Capoeira no Pará: A Dandara da Doca! (resumo)

De uns 2 anos para cá várias pessoas se motivaram a coletar as histórias dos capoeiristas que atuam no Pará, mas precisamente em Belém e adjacensias. Daí ao ler esta da Zeneide me motivei em colher as que ja existirem na NET, (das mulheres) facilitando a vida de quem se interessa pelas mesmas!

Carioca

MOVIMENTO CAPOEIRA MULHER: SABERES ANCESTRAIS E A PRÁXIS

FEMINISTA NO SÉCULO XXI EM BELÉM DO PARÁ

SEÇÃO 1: CONTEXTOS E DESAFIOS: A ESCOLHA DO TEMA

Maria Zeneide Gomes da Silva

(páginas 22-23-24)

Meu primeiro contato com a capoeira se deu quando estagiei no Serviço Social do Comércio (SESC-Pará) em 1987, na Seção de Recreação Cultura e Assistência. Durante o trabalho no SESC fiquei responsável pelas oficinas de Capoeira, achei interessante, pois, apesar de não conhecer nada sobre capoeira, fui escolhida segundo o perfil étnico: mulher negra. Na roda de capoeira, ganhei nome significativo para as mulheres negras, Dandara, a heroína de palmares.

Ao me inserir no Grupo de Capoeira Dandara Bambula do SESC, em pouco tempo estava completamente encantada com os treinos das oficinas ministradas por José Teodomiro Barbosa (o Mestre Abil2 ), da linhagem de Mestre Bezerra3 . Como parte de meu estágio, escrevi um texto para subsidiar as oficinas, a fim de que os participantes das oficinas conhecessem a história da capoeira. A partir desse momento, a parceria com Mestre Abil rendeu não apenas o texto, mas muitas atividades e batizados de capoeiras, treinos, saídas para eventos fora da entidade em praças, grupos e municípios.

Em pouco tem de estágio, já estava dentro da roda de capoeira, pois não me contentei em só acompanhar, fazer reuniões, frequência, entregar e recolher os instrumentos, fui me encantando pela música e pelo atabaque e pela meia-lua4 , foi só um chamado que se efetivou quando o mestre Abil me falou, que eu o contrário dos os outros capoeiristas, pois todos começam pelo treino físico, os golpes o jogo na roda, e por último se interessam pelos instrumentos, alguns, tendo que insistir, senão eles não vêm.

E me convidando a começar a treinar. Quando comuniquei ao coordenador Luiz Carlos Moraes que iria treinar, ele gostou muito da notícia, e me disse que esperava realmente isso de mim, já que havia me escolhido pelo meu perfil. Hoje sei que o meu perfil, na verdade, foi um convite de Iansã5 , entidade que tomava conta da cabeça do coordenador Luiz Carlos Moraes, por ligação com o Candomblé.

2 Mestre Abil – Foi o primeiro mestre de capoeira do Grupo Dandara Bambula. Quando pediu exoneração do SESC, pois enquanto mestre de capoeira, era funcionário da instituição, indicou o aluno mais graduado do grupo, Imar Nascimento Lima, para substituí-lo a frente do grupo.

3 Antonio Bezerra dos Santos – Mestre Bezerra, capoeirista maranhanse que na década de 70 do século XX chegou ao Pará e desde então se dedicou ao ensino da capoeira. De sua linhagem muitos capoeiristas e mestres de capoeira descendem.

4 Meia-lua, um golpe de capoeira semicircular.

5 Iansã-Oya – Divindade da guerreira do Panteão dos Orixás.

Entre gingas e mandingas, as primeiras manifestações contrárias à minha decisão em praticar capoeira, de estar na roda, veio de uma Assistente Social. Essa senhora me chamou em particular para me aconselhar, como amiga e não como profissional, e me disse para não praticar capoeira, pois, a capoeira não combinava com uma estagiária acadêmica, muito menos era adequada para mulheres. Dizia ela algo assim: “capoeira é coisa de homem e de malandro”. Não dei importância ao que dizia, pois percebia um problema de discriminação.

