Capoeira: Mestre Canjiquinha - A Alegria da Capoeira! (resumo)
Mestre Canjiquinha
(resumo e adaptação: Carioca)
Notas Preliminares -
Ás vezes, numa mesma página existem frases contendo afirmações contraditórias. Não se engane. É isso mesmo. A Capoeira é um jogo de duplo sentido. Tem duas faces quase nunca bem distintas.(pag 2) ... Canjiquinha é do tempo em que Capoeira, filosofia e putaria erram aprendidas na rua! Subentendido: a Capoeira é uma luta que o Negro criou para se livrar com Arte da escravidão! (pag 3) Por exemplo: pra se livrar do mal use malícia!
Capoeira é luta, esporte, brinquedo...
Para Canjiquinha ela é preferencialmente brincadeira. Melhor ainda se tiver público assistindo. Na Roda, gingando em frente ao parceiro ele costuma dar um corrupio (dar a volta ao mundo sobre si mesmo). O adversário/amigo segue à risca as regras da brincadeira. Qualquer iniciativa sua de ataque será neutralizada por uma chapa de costa. O jogo é combinado -- herdado de marmeladas e combates simulados nos ringues de luta livre, vale-tudo e greco-romana que o mestre praticou nas décadas de 50 e 60. (pag 5)
Mas, toda volta ao Mundo dada sobre si mesmo tem seus riscos. O adversário nem sempre tá na do parceiro. Resultado: um corrupio dado só para floreio é brecado por um armeloque muito bem encaixado, como castigo -- aviso de que capoeira é coisa séria. A regra da brincadeira foi quebrada. Canjiquinha protesta, presepa, faz uma tremenda lambança. Se defende dizendo que Capoeira á vera é pra os inimigos e que na Roda é pra vadiar com os amigos e companheiros. (pag6)
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Mestre Canjiquinha
Minha vida é um livro aberto! Já briguei, já bati, já apanhei!
Nascimento
Pai: José Bruno da Silva
Mãe: Amália Maria da Conceição
Local de nascimento:
O Brasil todo sabe onde nasci. Nasci no Maciel de Baixo, número 6, ( em cima do armazém do Nicanor) em 1925, (pag 43) depois me mudei pro Matatu Grande, ali onde Pastinha tinha Academia, antes dele ter perto do Sangradouro. (pag 44) Maciel de Baixo localiza-se nas imediações do Pelourinho, Centro Histórico de Salvador.
Eu me casei com a Ivone em 1955. (pag 37)
A INICIAÇÃO
Domingo, 1935. Matatu Pequeno, Brotas. Baixa do Tubo. Na frente do banheiro do Otaviano tinha uma quitanda, lá encontrei homens bebendo cachaça e treinando. Todo domingo eu e Botino de Ogum, meninos ainda, ficávamos olhando.
A mãe não queria, (pag 12) ainda mais sendo Capoeira. Mão no chão, qualquer roupa, shorte todo lascado. (pag 13)
Além de ser coisa de marginal, a Capoeira era mais violenta do que hoje, então eu ia escondido! (pag 92)
Eu não aprendi capoeira entrando logo na roda. Ele mandava eu chegar 11 horas, eu chegava as 9, (só aos domingos), aí eu ia, varia o chão e ele me botava assim de lado, ficava me explicando as coisas.
Ele via meu interesse:
Porque Mestre é aquele aluno que quer aprender!
Aberrê tinha o peito cheio de medalhas! As medalhas, eu tenho pra mim que não eram nada, porque naquele tempo não tinha disputa. Antônio Raimundo Aberrê significou muito pra mim. Quando eu falo dele eu choro. Porque se hoje estou aqui perante vocês, agradeço a Ele. Sem Ele eu não era nada neste mundo. ( pag 27)
Aprendizado:
Um dia um cidadão chamado Antônio Raimundo apelidado de Aberrê, (pag 9) vendo a gente só olhando, aí ele disse assim:
-- Ô meu filho, venha cá! Você quer aprender ?
Eu disse:
-- Quero !
Ele mandou me abaixar. Quando me abaixei, aí eu vi o pé e pulei !
Aí ele disse:
Ô meu filho, a partir de hoje eu vou lhe treinar ! (pag. 10)
Quando estava no melhor do gosto a Polícia vinha... CAVALARIA. Naquele tempo o nome dos Homes era CAVALARIA.
