Atlético Clube de Sousa: entre política e Futebol, uma nova era no Sertão Paraibano

O nascimento do Atlético Clube de Sousa: dissidência, política e Futebol (1974)

Segundo Andrade Filho (2021), em 12 de maio de 1974, na cidade de Sousa, sertão paraibano, um movimento de dissidência política culminou em um ato que mudaria para sempre o cenário esportivo local: a fundação do Atlético Clube de Sousa. Em um contexto de intensas disputas políticas e rivalidades pessoais, um grupo de líderes locais se uniu com o objetivo de criar o primeiro clube de futebol profissional da cidade. No centro desse movimento, figuras como Maximino Pinto Gadelha, Zé Afonso, Luiz Carlos de Clota, Doca Gadelha, Paulo Gadelha, Salomão Gadelha e Adefácio Queiroga destacaram-se como protagonistas.

Naquele ano, a cidade de Sousa era dominada pela Sociedade Esportiva Sousa, o principal clube de futebol amador (considerada semi-profissional), que já consolidara uma sólida base de torcedores. No entanto, o desejo de criar uma nova entidade esportiva, dotada de estrutura profissional, era impulsionado por algo além da paixão pelo futebol: o Atlético nasceu como um reflexo das tensões políticas da época. A dissidência que levou à criação do clube estava enraizada nas disputas internas do grupo marizista, que controlava grande parte da política local.

Entre os fundadores, destacavam-se tanto apoiadores quanto dissidentes do grupo liderado por Antônio Mariz, então figura proeminente na política paraibana. A fundação do Atlético foi uma resposta direta à hegemonia política e esportiva da Sociedade Esportiva Sousa, uma equipe que tinha o apoio de outra corrente política local. Essa rivalidade extrapolava as quatro linhas do campo e reverberava nas ruas, nos comícios e nas decisões políticas da cidade. Desde então, a cidade passou a viver intensamente os clássicos entre o rubro-verde da Sociedade e o rubro-anil do Atlético, em duelos que incendiavam as ruas e as arquibancadas.

O cenário dessa fundação foi marcado por uma reunião no centro de Sousa, onde os líderes se encontraram para traçar os primeiros passos do novo clube. Ali, em um ambiente carregado de expectativas e promessas de mudança, decidiu-se que o Atlético representaria não apenas uma nova era para o futebol sousense, mas também um canal de expressão para aqueles que se sentiam marginalizados no contexto político local. Era um clube que nascia como símbolo de renovação, ao mesmo tempo em que se consolidava como uma força de resistência.

A Sociedade Esportiva Sousa, conhecida como a "Gloriosa", enfrentou um período de desafios. Embora tenha mantido uma base sólida de torcedores, a SES precisou reformular seu elenco para enfrentar a nova ameaça que se erguia com o Atlético. Foi nesse contexto que emergiu o jovem goleiro Josué, um ícone de coragem e dedicação, que conquistou o coração da torcida rubro-verde com suas defesas arrojadas e seu amor pelo clube. Além dele, o centroavante Osvalri e o meia Edmilson formavam o eixo ofensivo da equipe, oferecendo à SES uma dose de esperança em meio à tormenta.

Do outro lado, o Atlético Clube de Sousa, com sua camisa rubro-anil, rapidamente estabeleceu uma equipe de peso. Seus dirigentes, com recursos financeiros e contatos na Federação Paraibana de Futebol, não escondiam suas ambições: disputar o Campeonato Paraibano de profissionais. E, com uma equipe estrelada, composta por nomes como Bartô (goleiro), Cândido, Carlos Augusto, e o temido atacante Edilson, ex-Sociedade, o Atlético começou a provocar seu rival com uma série de triunfos.

