"...NA VOLTA QUE O MUNDO DEU"!

"...NA VOLTA QUE O MUNDO DEU" !

"...meu filho, que nunca apanhes, /

pois teu pai nunca apanhou ! (...)

...só quero o meu berimbau / e uma

fita amarela / gravada co'o nome

dela." (ladainha muito antiga / DP) (*1)

"Bezouro, quando morreu / olhou pro céu e falou: / --"Adeus, Maracangalha, / terra de matador"! Faz muito tempo que não ouço esta centenária ladainha sendo cantada em Rodas de Capoeira. Faz muito tempo que boa parte das práticas do Passado não estão mais nas Rodas atuais, os praticantes antigos também saíram delas. É uma nova fase pra Capoeira... "que não anda para trás" ! Recentemente, mestre "RÁI" (da Terra Firme) iniciou movimento em Belém para recuperar algumas das chulas e ladainhas antigas, como esta do "Bezouro", que nunca mais ouvi em lugar nenhum.

O fato é que os mais velhos se afastaram, alguns até abandonaram por completo as coisas e práticas da Capoeira, em Belém e em outras Capitais. Está mais do que na hora de voltarem as Rodas "dos antigos", onde uniforme é o que menos importa, o que se espera de cada um é a presença, a participação efetiva e... JOGANDO ! "Capoeira é o jogo na Roda", escreveu Nestor lá por 1970 e poucos... FALAR (ou escrever) é para os fracos ou os tolos, que não sabem o que é bom !

Essas considerações nasceram de um sonho que tive hoje... nele se comentava sobre um certo "Marciano" -- relembrado por um "professor lá da Doca" -- e ele descrevia um "MACACO", espécie de "aú" sem mãos dado de costas, muito parecido com o mortal, só que próximo do chão. Fôra um "macaco" histórico (não sei porquê) e que vários pretendiam repetir, exibir em uma avenida qualquer, parando o trânsito. Coisas de sonhos... o fato é que os antigos e suas "rasteiras de chão", suas "tesouras", "S dobrados", "vingativas" e cabeçadas sumiram das vidas e das Rodas, os "capoeiras" atuais optam por velocidade e o "ramerrão" de armadas, queixadas e "meias-luas"... e ninguém sai disso ! Que voltem as "Rodas dos Antigos", mais lentas, descompromissadas, fraternas e mais curiosas, divertidas, sem a "pressa" (e a pressão) que caracteriza a garotada atual e também com as velhas "chulas e corridos", cujas "respostas" essa juventude nem imagina quais sejam.

"Vô dizê a meo sinhô / qui a mantêga derramô"... onde se pode ouvir isso, hoje ?! EM LUGAR NENHUM ! É preciso divulgar o que está no CD mais recente e, com isso, fazer "autoafirmação" (e promoção) de cada Grupo, mesmo em Rodas "alheias". Atualmente já fazemos até "politicagem" nas Rodas: responder com vigor somente ao canto de seu mestre ou professor, quase ignorando "corridos e chulas" cantados ou "puxados" pelos demais na Roda. No mínimo, isso é uma falta de respeito AO VISITANTE, ainda pior se este foi convidado para o evento.

Nas voltas que o Mundo dá, a Capoeira "não anda para trás" -- felizmente, para alguns aspectos nela -- mas "Siri" não bota mais a cabeleira no chão", como dizia antigo "corrido" dela. Está na mão dos antigos, dos que saíram e dos que continuam, "recuperar" esse Passado, em Rodas "só deles", antes que nada sobre ! "Miquelina morreu hoje... / e hoje mesmo se enterrou ! / Na cova de Miquelina / não nasceu pé de fulô"... sempre disse que essas canções são REGISTROS do Passado da Capoeira e, embora não saiba quem foi a distinta, sei agora que pesquisadores confirmam a existência da soldado "Maria do Camboatá", de Idalina, dos "Siris" e "Bezouros" e que "Cordão de Ouro" seria outra pessoa, mais "clarinho" do que "Bezouro", embora tenham vivido na mesma época. Tal informação estaria num depoimento de me. Atenilo, se não me falha a memória senil. E "vamos pro jogo, que trabalho é "roubo", (ou logro) já diziam os antigos.