A polícia não me pegava porque eu corria. Mas não precisava levar queixa de capoeirista à Polícia, não, porque eles íam à procura e não precisava ninguém mostrar por causa da zuada, da confusão. Mais tarde a CAVALARIA chegava. Mas ficava um cara/vigia, quando ele dava o sinal, aí, a gente quebrava no beco. ( pag 14)
Quando passasse 8 ou 15 dias a gente voltava para o mesmo lugar, e sempre terminava em confusão.
CAPOEIRA SEMPRE TEVE CONFUSÃO... eu aprendi assim ! Lá vai, lá vai, lá vai... (pag 12)
(VOLTA AO MUNDO / pag 11)
O mestre disse assim:
-- É o seguinte, meu filho, você corre esse lugar aí, o que você vê e gostar, você fica pra você. Se você não gostar, deixa pra lá !
Então eu ia olhando os capoeiras. Eu jogava, perguntava ao finado Geraldo Chapeleiro. Eu perguntava as coisas e ele me explicava. Ele via meu interesse, me explicava.
E mais gente me ensinou, a tocar o berimbau foi Zeca do Uruguai. Eu todo domingo levava charuto pra ele, então ele me ensinava a tocar berimbau. ZECA DO URUGUAI era escuro, bicheiro e tinha bigode grande.
A Aberrê e a Zeca do Uruguai devo muito de Capoeira. Tudo que venho transmitindo de geração para geração. Não tenho português. Não sou formado em filosofia. Nada disso, né? A minha leitura é muito fraca.
O que eu sei de Folclore é transmitido para muita gente, pra muito intelectual, pra muito escritor, tá entendendo. Esta nome Canjiquinha é conhecido no mundo todo. É escrito em em inglês, alemão, francês. Eu me sinto bem, sabe por que ?
Se falam bem ou mal, eu quero que falem de mim. (pag 30)
Se hoje em dia sou conhecido no mundo todo agradeço a esses homens porque, como funcionário, só sou conhecido na repartição... é como CANJIQUINHA [que] o mundo todo me conhece.
MARGINAL DENTRO DA CAPOEIRA ?
Naquela época não tinha. A coisa mais difícil era ser ladrão de galinha. Nossa Senhora, era a maior novidade. Não tinha marginal. Podia ter sim pessoa ignorante; que não sabia ler, escrever. Mas, marginal, não tinha. Esse negócio de marginal e de oito anos pra cá! É... a Bahia cresceu demais !
(pag. 14)
O FATO DE VOCÊ SER UM CAPOEIRISTA, UM NOME lhe coloca em destaque?
Não, nunca houve diferença. Por isso até hoje não houve ciúme na repartição, porque eles me tratam com o maior carinho.
Tenho o maior respeito, brinco com eles todos, pode ser mulher casada, dentro do respeito, tá entendendo ?! Nunca houve destaque, não. Eu digo isso a você, com certeza.
Uma vez eu estava em São Paulo, 1962, na Feira de Arte Popular. Então, eu fui num teatro que só entrava vestido de paletó. Eu estava vestido de camisa. Aí, o cara na porta barrou e o rapaz que me acompanhava, disse:
-- Esse é o mestre Canjiquinha !
Então, as portas se abriram só por causa do nome. Nunca teve assim destaque não !
(pag. 15)
Facilitou pra você alguma coisa?
Facilitou sim através de pedidos. Peço algumas coisas assim para as pessoas e ja empreguei várias. Ás vezes, alunos e até meu filho Washington tem me obrigado a ir lá pedir ao delegado.
Você é filho do Canjiquinha?
Sou. ( pag 16)
O delegado disse:
Rapaz, siga o exemplo de seu pai. Nunca deu dor de cabeça a ninguém. Olhe, se você está sendo liberado agora, agradeça a seu pai. Agradeci muito e vim embora, tá me entendendo? Quer dizer: se não fosse o nome, né? (pag 17)
Confissões com sinceridade
Se hoje tenho 3 casas, agradeço á Capoeira e aos filmes em que trabalhei. Já fiz muito bem ás pessoas e outras pessoas já me fizeram muitos benefícios. Sempre gostei de ensinar de graça. Estou recompensado!
