos tempos, foi observado que alguns jogadores que tinham cometido suicídio e crimes tinham a encefalopatia traumática crônica, que, além do esquecimento, pode causar paranoia, distúrbios de ordem bipolar, problemas na fala e movimentos e fraqueza muscular. Aaron Hernandez, um jogador que estava na cadeia por homicídio e cometera suicídio na prisão tinha a doença e exames no seu cérebro concluíram que seu cérebro era o de um idoso. Um detalhe triste nesta história é que ele tinha apenas 27 anos, mas seu cérebro já estava altamente deteriorado. Aliás, a expectativa de vida de um jogador é entre 55 e 60 anos, ou seja, menor do que a expectativa de vida geral de um americano médio, que é de 78 anos para um branco e 70 para um negro segundo pesquisas. Por sinal, antes a expectativa de vida de um jogador era de 35 anos e ainda hoje poucos são os que chegam a uma idade avançada após se aposentarem do mundo dos esportes.
Acrescentemos que, embora até agora a doença fatal tenha sido vista quase que apenas em atletas homens, há pouco tempo ela foi constatada em uma ex-atleta, Heather Anderson, ex-jogadora de futebol americano australiana que servia no Exército e se suicidou com apenas 28 anos. Sua morte gerou surpresa e comoção e uma análise acurada do seu cérebro concluiu que ela tinha a encefalopatia. Com a entrada cada vez maior de mulheres em esportes que antes eram exclusivamente masculinos, temos que nos preparar para o fato de que Heather Anderson, a primeira mulher diagnosticada com a doença, com certeza não será a última atleta feminina que apresentará encefalopatia traumática crônica, haja vista o fato de que hoje temos mulheres lutando boxe e MMA e jogando rúgbi e futebol americano.
Além do boxe e do futebol americano, não podemos esquecer os riscos do MMA. Lutadores como Chuck Liddell e Nam Phan(lutador americano de origem vietnamita) já mostram sinais de dificuldade de fala e movimentos, o que mostra como muitos esportes são altamente perigosos. Chega a ser perturbador ver homens fortes chegando a um ponto em que se tornam irreconhecíveis e não lembram nem de longe o que costumavam ser. De fato, a vida é muito frágil e não passa de um sopro e isso nos faz realmente questionar se adianta conquistar fama, glória e fortuna quando os riscos envolvidos são tão grandes.
Naturalmente, não se pode esperar que esses esportes sejam abolidos. Mas que sejam divulgadas cada vez mais informações importantes e que haja uma preocupação maior no sentido de se proteger os atletas que praticam esportes perigosos. E fiquemos torcendo para que, no futuro, sejam feitas descobertas científicas que propiciem uma melhor qualidade de vida aos atletas e que as mortes de pessoas como Maguila e tantos outros atletas não tenham sido em vão.