O retorno do craque: quatro gols e a eterna lenda de Edilson
Era por volta de 1983, e a mística em torno de Edilson, o maior craque que Sousa já havia conhecido, voltava a se intensificar. Movido pela curiosidade e pela reverência ao craque, decidi que era a hora de presenciar seu retorno aos gramados. Depois de anos brilhando no futebol piauiense: pelo Flamengo-PI foi campeão em 1979; pelo River foi campeão em 1980 e 1981, além de artilheiro em 1980. Edilson retornou à sua terra natal, agora defendendo as cores da Portuguesa, sob o comando do saudoso Pedrinho Ferreira. O vistoso uniforme rubro-verde reluzia nos olhos dos torcedores, e a promessa de uma tarde histórica pairava no ar.
Cresci ouvindo as histórias de suas glórias. Na minha infância em São Gonçalo, distante das movimentações esportivas de Sousa, os relatos sobre suas façanhas eram como fábulas narradas ao pé da fogueira. Naquele dia, não pude resistir ao desejo de vê-lo em ação no estádio Antonio Mariz. Com apenas 14 anos, já trazia comigo um entendimento quase visceral sobre o futebol, e a figura de Edilson, para mim, transcendia as lendas.
Convidei meu tio, Edésio Vieira Fernandes, grande entusiasta do futebol. Para ele, Zico era o maior jogador que ele já tinha visto jogar, depois de Edilson! No entanto, embora respeitasse o talento de Edilson, dizia que, com a idade, ele já não jogava mais nem 10% do que foi em seus áureos tempos, durante as décadas de 1960 e 1970. Relutou em ir comigo ao estádio, repetindo suas ressalvas, mas minha insistência prevaleceu.
Chegamos ao estádio numa tarde quente, o clima típico do sertão. As arquibancadas estavam lotadas, e o burburinho entre os torcedores era intenso. Todos queriam ver se o velho craque ainda tinha alguma faísca do passado brilhante. Quando o jogo começou, confesso que fiquei apreensivo, com medo de que o tempo tivesse realmente pesado sobre Edilson. E se meu tio estava certo? E se Edilson já não fosse mais o mesmo?
As respostas, porém, vieram rápidas. Logo nos primeiros minutos, percebia-se algo especial. Edilson não precisava correr como antes. Seus movimentos eram serenos, precisos, quase coreografados. Cada toque na bola parecia planejado com antecedência. Ele parecia ver o jogo em câmera lenta, enquanto os outros jogadores corriam sem direção. Foi então que, num lampejo de genialidade, o primeiro gol veio. Um toque leve, um chute certo no canto, quase que em câmara lenta. As arquibancadas ficaram em silêncio por um momento, como se o tempo tivesse parado. Meu tio balançou a cabeça, teimoso, mas a qualidade de Edilson começou a ser inegável.
Poucos minutos depois, veio o segundo. Dessa vez, Edilson desarmou um zagueiro com um drible seco, seguido por um chute poderoso no ângulo. O goleiro mal teve tempo de reagir. A bola já estava nas redes antes que qualquer defesa fosse esboçada. O estádio de rugiu em uníssono. Olhei para Edésio, esperando vê-lo ceder, mas ele continuou firme em sua avaliação: “O craque de antes era outra coisa”, disse ele, inabalável.
O terceiro gol de Edilson foi quase uma obra de arte. Ele driblava com facilidade, lançava-se à frente com a segurança de quem sabia exatamente o que fazer. Parecia um maestro regendo uma sinfonia perfeita, controlando o ritmo, ditando o tempo do jogo. Agora, até Edésio, que tentava resistir, observava com mais atenção. Algo não havia mudado, um respeito silencioso começava a tomar forma.
E então veio o quarto. O mais espetacular da tarde. Edilson recebeu a bola ainda no meio-campo, avançou com elegância, driblando dois adversários com uma naturalidade assombrosa. Ao se aproximar da área, com um leve toque por cima, encobriu o goleiro. O estádio explodiu. Não havia mais dúvidas: o tempo não havia apagado o brilho do craque. Ele estava ali, em carne e osso, mostrando que a lenda não só sobrevivia, mas vivia intensamente.
Após o apito final, os torcedores saíram em êxtase, com o espetáculo cravado na memória. Entretanto, mesmo diante do inegável, Edésio manteve-se firme. Com a sabedoria de quem já tinha visto muito futebol, ele disse: “Foram quatro gols, mas aquele Edilson de antes... ah, aquele era outra coisa.” Sorri, sabendo que, por trás de suas palavras, havia a admiração de que ele relutava em admitir.
O resultado final foi 7 X 2 para a Portuguesa. O adversário não era forte, mas para mim, a lenda de Edilson foi selada naquela tarde quente em Sousa. Naquele dia, não assisti apenas a um craque em ação. Vi a eternidade esculpir mais um capítulo na gloriosa trajetória do maior jogador que Sousa já viu.