EMOÇÃO
1981 - SÃO PAULO - Ginásio do Ibirapuera
Troféu M. Canjiquinha / Promoção Brasília (aluno)
"Eu chorei porque a emoção foi demais. Já pensou 30 mil pessoas me aplaudindo de pé. Então, aquilo pra mim foi uma emoção. Eu chorei não foi pelo dinheiro que eu estava ganhando, nem pela taça que eu estava recebendo. Foi pelo povo que estava me aplaudindo. E me carregaram. Foi a maior emoção que senti na vida. Nem como jogador de futebol do Ypiranga, eu senti emoção como essa em minha vida. Então, todo ano em São Paulo no dia 10 de agosto tem o TROFÉU MESTRE CANJIQUINHA, promovido por Brasília, aluno meu. Isso eu devo a ele, e ele também deve a mim. Ele trabalha em cima do meu nome.
Ninguém dá papa a menino, sem não lamber o dedo"! (pag.
SOBRE ANGOLA E REGIONAL
Não existe capoeira regional nem angola. Existe capoeira. Apelidaram capoeira de angola porque foi praticada, aqui no Brasil, por volta de 1855 pelos escravos na sua maioria angolanos. Então, eles ficavam na senzala treinando. Eles viram que dava pra se defenderem com ela. Então, botaram o nome de capoeira angola.
MAS, CAPOEIRA É BRASILEIRA ! O ÚNICO ESPORTE BRASILEIRO É CAPOEIRA. EU SOU CAPOEIRISTA, NÃO SOU NEM ANGOLEIRO NEM REGIONAL.
Porque não canto música em angola, que, não sou do Candomblé. Eu canto capoeira e jogo capoeira. Agora, capoeira é de acordo com o toque. Se você está numa festa: se tocar bolero você dança bolero, se tocar samba você dança samba; -- a capoeira é conforme: tocando maneiro você dança amarrado, tocando apressado, você apressa.
O ÚNICO ESPORTE BRASILEIRO É CAPOEIRA ! (pag 21)
CAPOEIRA... de antigamente / de agora... QUAL A MELHOR ?!
“A Capoeira de antigamente era uma coisa bonita. Tinha muita malícia. Você jogava de calça, paletó, chapéu gravata e não sujava. O cara não machucava o outro. Ele só levava o pé na hora certa. Hoje a Capoeira está mais violenta, tem mais violência que a própria Capoeira. A Capoeira é uma dança. É uma Educação Física. Se tem berimbau e pandeiro, ela se torna folclore. Mas, se tem o instrumento (pau, navalha, faca, facão) ela é uma luta. Antigamente se fazia por violência e o cara se defendia com toda certeza. (pag. 22)
AUTORIDADES & TURISMO
Juracy Magalhães
José Sarney
Juscelino Kubistchek
Castelo Branco
PERGUNTAS:
1 – já era famoso quando começou a se apresentar para aqueles homens e fazer shows folclóricos ?
Já sim. Já era famoso. Era o seguinte: eu era funcionário do Departamento de Turismo. Tudo o que eu fazia e faço numa apresentação de rua eu fazia para o governador e os turistas. Nada melhor ou pior. Eu já fiz shows pra aqueles homens todos. A capoeira na época era tida [como] pra vagabundo, pessoas que não tinham o que fazer. Mas, eles riam quando eu explicava para o público: este aqui é motorista; este é sapateiro; este é pedreiro; este é estudante: porque na Capoeira tem várias profissões”.
2 – naquele tempo a polícia ainda perseguia capoeiristas ?
Perseguia, sim. Mas o pessoal que exibia em recinto fechado eles tratavam bem. (pag. 23)
Quando eu ia no hotel da Bahia, tinha 10 ou 12 soldados tomando conta deles lá (autoridades). Não da gente. Nos clubes também. Fazia show na Polícia Militar e dava Diplomas, então eu era conhecido. Inclusive fui o único Mestre que ensinou na Base Naval na Base 6 meses, em 1963. Quem me levou foi Arquimedes, que era sargento da Base. ( pag 24)
MuTreta num Festival de Berimbau
Eu fui injustiçado num festival de Berimbau. Eu fui convidado pela Federação e pelo Departamento de turismo. Naquela época Salvador D'Ávila que era muito meu amigo, ficou diferente comigo porque ele queria falar no meu show e eu não deixei ele falar, cortar o show. Ele ficou zangado comigo. Quando foi no festival da Fonte Nova que vi ele estava na mesa julgadora, eu disse: tô roubado.
