"PÃO DE QUEIJO" x "JILÓ"

"PÃO DE QUEIJO" x "JILÓ"

"Eh, dona Alice, não me pegue,

não... / não me pegue, não me

agarre, / não me pegue, não" !

(chula de Capoeira, antiga)

Continuo não sendo fã de LIVES (as faladas, depoimentos) mais em razão da pobreza das imagens, digo melhor, aqueles rostos enormes tomando meia tela. Como a Sabedoria popular aconselha a não dizer que "desta água não beberei", fui surpreendido pelo convite de mestre "Guará" (from Paris, ou chez Paris) para ver e ouvir 2 jovens mestres -- na faixa dos 45 anos cada, o "Jiló" é contramestre, grau pra mim de pouca diferença para o de mestre -- um de Minas Gerais e o outro do Rio, ou talvez Salvador. O mestre mineiro reclama de discriminação (e preconceito) a partir da aparência de cada um, inclusive via APELIDOS. Penso que atualmente o aluno é que deve escolher seu apelido, pois isso evitaria uma série de aborrecimentos futuros.

Imagens claras, luz suave, os depoentes a metro e meio da câmera (o que em alguns momentos prejudicou o som) e finalmente com a webcam numa altura mais cômoda, mesmo falando em pé, ou quase. Mais do que a imagem de cada um, seus depoimentos é que foram de grande importância, marcantes, me parece que tendo ambos passado algum tempo no Grupo SENZALA ou pelo Rio, pelo menos. É curioso observar que esse Grupo, nos anos 70, não utilizava as mãos... há várias filmagens que comprovam isso, embora precisemos reconhecer que tal prática não se deva (somente ?) a um mestre "Camisa", por exemplo, suponho que os alunos diretos de me. Bimba recorriam a esse recurso. Assisti a várias Rodas de sábados na academia de me. "Peixinho" -- que partiu "antes do tempo", se é que há tempo marcado -- e nunca presenciei agarramentos. Agora vemos nessa "Angola moderna" praticada por "regionais" braços e cotovelos avançando sempre, de forma insistente, irritante até, com o risco de se levar chapa ou coice na cara.

Leandro Couri, o mestre mineiro com seu exclusivo sotaque "pão de queijo" levanta questão pertinente: Grupos e mestres fotografados ou filmados -- qualquer "capoeira", aliás -- têm DIREITOS DE IMAGEM sobre aquele registro.

-- "Ainda que nada peçam, devemos a êles uma satisfação, um AGRADO, um presente, cópia de parte de nosso arquivo. É triste alguém GUARDAR "só para si" uma memória COLETIVA, que pertence de alguma forma A TODOS" ! Eis aí uma questão que afeta TODA BELÉM, onde tantos possuem reportagens e fotos INÉDITAS (até de alguns que já "se foram") e insistem em escondê-las, até que se desfaçam ou se percam ! Nunca é tarde para se voltar atrás nesse comportamento.

O "baianíssimo" contramestre "JILÓ" ( LIVE №22 Contra-Mestre Jilo ) abandonou uma Capoeira aguerrida, de eterna disputa, em prol de sua ancestralidade, paz de espírito, "em favor de sua saúde mental", acrescentaria mestre Leandro.

-- "Dinheiro não é tudo na Vida, não pode ser tudo"!, declara "Jiló"... "acho bacana cada um contar sua história quando [cada um ainda] está por aqui. Depois o sujeito "sobe" e os alunos têm que ficar catando coisas aqui e ali" !

-- "Antigamente não tinha muito comércio, você tinha 1 ALUNO, hoje você tem 1 CLIENTE, com tratamento diferenciado, você não pode "arrochar" no treino, você vai (a)baixando o nível. (...) Acho que você deve evoluir, sem perder o ideal, você pode viver da Capoeira sem perder o nível. Acho que foi essa globalização que fez a Capoeira perder um pouco, em muitos Grupos e lugares" !

-- "Eu não vivo DE Capoeira, eu vivo PRA Capoeira, véio"... e na LIVE surge uma pergunta incômoda, verdadeiro "quiabo" para o c/me "Jiló" e mestre "Guará": "o que vale é o CAPOEIRA e não a CAPOEIRA" ?!, vindo de um certo UNICEPE (me. Toni Ramos, segundo "Guará"). Os 2 depoentes escolhem valorizar AS PESSOAS... " A MINHA PALAVRA CONDIZ COM A MINHA ATITUDE" conclui "Jiló", quase como comentário à pergunta capciosa.

Penso que são 2 PARTES da mesma "laranja", se complementam, "não podem" valer mais do que a outra parte, ser vistas "em separado". Como não há conceitos permanentes na Capoeira -- "as regras que valem agora (?!), não valem mais daqui a pouco", registra meu irmão em entrevista de 1987 a um jornal de Belém -- a questão do que VALE MAIS fica indefinida. Se temos um mestre "enrolão", de "ralo Saber", apesar do conceito que lhe dão alguns, a Capoeira valerá mais que o praticante... o inverso também é verdadeiro ! Um "bamba" da prática VALE MAIS que os "pernas de pau" que o cercam, na Roda e no som pois, no todo, a Capoeira SAI MENOR pelo despreparo e DESAMOR dos que a mantém e dela usufruem. Não haveria Capoeira sem o praticante e, nem este, se ela não existisse ! Logo, o Yin e Yang que se completam -- ambos NO MESMO NÍVEL, -- é o do jogador que ama o que faz e o faz bem, VIVE PRA ELA bem mais do que vive dela.

"Capoeira é O JOGO na Roda"... (e só na Roda, complemento reprisando Nestor Capoeira) e o questionamento do UNICEPE talvez vá além da simples análise da PRÁTICA, seja individual ou por Grupos. Os tempos modernos têm valorizado mais o indivíduo do que o "Universo da Capoeira"; ela vem sendo "adaptada" aos interesses de cada mestre, de cada Grupo, aos objetivos por vezes "confusos" de Federações e Entidades e não se sabe o que a ancestral Capoeira tem a ganhar com isso.

"A liberdade de cada um termina onde começa a do outro" e isto vem sendo ignorado há tempo pelos praticantes, seja na questão dos APELIDOS, seja na imposição da prática religiosa do mestre sobre seus alunos e nas várias "nuances" de nem sempre sutil discriminação no trato com êles. Acho que cada novo aluno escolher seu próprio apelido manteria a tradição sem deturpá-la tanto ou, pior, exterminá-la, com tem sido feito em nossos dias.

Minha visão parcial sobre LIVES (questão de luz, cenário, outras quimeras) sai arrasada... o que importa é o CONTEÚDO e os depoimentos de mestre Leandro Couri e do "quase mestre" "Jiló" são essenciais PARA AMPLIAR a discussão e os conceitos da prática diária da Capoeira NO MUNDO ! Há mais a ser ouvido, consultem os ARCHIVES "DO SEU" GUARACY no YouTube !

"NATO" AZEVEDO (em 9-10/dez. 2021, 18hs)