O clássico inaugural pela Taça "Dr. Tomaz Pires dos Santos"

De acordo com Andrade Filho (2021), a primeira grande prova de fogo veio em uma série de três confrontos épicos, válidos pela Taça "Dr. Tomaz Pires dos Santos". Em meio à expectativa, a rivalidade entre as duas torcidas atingiu um nível explosivo. Eu, como fervoroso torcedor da Sociedade, nutria um pessimismo amargo. O Atlético parecia invencível, e sua pequena, porém barulhenta, torcida gostava de nos provocar a cada oportunidade.

Contudo, no primeiro jogo, realizado no Estádio Antônio Mariz, a equipe rubro-verde se superou. Com o estádio lotado, a SES, sob o comando do técnico Gilmar Marques, entrou em campo com uma intensidade inesperada. Osvalri e Edmilson comandavam o ataque, enquanto o lateral Henrique tinha uma missão clara: neutralizar Edilson, que havia trocado a Sociedade pelo Atlético. E ele cumpriu sua função com maestria. No fim do primeiro tempo, após uma cobrança de escanteio, Edmilson balançou as redes para a Sociedade, explodindo a torcida rubro-verde em comemoração. A vitória por 1 X 0 foi suficiente para entrar nos anais do futebol sousense.

O reencontro: segundo confronto e o gol de Braz

Com o moral elevado após a vitória inicial, a Sociedade entrou no segundo jogo com confiança renovada. Já o Atlético, ferido, sabia que precisava vencer para manter vivo o sonho da taça. O jogo, no entanto, foi um teste de paciência e estratégia. A SES, novamente com sua defesa firme e organizada, resistiu bravamente às investidas atleticanas. Contudo, quando o relógio já apontava para o fim da partida, o inesperado aconteceu. Edilson, até então bem marcado, conseguiu uma jogada de brilho individual, que culminou no gol de Braz, decretando o 1 X 0 para o Atlético e levando a decisão para o terceiro e decisivo duelo.

A grande final

Em um domingo de novembro de 1974, as ruas de Sousa vibravam com a expectativa da grande final. O bairro das Areias, local do Estádio Antônio Mariz, estava tomado por torcedores desde o amanhecer. A cidade vivia o auge da rivalidade. Sem a presença massiva dos meios de comunicação modernos, as notícias do confronto circulavam pelas ruas e rádios locais, alimentando o fervor das duas torcidas.

O Atlético entrou em campo com: Bartô, Amadeu, Cândido, Zamba, Douglas, Carlos Augusto. Edilson, Moacir, Massangana, Negro Dí e Teles.

A Sociedade era formada por: Custódio, Quixadá, Henrique, Holanda, Josué (goleiro) e Santos. Toinho (massagista), Chico Machado, Butija, Osvalri, Edmilson, Erivan e Gilmar Marques (Treinador).

Os jogadores, cientes da magnitude do momento, entraram em campo prontos para o duelo final pela Taça "Dr. Tomaz Pires dos Santos". De um lado, a Sociedade, tentando reafirmar sua hegemonia; do outro, o Atlético, ansioso por se consolidar como a nova potência de Sousa. O jogo foi marcado por tensão, com cada lance sendo disputado com a alma.

A terceira e decisiva partida seguiu o mesmo roteiro das anteriores, marcada por um equilíbrio implacável do início ao fim. A tensão pairava no ar, enquanto os lampejos de genialidade da Sociedade, especialmente no primeiro tempo, reacenderam por instantes a chama da esperança.

As oportunidades surgiram para ambos os lados, mas o destino parecia indeciso. A Sociedade perdeu chances preciosas, assim como o Atlético. Porém, em um déjà-vu doloroso, bem próximo do fim, o Atlético encontrou novamente o caminho das redes. Foi Correia, com um toque sutil da ponta da chuteira, quase que empurrando a bola, que finalmente quebrou o impasse. O gol, curiosamente, aconteceu por volta dos trinta e cinco minutos do segundo tempo, na mesma trave e no mesmo lado norte do estádio, como na partida anterior.