Aí Gato tocou berimbau; aí Vermelho tocou berimbau. Eu toquei várias coisas, inclusive botei o berimbau no chão. Na hora de ver quem era o melhor, ele chamou Gato em 1º lugar. Eu não disse nada. Vermelho em 2º lugar. Canjiquinha em 3º lugar. (pag. 25)
Eu disse:
Salvador por que fez isso?
Ah porque você colocou o berimbau no chão. Sabe por que você fez isso? Porque você está de mal comigo. Você fez isso pra me derrubar. (pag 26)
QUEBRAR NO BECO
“O mestre tinha seus alunos normalmente e depois ele mandava outros alunos pegá-los na rua, pra fazer um teste.
É o seguinte: você é meu aluno hoje, treina esse aqui e um mais velho. Aí eu dizia assim: Príncipe (aluno atual do mestre, 1988) fique ali na esquina. Aí eu mandava você passar... você ía passando inocente. Príncipe metia o pau em você, para você se defender.
Naquele tempo, isso chamava “quebrar no beco” (...) Quando você sair comigo, repare se eu não me afasto dois metros quando passo por uma esquina. É CISMA ! (pag. 30)
HOJE CAPOEIRA É UM COMÉRCIO
ANTIGAMENTE – Era mais bonita, era dançada.
EXPLICAÇÃO – Não tinha karatê. Não tinha judô
HOJE – É mais violenta. É comercial.
COMENTÁRIO – Eu era contramestre de Pastinha, em 1950 (...) Depois apareceu o Karatê aqui na Bahia. Então, a Capoeira foi descendo, foi descendo. Então, os capoeiristas mais jovens foram procurando fazer violência. Pra Capoeira mostrar que é mais violenta do que o caratê. A Capoeira ficou nesta agressão. Por isso cresceu demais. Porque se ela ficasse vai lá, vem cá, bonito, então o karatê tomava conta. Você vê que cinco anos atrás só se falava em caratê. Mas, hoje só se fala em Capoeira ! (pag. 31)
VIOLÊNCIA
A Capoeira era jogada colada 1 metro do outro, pra cada um se defender. Antigamente quando um capoeirista conseguia dar uma cabeçada, sabia que ia tirar sangue. Quando levava o pé pra dar 1 martelo, sabia que ia pegar. Hoje é mais palhaçada, só perna pro ar. Repare quando estou com os alunos, se eu levanto as pernas toda hora, se dou aú toda hora. Só deixo para fazer isto na hora certa ! (pag. 92) Não. Eu nunca vi um capoeirista aleijar ou matar outro jogando capoeira. Isso só tá acontecendo agora. Já vi de tiro e facada, mas jogando capoeira não. (pag 27)
A violência é necessária na Capoeira?
Não, é o seguinte: se você está dentro da academia, treinando com seu colega, não há violência. Você pode até treinar rapidamente. Agora se você está jogando na rua e o cara apelar prá ignorância, você tem que apelar também. Uma academia ensina jogar e não brigar. Agora na rua se a pessoa lhe desrespeitar, você tem que apelar prá o que sabe!
Luta
A capoeira é uma luta violenta. Você vê: uma hora você está em baixo, outra hora você está em cima. O cara está jogando, você não sabe onde ficar. A pior luta do mundo é a Capoeira, eu sei disso porque já lutei Boxe, e Luta Livre! (pag 32)
O Conjunto Aberrê Bahia.
Isso eu lhe confesso: quem primeiro botou Samba de Roda na Capoeira fui eu. Depois botei Puxada de Rede e mais adiante Samba de Caboclo, mais Maculelê e por fim veio o Conjunto Aberrê Bahia. Dia de Domingo, pegava meus alunos e ia se apresentar. Mas tudo isso, quem fez isso, quem introduziu todas essas coisas nos Shows Folclóricos foi este seu Criado! (pag 33)
FOLCLORE, DINHEIRO E FEITIÇO
“Eu sei muitas cantigas de capoeira, de samba de roda. É um dom meu. Naquele tempo eu tinha memória boa. Então eu aprendia as cantigas rápido e fácil. Eu aprendia no candomblé. Via minha mãe e minha tia tocando e cantando. Tinha samba de roda nos aniversários.
