Dois exemplos da ginástica de como a mídia cria mitos e narrativas falsas
Nádia Comaneci e Simone Biles
Simone Biles tem sido alçada ao posto de maior ginasta de todos os tempos pela mídia ocidental, especialmente pela mídia americana. No entanto, para um esporte complexo, como a ginástica, essa afirmação é muito improvável de ser verdadeira, se, ao longo da história desse esporte, tem surgido muitos nomes que o revolucionaram; se a sua evolução cronológica torna praticamente impossível comparar ginastas de outras eras, como as/os que competiram entre as décadas de 30 e 70 do século XX, com ginastas dos anos 80 em diante, e mesmo de comparar os atuais com os de três, quatro décadas atrás; se a ginástica não é como um esporte coletivo ou em que o desempenho é analisado e comparado apenas pela quantidade de medalhas, tal como nos casos de muitos atletas desse esporte que o revolucionaram, mas não chegaram sequer a competir em uma olimpíada. Além desses fatores, também pelo fator referente às qualidades de um ou de uma ginasta, a americana definitivamente não é excepcional em todos os aspectos relacionados para ser considerada a melhor de todas: particularmente no aspecto artístico e no de execução, se destacando de maneira desproporcional apenas ou especialmente na dificuldade. Então, é possível afirmar que ela se firmou como uma das maiores ginastas de todos os tempos, com base no número de conquistas no esporte e também por ser uma das que tem contribuído com a sua evolução. Mas não é possível afirmar que seja a maior de todas ou de deixar isso sugerido, como muitos da mídia têm feito, e por razões bem suspeitas, por exemplo, para passar uma narrativa "anti racista", de "triunfo da mulher negra" (que eu já denominei de "racismo positivo", um tipo de supremacia, de exagero ou distorção de natureza racial, só que a partir de um elogio ou conotação 'positiva", de qualquer maneira consistindo em uma generalização por relação de causalidade entre raça e comportamento, semelhante a fazer afirmações igualmente generalistas em tons mais negativos).
Pois Simone Biles não é o único nem o maior mito midiático na ginástica artística, já que, bem antes dela, apareceu uma romena, de nome Nádia Comaneci, nos anos 70, e que foi alçada a uma categoria semi-divina, como se tivesse, e apenas ela, determinado o começo de uma nova era no esporte e, claro, principalmente por causa das narrativas que têm sido criadas pela própria mídia para reforçar sua mitologia. Mas, infelizmente, a partir de uma análise mais sóbria, é possível concluir que Nádia representa muito menos ao esporte em termos objetivos do que a mídia tem afirmado.
Vejamos...
Primeiramente, existe a afirmação, que é elementar ao seu mito, plantada por jornalistas e replicada, mesmo por muitos profissionais do esporte, de que Nádia foi a primeira ginasta a conseguir uma nota perfeita pela execução de um exercício, nas olimpíadas de Montreal, em 1976. Em termos oficiais e aparentes, isso é verdade, pelo menos para uma competição olímpica. Mas, se analisarmos de perto, veremos que não é bem assim. Primeiro que, se antes nenhuma* ou nenhum*" ginasta havia conseguido um dez "perfeito" era porque o sistema de pontuação simplesmente não permitia. É que esse sistema muda de tempos em tempos, geralmente entre um ciclo olímpico e outro. Então, foi durante o ciclo olímpico de Montreal, depois das olimpíadas de Munique, que foi praticamente decidido que o dez perfeito seria possível de ser dado a um ou a uma atleta (no artigo da Wikipédia, é dito que os juízes, antes desse ciclo olímpico, não acreditavam que o dez perfeito seria possível. Mas pode-se deduzir que foi uma decisão por convenção que o dez perfeito passaria a ser possível e não que foi um processo natural, como o artigo parece ter deixado a entender). Calhou que coincidiu com o período em que Nádia Comaneci começou a participar das competições oficiais entre ginastas sêniores. Segundo que, o tal primeiro dez perfeito da Nádia Comaneci foi por um exercício compulsório e não por um exercício opcional, que é mais simples e igual para todos que estão competindo (exercícios compulsórios foram rotineiros em competições de ginástica artística até às olimpíadas de Atlanta, em 1996, antes de serem "aposentados" ou extintos). E terceiro que, mesmo se com base no código de pontuação da época, em que o dez perfeito passou a ser permitido, o seu exercício nas barras não mereceu uma pontuação perfeita, até pela saída em que, visivelmente, ela dá uma salto pequeno para frente durante a aterrissagem no solo. Além disso, um dos primeiros, se não o primeiro dez perfeito em uma olimpíada, acredito que foi da ginasta soviética Nelly Kim, no salto, também em Montreal, se também acredito que foi, de fato, um exercício mais merecedor de uma pontuação perfeita que o da Nádia, até pela maior facilidade de se alcançar execuções muito altas no salto, por ser um aparelho mais simples.
* Parece que os primeiros "dez perfeitos" conquistados entre as mulheres na ginástica e em competições oficiais foi pela tchecoslovaca Vera Caslavska no campeonato europeu de 1967.
** Entre os homens, alguns ginastas já haviam conseguido tirar pontuações "perfeitas" na década de 20.
Continuando...
Antes de Nádia, nas olimpíadas de Munique, quatro anos antes de Montreal, apareceu Olga Korbut, e que, na minha opinião, foi mais influente para o avanço do esporte, contribuindo pela primeira vez para torná-lo mais popular, deixando o seu status como "esporte de nicho". Sem falar de suas performances carismáticas, difíceis e inovadoras para a época, especialmente os seus exercícios de trave e barras, esse último, considerado espetacular. Então, mesmo na época em que a Nádia competiu, nem de longe dá para dizer que ela foi a única ou uma das poucas a revolucionarem o esporte. Não tiro o seu mérito, suas qualidades atléticas excepcionais e suas contribuições. Mas, ao menos para mim, está claro que ela foi transformada pela mídia em um mito imerecido.
Esses são dois exemplos de como que a mídia fabrica narrativas e mitos.
Fonte: https://en.m.wikipedia.org/wiki/Perfect_10_(gymnastics)