Esse fato nunca me saiu da memória, assim como outras situações constrangedoras, quando jogava em praças ou quando, no ônibus, ao trajar roupa de capoeira e carregando instrumentos, sentia os olhares recriminatórios e o afastamento das pessoas. Certa vez, o grupo que participava foi convidado a fazer uma apresentação em uma escola particular, porém não nos deixaram entrar na escola, pois, os pais, quando nos viram com uniformes e instrumentos, se opuseram à apresentação. Em resposta, jogamos em uma pracinha em frente ao portão principal da escola, sob os olhares vigilantes de seus profissionais.

Das proibições e recriminações, outras questões foram se impondo e me provocando a seguir na capoeira, pois, além de fazer parte do grupo Dandara Bambula/SESC, treinava num fundo do quintal do Mestre Abil. Naquele tempo ele treinava a mim e à irmã dele separadas dos demais capoeiristas. Seríamos uma espécie de surpresa, de trunfo, que ele guardava, para esquentar a roda. A ideia era interessante mas durou pouco, pois ele deixou o trabalho no SESC e eu também.

Participar da criação e implementação de eventos grandiosos de capoeira, conhecer muitos capoeiristas e grupos da época, participar das discussões para criação do Centro Cultural da Capoeira do Pará, colaborar secretariando os primeiros momentos do centro, como a criação da primeira logomarca e participar de exposições fotográficas de capoeira, foram experiências que me fizeram mergulhar no universo africano, para compreender toda potencialidade do povo negro em resistir às adversidades e fortalecer suas identidades.

Em 2013, no curso de Especialização em História Afro-Brasileira e Indígena na UFPA, Campus de Cametá, retomo a capoeira como objeto de pesquisa, e trato na monografia sobre o Projeto Capoeira na Escola, da Secretaria Municipal de Educação de Belém (SEMEC).

Esse projeto foi criado com objetivo de atender aos anseios dos capoeiristas que exigiam a implementação da Lei Municipal nº 8.319 de maio de 2004, assinada pelo prefeito Edmilson Brito Rodrigues, que torna obrigatória a inclusão da Capoeira na Rede Municipal de Educação RME de Belém, que institui o estudo e a pratica da capoeira enquanto conteúdo transversal no currículo escolar do Ensino Fundamental de sua rede.

Durante a pesquisa para o trabalho de conclusão do Curso de Especialização, pude constatar que a referida Lei Municipal não foi regulamentada pelo Conselho Municipal de Educação – CME e, como medida paliativa encontrada pela SEMEC para atender às reivindicações dos capoeiristas, foi criado o Projeto Capoeira na Escola, que não cumpria o que previa a Lei: a inclusão da capoeira em todas as escolas da RME de Belém.

No entanto, a referida lei, criada objetivando implementar a Lei 10.639/03, marco legal nacional para valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro, e a SEMEC se encontrava num período de formação de seus educadores para atender os objetivos da lei. Formação onde os capoeiristas contratados foram inseridos para implementação do Projeto.

Essas experiências com o Projeto Capoeira na Escola, me colocou novamente em contato com a Roda de Capoeira, mais especificamente, com a papel da mulher na roda, instigada por questões de gênero que se apresentam de formas hierárquicas e até mesmo discriminatórias, a começar pelas músicas e a divisão sexual na roda: “Se essa mulher fosse minha eu tirava da roda já, já / Dava uma surra nela até ela dizer chega / Se essa mulher fosse minha / Eu tirava da roda já, já / Dava uma surra nela até ela dizer chega” 6 .

6 Música de domínio público.

Esta foi a primeira música de capoeira que me fez sentir desconfortável nas rodas de capoeira. Para mim, é impossível uma mulher fazer parte de uma roda de capoeira reproduzindo os insultos contra si mesma. A mulher treina do mesmo modo que os homens, a mulher ensina capoeira, a mulher organiza eventos e encontros de capoeira para promover o aperfeiçoamento dos capoeiristas. Faz tudo isso, e ao entrar na roda é obrigada a ouvir e cantar tal música que demarca a roda de capoeira como um lugar do homem........

Fonte:

file:///C:/Users/PC%201/Downloads/dissertacao_ppgeduc_gomesdasilva2017%20%20.pdf