Eu ensinava aos meus alunos como eu faço com vocês: ficamos aqui treinando, porque vocês têm que cantar também. Qualquer aluno meu sabe tocar e cantar, porque é obrigação do mestre saber para transmitir. Mas, eu já fui muito usado em Capoeira. É. Faziam porcarias de candomblé. Eles me usavam muito. Eu não ligava. Na praça quem ganhava mais dinheiro era eu. Naquele tempo, de 1955 até 1970, quem andava com mais dinheiro no bolso era eu. Às vezes eu enchia uma sacola. (pag. 34)
Portanto, eu era usado pelos meus amigos, que eu não quero dar o nome deles aqui. Eu via o atabaque cheio de porcaria. Então, de uma hora para outra resolvi acabar em 73.Eu acabei com tudo. Vendi tudo por 10 mil réis. Me deu assim na cabeça... deu vontade de acabar. Só podia ser porcaria. Eu acredito em feitiço. Cansei de ir fazer show em Ondina e no meio do caminho eu voltava. Cansei de fazer isso.
Depois de tudo acabado, surgiu a esposa do Prefeito Fernando Wilson, insistia, insistia.... Eu fui pro Parque da Cidade. Ensinei lá 3 anos. Depois resolvi não querer mais. Deixei. Só queria viajar para eventos fora da Bahia. Agora, em 88, surgiu esta nova oportunidade: Academia de Canjiquinha e seus amigos, na Colina do Mar.
Foi aí que quebrou o feitiço. Quebrou o encanto. Hoje, quando chega terça, quinta e sábado, dias das aulas, eu fico alegre. Fico louco que chegue estes dias.” (pag. 35)
Capoeira que é bom não cai, mas quando cai, cai bem!
A pior vergonha do capoeirista até hoje é botar a bunda no chão. Se você toma uma rasteira, pode cair no apoio, mas se botar a bunda no chão, já pensou que vergonha? (pag 39)
A Muzenza, o Samango e o Samba de Roda
Se o Mestre Bimba criou a Regional, eu achei por bem criar a Muzenza e o Samango. Se toca diferente, se joga diferente. Cheguei no Candomblé e ouvi tocando:
é Muzenza, é Muzenza!
Toquei no berimbau e pensei, como vou jogar isso? Fiquei treinando sózinho no espelho e aí coloquei Manuel, o finado Simpatia, Gerônimo treinando os movimentos. Vi que aquilo prestava, é a Muzenza!
O Samango,
Eu senti vontade de inventar algum ritmo, criei o Samango. Então a dança é diferente, aí eu treinei dançar de lado. O Samango é violento, tem tesoura Voadora, tem tudo. Na época os outros Mestres foram contra, os novos não, os novos gostaram. (pag 40)
Samba de Angola
Deixando o carrancismo dos velhos prá lá, eu coloquei o Samba de Angola na Capoeira! É fazer Capoeira sambando! (pag 41)
Samba de Roda
Naquela época o pobre comemorava aniversário com Samba de Roda. Minha mãe e minha tia festejavam Santo Antônio e depois que rezavam costumavam fazer Samba de Roda. Então eu aprendi com elas.
Minha mãe, minha tia Clonides e minha irmã Lili eram do Candomblé e é claro que ali dentro eu aprendi tudo, mas nunca fui nos Fundamentos. Aprendi só as Cantigas!