O apito final trouxe a desolação para a maioria. A torcida da Sociedade silenciou, envolta em tristeza, enquanto os gritos eufóricos da torcida atleticana ecoavam em meio ao estádio, celebrando uma vitória que, mais uma vez, havia escapado por entre os dedos da rival.

A final se tornaria uma das mais memoráveis da história do futebol sousense, deixando marcas profundas na memória dos torcedores e consolidando a rivalidade entre a SES e o Atlético Clube de Sousa, um capítulo inigualável na crônica do futebol paraibano.

O ano de 1975: a estreia e os primeiros desafios

A cidade já era acostumada a ter sua presença representada em campos de futebol, mas até então, apenas em torneios amadores ou semi-profissionais. Agora, Sousa finalmente teria um time para disputar o Campeonato Paraibano de Futebol, um feito que encheu de orgulho os corações de seus habitantes.

O Atlético ingressou no cenário profissional com um misto de esperança e incertezas. Naquele período, não havia divisões de acesso no futebol paraibano, e o clube foi convidado pela Federação Paraibana de Futebol para integrar a elite do estadual. Para o povo de Sousa, ter um representante no certame foi um marco histórico, um ponto de partida para o que viria a ser uma curta, mas intensa trajetória.

Logo em sua estreia no campeonato, em 23 de março de 1975, o Atlético enfrentou o Guarabira, apelidado de "Espantalho do Brejo". A partida, realizada no estádio Antonio Mariz, acabou sendo desastrosa para o time sousense, que, desfalcado de oito de seus titulares, perdeu por 2 a 1. A torcida, inicialmente frustrada, encontrou na justificativa das ausências uma explicação para o resultado adverso.

O jogo seguinte, no entanto, era aguardado com grande expectativa. O Atlético receberia em Sousa o Campinense Clube, a temível "Raposa" de Campina Grande, tetracampeã estadual e dona de uma tradição invejável no futebol paraibano. A cidade estava em polvorosa, e a diretoria atleticana garantia a estreia de contratações de peso, como o goleiro Bartô, vindo do Icasa de Juazeiro do Norte, e os atacantes Braz e Zamba. Entretanto, a chuva castigou o estádio e as condições do gramado pioraram ainda mais, o que prejudicou o desempenho da equipe. Mesmo assim, o Atlético lutou bravamente, mas acabou derrotado por 2 a 1, com dois gols do habilidoso ponta-esquerda Valnir, do Campinense.

Apesar das derrotas iniciais, o Atlético começou a mostrar seu potencial logo na terceira rodada, vencendo o tradicional Nacional de Patos, em pleno estádio José Cavalcanti, por 1 a 0. Foi o início de uma virada, tanto em termos de organização quanto em resultados. O senhor Antonio Pedro da Silva assumiu o cargo de diretor de futebol, trazendo uma nova estrutura para o clube, que se refletiu em campo.

A rivalidade com o Botafogo-PB: a batalha do Antonio Mariz

Um dos momentos mais memoráveis da temporada de 1975 foi o confronto entre o Atlético de Sousa e o Botafogo da capital, o poderoso "Belo", que chegara ao campeonato paraibano em alta, com uma equipe repleta de craques trazidos em parceria com o São Paulo Futebol Clube. O presidente botafoguense, José Flávio Pinheiro, havia revolucionado o futebol paraibano, importando talentos de fora e promovendo mudanças estruturais no clube. A atmosfera antes do jogo foi tensa, com a imprensa da capital questionando as condições do estádio Antonio Mariz e prevendo um clima hostil para a delegação da capital.

O jogo, realizado em abril de 1975, foi épico. No primeiro tempo, Edilson, o grande artilheiro do Atlético, abriu o placar com uma jogada genial, deixando a defesa do Botafogo estonteada. No entanto, o Botafogo empatou com um chute forte de Benício, ex-jogador do Atlético, tornando a partida ainda mais dramática. No segundo tempo, o embate continuou acirrado, com cada time marcando mais um gol. O empate em 2 a 2 foi comemorado como uma vitória moral pela torcida sousense, que via seu time bater de frente com os gigantes da capital.

