Palancas Negras, a CAN e a Unidade Nacional
A presente reflexão vem a próposito do grande brilharete que a nossa selecção protagonizou na CAN 2024. A edição da principal Copa Africana do desporto rei, foi sediada nas terras de Félix Houphouet-Boigny e será decerto inesquecível para os habitantes das terras de Nzinga Mbandi, após cerca de 14 anos de insucesso e decepções. A Copa Africana das Nações serviu como uma espécie de bode expiatório para os Palancas Negras, um momento para se purgar as culpas e reconciliar-se com a própria Nação, com a qual andou de costas viradas desde 2010, no fatídico empate a 4 bolas contra o Mali, no jogo inaugural da CAN que o nosso país albergou. Os antílopes raros de Angola mostraram a sua raridade, demonstrando um conjunto coeso e um futebol alegre, fizeram sentir a sua força, levando os angolanos a viver uma sensação que já há muito não têm vivido, tendo tido um desempenho formidável. Ao todo foram três victórias, um empate e apenas uma derrota, sem esquecer que pela primeira vez, obtivemos o feito de ganhar a fase de grupos e termos sido o melhor ataque do campeonato com 9 golos; fomos de certeza uma grande equipa e fizemos um campeonato de encher o olho. A selecção conseguiu granjear a atenção do povo angolano, fez surgir no seio desses um espírito de grande confiança. Os pupilos de Pedro Gonçalves desempenharam uma trama assaz hercúlea nesta CAN, caracterizada por anti-heroísmo, saindo da condição de patinho feio, ovelha negra, a heróis da nação. Embora o futebol não seja a modalidade desportiva que temos maior sucesso, não se pode esquecer da força do desporto rei, que tem a capacidade de arrastar multidões, unindo os angolanos, tornando-se como analgésico de maneira a mitigar a dor dos cidadãos, numa altura em que o custo de vida em Angola vai subindo cada vez mais como atirara Fredy Ribeiro, o capitão, aquando de uma entrevista a BBC: “ As pessoas estão a dançar, a divertir-se. O país está com esse estado de espírito, mas a vida em Angola não é fácil. Estas victórias dão felicidade às pessoas e isso deixa-nos orgulhosos. É a maior motivação que temos. [...] Eu e os meus colegas sabemos que há pessoas que não têm pão para comer à noite, se ganharmos, podem ir dormir felizes. Não é o ideal, mas sabemos que é uma ajuda”. Deste modo, não considerar o desporto, em particular, o futebol, como um factor ,indubitavelmente, imprecindível para a consolidação do projecto nação una e unida, coesa ( se entendermos Angola puramente como é, isto é, um tecido multicultural e , logo, com várias Nações), bem como um remédio que, ao fim e ao cabo, permite um momento evasivo e de êxtase para aqueles povos que têm maior dificuldade, seria o maior cúmulo da ignorância governativa. De resto, a fraca crença por parte dos angolanos na selecção de todos nós deve-se a uma conjuntura, ou seja, ao momento actual do nosso desporto, veja que o trajecto dos nossos atletas , aqui independente da modalidade desportiva, tem sido muito difícil por causa de um apoio debilitante ao desporto, daí o fraco desempenho dessas nas competições internacionais, basta termos como exemplo a nossa Selecção Sénior Masculina de Basquetebol, o orgulho de Angola, os hendeca-campeões do Afrobasket, que de um tempo a esta parte, não tem vivido o seu momento de glória.
Voltando ao CAN, se bem que tivemos uma boa prestação, insta referir que se teima muito, por estas bandas, encarar o desporto como um factor preponderante para coesão social. Tal atitude manifesta-se com o fraco apoio institucional das nossas selecções, por isso, o nosso desporto anda órfão de apoio pecuniário, já há um bom tempo. Aos defensores da pátria angolana nessa competição faltou-lhes tudo, não só os prémios de jogo que tardam sempre a chegar como também um volume de jogos de preparação adequado que permite criar os automatismos necessários numa selecção, naturalmente, com jogadores de equipas diferentes, com culturas táticas completamente diferentes, sem se esquecer de o míster da nossa selecção principal ter razões de sobras para não manifestar o seu comprometimento por causa das dívidas salariais. Antes desta competição, estavam criadas as condições para mais um fracasso, porquanto o ambiente preparativo, intitucional para a maior competição de futebol a nível de selecções de África não era a melhor, principalmente, se quisermos fazer uma comparação com outras selecções africanas em que as principais entidades governativas entendem o desporto, o futebol, neste caso, como um caminho para promover o país e, por esta razão, investem o necessário. Como tem dito o jornalista e comentarista da TV Zimbo, Carlos Pacavira, “em competições internacionais, os nossos atletas devem viajar com o passaport diplomático e a nossa companhia aérea, a TAAG, deveria ser a transportadora oficial, porque aqueles indivíduos vão representar o país ao mais alto nível”. A selecção chegou a CAN desacreditada e, o pior, sem o apoio do décimo segundo jogador, que continuava a desconfiar devido aos resultados não muito famosos que se tem obtido a partir de 2010, entretanto, apesar de um início tímido contra Algéria, os palancas superaram todas as dificuldades e consiguiram uma perfomance muito boa, de tirar o chapéu. E mais do que vencer a copa, a nossa selecção ganhou os corações dos angolanos que começaram apoiar efusivamente, o conjunto nacional pintou uma das melhores histórias na competição africana, um trajecto verdadeiramente épico.
A partir daí, com o povo a torcer verdadeiramente, o dinheiro de que se reclamava tanto a sua falta na nossa FAF apareceu, através de promessas de instituições que ajudariam mais se demonstrassem esse apoio antes da competição. Não só os políticos que queriam fazer do brilharete da selecção um aproveitamento político, os grandes empresários e artistas, mormente, músicos que se aliaram a nossa equipa, fazendo hinos de apoio aos palancas ao decorrer da competição, oferencendo prémios, fazendo promessas, o que podia ser feito antes. Ademais, a quanto tempo não se vê um artista com grande público nas bancadas do 11 de Novembro ou da Tundavala a torcer pela nossa selecção? Isto demonstra que não temos a cultura de torcedor que se impele. Por outra é necessário respeitar o momento de glória de outrem, não se percebe como é que um músico consegue se inflitrar na passeata triunfal dos nossos atletas, isso é um desrrespeito, a meu ver. Mas o que deve ficar patente é a força que o futebol tem no processo de unidade de Angola e por outra, pelo facto de servir quase como ópio, aliena-nos, faz–nos esquecer as dificuldades numerosas que o angolano vive todos os dias, aliás, que nos digam os erbúneo-marfineses, o futebol tem o poder de parar até uma guerra civil. Logo, é necessário dar o valor devido aos nossos atletas, que merecem uma maior atenção, porquanto são eles os heróis da pátria.