Puxada de Rede
Puxada de Rede A Puxada eu aprendi já no tempo. Eu saía do Matatu e ia prá Boca do Rio, onde é o Jardim de Alá. Alí chamava o Chega Nego. No Chega Nego tinha uma Capoeira e os donos eram os pescadores. Lá eu via os caras cantando, (pag 51) aí comecei a aprender, puxando a Rede Original. Qualquer pessoa pode entrar e puxar. (pag 52)
Relacionamentos
Com sinceridade eu nunca tive rixa com nenhum capoeirista, só com meu amigo Caiçara de vez em quando. Porque eles eram velhos e era eu que precisava deles, então eu não ia brigar com esses homens! Os melhores capoeiristas que conheci, foram: Geraldo Chapeleiro, Totonho Maré, o finado Curió. Agora, em ignorância foi o Mestre Bimba, quero dizer, partir pra agressão. Ninguém derrubava ele, não derrubava de medo. Ele botou muita gente no chão. (pag 42)
Brigas de rua
Já briguei sim, qual é o rapaz moderno que não briga? Já briguei inclusive por causa de um aluno, alguém quis desfazer do aluno e eu não me conformei. E também Caiçara e Paulo dos Anjos já brigaram por minha causa. (pag 54)
Religião
Sou Católico, Apostólico, Romano e não entendo nada! Sou Católico Grego, é? Eu acredito em Deus, mas não vou a Igreja, porque quando você vai o padre fala em Política e Reforma Agrária. Acredito em todos os Santos, não tem Oxossi, Xangô, Oxalá. É tudo Santo. Não devemos desfazer da verdade, mas só existe um Santo que é Deus, que é as 3 pessoas da Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Esses são os que estão ouvindo a gente. Se nós estamos aqui conversando, dialogando, agradecemos a eles. (pag. 60)
VIVER $Ó DE CAPOEIRA NÃO DÁ PÉ
O mestre Bimba era marceneiro. Ele largou a profissão para viver de capoeira. Agora, ele ganhou muito dinheiro, que ele fez casas no nordeste. Valdemar era trapicheiro. Não viva de Capoeira. Ele só fazia no dia de domingo, nos feriados. Caiçara sempre foi funcionário. Eu nunca vivi de Capoeira. Quem vive de Capoeira, com todo respeito, são esses de hoje. Você não podia viver de Capoeira porque não tinha espaço. (...)
Academia do mestre Bimba se você não pagasse não entrava. Ele só queria aluno rico. Eu que sempre gostei – quando ia fazer show – dividir com os alunos. Porque se não dividisse eles não iam. (...) Eu nunca fiquei com nada de aluno. Era o mestre que pagava mais. Já ajudei muitos alunos a pagar coisas. Muitos deles também já me ajudaram. (pag. 61)
MÁGOAS
Você falou em mágoas ?! Qualquer pessoa tem mágoa. Eu tenho de fato. Porque os poderes públicos da Bahia não ajudam. Só ajudam os artistas de fora. Já tentei voltar para o Centro Folclórico (1987) e até agora não consegui. (...) Se eu disser assim ao governador, ao prefeito:
-- Eu sou Fulano de tal, eu queria que o sr me desse um instrumento !
-- Venha hoje, venha amanhã... venha hoje, venha amanhã. Termina a gestão e não dá. Agora... venha um do Rio ! (pag 62)
São essas coisas que revoltam a gente, se você não trabalhar, não come!
Como conciliava sua vida de Artista e funcionário público?
O nome influiu, ajudou. No tempo em que a Diretora da repartição era Dalva e a Secretária da Secretaria de Educação da Prefeitura era Célia Nogueira, elas sabiam que eu tinha essa atividade artística e quando tinha show elas liberavam. Então eu só trabalhava até o meio dia, a tarde eu ia treinar. Eu viajava muito, representando a Bahia no Rio de Janeiro e na Feira de Arte popular de São Paulo. Só tinha Eu, Pastinha e Bimba, mas quem fazia Show Completo era Eu! Fazia Capoeira, Maculelê, Samba de Roda, Puxada de Rede, Samba de Caboclo. Em 1981, quando Barbuda era Secretário, veio um Ofício me solicitando para ensinar Capoeira no Parque da Cidade e ele me liberou. (pag 63)
CAPOEIRA E CAMPANHA POLÍTICA
Eu vou lhe explicar... olha a comparação: amanhã vem aqui o rei da França. Então, me chamavam para fazer Capoeira , pra ele ver a tradição da Bahia. Não era política. Eu lhe confesso que não sei o que é política, nunca fiz campanha pra ninguém utilizando a Capoeira.
Quando Presidente Médici, Garrastazu, veio aqui, quem foi fazer o show no palácio foi eu. Ali tinha muita segurança e por incrível que pareça, vocês acreditem se quiser, quando acabou o show ele se levantou e veio falar comigo. Veio me agradecer e apertar minha mão. Aí peguei um berimbau e dei a ele, foi até o berimbau que eu trabalhei no Pagador de Promessa. (pag. 64)
Em Brasília fui fazer um show;
-- Fulano de tal está aqui !