"NATO" AZEVEDO (em 7/maio de 2023, 6hs)

EM TEMPO: ainda conforme o projeto de me. "Rái", cabe a cada região convocar os mais velhos para GRAVAÇÕES onde recordem as canções muito antigas. MEXAM-SE, Federações !

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OBS: (*1) - para pesquisadores e curiosos, segue abaixo a ladainha completa (?!), como era cantada nos anos 50/60 e como a conheci... mestre Suassuna, em seu LP de 1971/72, teria gravado apenas parte dela. (É possível que haja 2 "versões")

(título desconhecido)

I

Bezouro, quando morreu,

olhou pro céu e falou:

-- "Adeus, Maracangalha,

terra de matador" !

Bezouro, quando morreu,

chamou seu filho e falou:

-- "Meu filho, que nunca apanhes,

pois seu pai nunca apanhou" !

I I

-- "Eu quero que me enterrem

lá no Alto da Ribeira,

que é lugar de desafios

do jogo da Capoeira.

Só quero o meu berimbau...

só quero o meu berimbau

e uma fita amarela

gravada co'o nome dela" !

I I I (refrão / coro)

-- "Eh, o meu nome" ?!

-- "É BEZOURO" !

-- "Eh, como é meu nome" ?

-- "CORDÃO DE OURO" !

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NOTA: os dois trechos abaixo, cujos versos não estão muito corretos, me parece que também usavam esse REFRÃO, só não sei se como uma "continuação" da ladainha, ou de forma independente:

'Inda hoje eu me lembro (*)

quando "nóis andava junto":

não havia cemitério

pra caber tanto defunto" !

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Olha lá, siri do mangue, (*)

todo tempo não é um... (*)

não quero que tu me prendas (*)

nas presas de guaiamum.

Quando eu entro, você sai,

quando eu saio, você entra...

nunca vi mulher danada

que não fosse ciumenta !

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As Rodas nos anos 70 -- pelo menos no Grupo SENZALA dos mestres PEIXINHO E "Camisa" - terminavam invariavelmente com este "corrido" (ou "chula"), com o coro cantando "MINHA COMADRE" após cada verso "puxado" pelo mestre:

"Eu não vou na sua casa

pra você não ir na minha...

você tem a boca grande,

vai comer minha farinha" !

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E a empolgação continuava, todo mundo se revezando nos últimos segundos do jogo:

"ADEUS, ADEUS... (e o coro completava... BOA VIAGEM !)

EU VOU M'EMBORA !

EU VOU COM DEUS

E NOSSA SENHORA !

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Quem era de improvisar, fazia versos findando em... ORA, isso até o YÊ final, dado pelo mestre. Aqui em Belém conheci o "Adeus, adeus" respondido com um curioso "SEREIÁÁÁ" e com o pessoal em torno dos 2 jogadores "girando em pé" no sentido anti-horário. Ao final, no lugar de aplausos (palmas), faziam nos anos 90 uma saudação com a mão espalmada, para a frente, respondendo ao "SALVE, CAPOEIRA" dado pelo mestre. Só não sei se o costume ainda permanece igual.

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Bem menos usado, mais antigo até, era o:

"VAMOS S'IMBORA, êê"...

(coro:) "Vamos s'imbora, camará !

"PELO MUNDO AFORA, êê"...

"É HORA, É HORA, êê...

(Aí vinha uma longa série de:

"ANGOLA, êê... ANGOLA, êê... ANGOLÁ" !)

Adiante, se findava com um "tapa seco" no atabaque e o grito geral de... "CAPOEIRA"! *** Ouvi dizer que, recentemente, passou a se contar "Capoeira 1, depois 2... até 10", quando há o encerramento definitivo, todo mundo "jogando" alguns segundos somente, se revezando na Roda.