A consagração: uma campanha brilhante e a conquista da torcida

Após o empate heroico contra o Botafogo, o Atlético entrou em uma fase de grande confiança. As goleadas de 5 X 1 no Nacional de Cabedelo, em Sousa, e 5 a 0 sobre o Santos, de João Pessoa, no Almeidão, foi uma prova do futebol envolvente e eficiente que o "Leão do Sertão" passava a exibir. A imprensa esportiva da capital se rendeu ao futebol sousense, publicando manchetes como "Ninguém segura o Atlético", em referência à brilhante atuação do time no estadual.

O Atlético ainda registrou duas vitórias importantes neste ano: 1 X 0 sobre o Nacional, em Patos; 2 X 1 sobre o América, em Sousa; e 3 X 2 frente o Santa Cruz, em Santa Rita.

Aquele primeiro ano foi de surpresas e conquistas. Edilson se destacou como o grande artilheiro do Campeonato Paraibano de 1975, com 13 gols, e o Atlético conseguiu ficar à frente de equipes tradicionais como o Nacional de Patos e o Guarabira. No entanto, o campeonato foi interrompido por uma série de disputas judiciais envolvendo o Auto Esporte, o que acabou por encerrar a competição sem a realização do terceiro turno. A Federação Paraibana de Futebol declarou Botafogo e Treze campeões estaduais de 1975, uma decisão que gerou controvérsia e reclamações de outras equipes, inclusive o Atlético.

Os anos seguintes: brilho e declínio

Em 1976, o Atlético manteve sua força. Mais uma vez, Edilson brilhou como artilheiro, marcando 16 gols e consolidando sua posição como um dos maiores jogadores da história do clube. O Atlético, com um elenco sólido e o apoio incondicional da torcida, continuava a ser uma força no futebol paraibano, embora não tenha conquistado títulos naquele ano.

Os resultados mais expressivos do Atlético neste ano foram as vitórias de: 01/02 - 4 X 0 Nacional de Patos, em Sousa; 08/02 - 2 X 1 no Santa Cruz, em Santa Rita; 15/02 - 7 X 0 Santos de João Pessoa, em Sousa; 22/02 - 2 X 1 no Guarabira, em Guarabira; 14/03 - 1 X 0 no Auto Esporte, em Sousa; 01/05 - 2 X 0 no Esporte, em Patos;

A campanha de 1977, no entanto, trouxe uma queda de rendimento. As dificuldades financeiras e estruturais começaram a pesar sobre o clube. Mesmo com a dedicação de seus jogadores e dirigentes, o Atlético não conseguiu manter o mesmo nível de desempenho dos anos anteriores. Aos poucos, o "Leão do Sertão" foi perdendo fôlego, até se afastar das competições profissionais.

Legado

Embora sua trajetória no futebol profissional tenha sido curta (1975 a 1977), o Atlético Clube de Sousa deixou um legado indelével no coração dos torcedores sousenses. Foi um símbolo de resistência e paixão, representando uma cidade que, com orgulho e bravura, enfrentou os grandes do futebol paraibano. A equipe continuou em atividade, no futebol amador, até os primeiros anos da década de 1980, período em que conquistou alguns títulos importantes, como o Copão Progresso, torneio interestadual envolvendo equipes da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

O "Leão do Sertão" pode não ter durado muitas décadas, mas sua história, marcada por grandes jogos e momentos inesquecíveis, permanece viva na memória daqueles que viveram os dias de glória do futebol sousense.

Referências

ANDRADE FILHO, F. C. de. Capítulos da Formação e Trajetória do Futebol Profissional de Sousa. Sousa: Edição do Autor, 2021.

Josemar Alves e Francisco Cicupira de Andrade Filho
Enviado por Josemar Alves em 06/10/2024
Reeditado em 16/10/2024
Código do texto: T8167367
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