Por causa do nome encheu de gente e Juscelino Kubitschek foi assistir.
Em São Paulo fui na festa de inauguração do Ibirapuera, então levei duas baianas pra fazerem acarajés. Já pensou acarajé de São Paulo ? Daqui levei dois sacos de feijão, lata de azeite, levei tudo. Não era política ! (pag 65)
BOTANDO O NOME NAS COSTAS
Foi mais fácil eu ficar conhecido porque é o seguinte: Um colega ajuda outro. Eu ajudava colegas e elas me ajudavam. Gildete e Iraci Muniz, esse pessoal , trabalhava na recepção do Departamento de Turismo, onde eu me apresentava e era funcionário. Elas viam meu trabalho, como eu fazia. Quando o turista chegava elas diziam:
-- Olha! em tal lugar assim assim tem Capoeira. Tem mestre Bimba, mestre Pastinha. Não é porque ele é funcionário daqui, não. Se você for lá amanhã e não gostar, ele lhe devolve o dinheiro.
Então o turista ia me ver. Quando chegava lá ele via eu fazer coisas que até Deus duvida. Os jornalistas também ajudaram muito. Eu mesmo fiz o meu nome, CANJIQUINHA! Botei nas costas. E assim lá ai eu. Sofri muito. Era tanta crítica. O jornal me botava lá em cima, daqui a pouco me botava lá em baixo. (pag. 66)
Eu sou a alegria da Capoeira
No tempo que aprendi Capoeira, 1935, era o tempo mais duro, os Mestres eram sisudos, cismados, mas eu sempre fui alegre. (pag 74) Eu sou a alegria da Capoeira! Brinco com um, brinco com outro, brinco com aluno, brinco com o público. Mesmo se eu tiver algum problema caseiro (porque todos temos ) eu não trago prá Academia. (pag 71)
Muitas vezes o Mestre tem rancor porque está ganhando pouco dinheiro. Quando o aluno não paga ele enfeza a cara. Eu sou diferente: sou alegre e satisfeito e se o aluno não me paga não faço questão, continuo com a mesma alegria. Eu sou assim: quando vejo que o cara quer passar os pés adiante das mãos, aí vai embora. Mas se for um cara legal, ele fica a vida toda, isto porque eu sou a alegria da Capoeira! ( pag 73)
Dizem por aí: Canjiquinha só faz brincadeira. Isso não me ofende... na hora de brincadeira era brincadeira. Na hora de jogar sério, era sério.
Antonio Diabo, Burro Inchado, Madame Geni, Victor Careca, Robertão – meus alunos estão todos vivos, na hora de engrossar , eles engrossavam. Às vezes, nas festas do Largo ninguém queria jogar com aluno meu.
Existiam pessoas que pensavam que eu era aluno de Bimba. Agora, na hora em que eu estava fazendo um show, o show era alegria, eu não podia enfezar a cara pro público, mesmo que eu não tenha um tostão no bolso o público merece respeito. A gente tem que fazer alegria, eu sou uma fábrica de alegria. (pag. 75)
MANDINGA
A Mandinga da Capoeira no meu modo de entender as coisas: quando jogam dois caras que se conhecem, são amigos, não tem mandinga nenhuma, um conhece o outro, não há maldade. Toda pessoa que é mandingueiro é maldoso. (pag. 76)
Então o cara que é mandingueiro não quer dizer que ele é do negócio do Candomblé, não. Candomblé não é mandinga, Candomblé é totalmente diferente... não tem nada demais.
Mandingueiro, eu sei... é gingado, chega pra lá meu irmão... chega pra lá, meu irmão! É por isso que se chama mandingueiro. Não tem nada demais, não tem nada com religião. (pag. 77)
A Capoeira tem começo, mas não tem fim, é fato! Você sabe quando ela começa, mas não sabe como ela termina. Daqui a 30 anos ela vai ter princípio e fim, como tem o Judô e o Caratê, depois que regularizar tudo. Quando botar os pontos nos is. Aí ela vai ter principio e fim. Não vai exceder o espaço traçado. Mas como ela anda está como Folclore e Esporte, você sabe quando começa, mas não sabe como termina! Isto é muito importante! (pag 78)
SOBRE A BASE DA CAPOEIRA
Eu conheço a base da Capoeira. Tenho 51 anos de experiência no meio dela. Eu sei o que faz bem e o que faz mal. Eu sei a base da Capoeira. Eu não tenho Português porque os meus pais não tiveram recursos para me educar. Me colocaram no Colégio Fernandes Azevedo no Pelourinho. Mas eu não tive condição de continuar estudando e tive que abandonar os estudos pra cuidar de minha mãe.
A base da Capoeira pra você ensinar é você começar de baixo. Você tem que explicar ao aluno os primeiros golpes e as primeiras defesas - - para início do capoeirista no esporte. (pag. 80)
O PESSOAL DIZ QUE OS CAPOEIRISTAS QUE MAIS LEVANTAM AS PERNAS SÃO OS SEUS ALUNOS.
É esse ponto que eu quero chegar. Eu ensino o aluno a jogar em baixo e em cima. Eu não ensino Capoeira só em baixo, porque eu aprendi assim. Porque eu não sou angolano. Eu nasci no Brasil, em Salvador. Eu não aprendi Capoeira na Nigéria. Então, esse negócio de Capoeira Angola é ilusão. É tanto que, em Angola, NÃO TEM CAPOEIRA.
Agora, existe mestre que joga todo encolhido, mas eu não. Tanto faz jogando em cima ou em baixo, o jogo pode ser trancado ou livre. Eu aprendi com Aberrê. Ele jogava também com a perna em cima. Veja no filme “Vadiação”, o finado Curió joga em baixo e em cima depressa. Ele dá até meia-lua de frente muito bonita, né ? Agora, se você conhece o indivíduo, você vai lá e dá meia lua baixa. E se você conhece, não tem maldade e [se] estiver jogando com um amigo seu você levanta a perna. (pag. 81)
Tens participado de muitos eventos relacionados a Capoeira. Como se sente sendo assim tão importante?
Mesmo sem ganhar nada (em relação ao dinheiro) eu acho isso muito importante. Se você quer me prestar homenagem, me preste enquanto eu estiver vivo, é importante que o mundo saiba que eu existo. Eu sou Canjiquinha e fiz meu nome, assim, assim, á base de muito sofrimento. É bacana saber que na História do Brasil tem meu nome abordado como Homenagem ao meu trabalho! A minha alegria é demais! (pag 83)
TREINO
Naquele tempo eu treinava todos os dias. Eu trabalhava um turno só, aí eu começava as 18:00 horas e ia até as 20:00. Sábados e Domingos era o dia todo. (pag 93)
Tive várias alunas, mas Ivone me surpreendeu!
Ensinei Capoeira a ela quando já tinha o 1º filho, Janduir. Eu já estava ensinando em Cosme de Farias, dentro da minha casa, onde ensinei Brasília, Manoel... e a muitos outros alunos. Então ela viu e disse: -- Canjiquinha, eu vou aprender ! Comecei a ensinar a ela e a Janduir. Aí, ela foi aprendendo e lá vai, lá vai, lá vai. (pag. 88)
Hoje em dia ela sabe de coisas que até Deus duvida. Muitas vezes ela me ensinou, (porque eu ficava na repartição até 8 horas da noite) e ela ficava ali treinando todo o dia. Manoel tentava derrubar Ivone e não conseguia. Depois do segundo filho ela não pode mais treinar.(pag 89)
PRECONCEITO
Tinha preconceito do branco contra negro, mas não existia negro que impedisse branco de jogar! Branco jogando sempre teve: Alemão, Guarda, Pirró, etc. Podia ter discriminação fora, mas dentro da Capoeira, não. Tinha branco pobre, porque o branco rico não ia lá. Antigamente quando você via um branco, você tinha receio, pensava que era rico. Às vezes era mais pobre do que você, negro!
Outro dia discordei de um aluno meu, ficamos até aborrecidos. Eu disse a ele que deixasse de bobagens, [por}que a Capoeira sempre teve branco. (pag. 94 )
Fonte:
https://www.capoeirashop.fr/img/cms/Canjiquinha_a_alegria_da_capoeira-Antonio_Moreira-CapoeiraShop.fr.pdf
Entrevista com Mestre Canjiquinha-1960/
https://portalcapoeira.com/capoeira/entrevista-mestre-canjiquinha-1960/#google_vignette