UMA HISTÓRIA "CABELUDA"

UMA HISTÓRIA "CABELUDA"

Creio que já contei muito por alto os primeiros dias do CCCP, Centro Cultural que criamos para ativar determinados setores da Capoeira de Belém... como nada deu certo na segunda metade de 1988 -- ano da criação, em maio -- optamos por divulgar o Centro e a Capoeira de forma cultural, baseados na experiência que presenciávamos nos SESC de Copacabana e da Tijuca e, em Belém, no da Doca, tendo o cenógrafo Luís Carlos Morais à frente. Daí, saindo de uma garagem sem nada (nem luz) para uma "invasão" quase sem nada também, levamos em maio de 1989 uma equipe de reportagem de O Liberal para o barracão de "paredes" de zinco a fim de registrar o que seria a futura primeira "exposição" de fotos e desenhos, estes em pedaços de cartolina barata. A fotógrafa Paula Sampaio deve estar espantada até hoje com a audácia dos gêmeos... a repórter gaúcha (Mônica ?) que a acompanhou, também. Saíram de lá com pulgas, carrapatos e uma entrevista espantosa.

Mas a exposição foi -- para ESPANTO do Centur -- um retrato da pobreza que cercava as questões ligadas à Capoeira. Quanta mudança de lá para cá, embora as verbas oficiais continuem ignorando as necessidades e o merecimento de nossa Luta-Dança. Curiosamente, embora jornaleiros, não ficávamos com reportagens sobre Capoeira, isso só viria a acontecer a partir de 1991, objetivando a criação de um Museu local e também como "moeda de troca" com outros Estados.

Achamos pouco a razoável repercussão dos míseros 4 painéis, registro do saudoso Rufino Almeida... "inventei" de fazer um show musical com artistas do bairro, "dormitório de Belém", as Cidades Novas só passariam para Ananindeua em 1994 ou 95. Mesmo sem experiência alguma no setor, acompanhava eu o genial ator "Ramon Stergman", ajudava-o nas peças e aprendia vendo. Só havia um pequeno "problema"... com 70 ou 80% dos artistas de gabarito de Belém morando aqui, assim que "atravessavam" de ônibus o Entroncamento -- ainda sem o shopping Castanheira, nem creio eu a Cabanagem -- os sujeitos passavam a desdenhar qualquer um que viesse do mesmo local onde "dormiam" todas as noites.

Logo, artista amador que de lá viesse -- fora os da "panelinha" -- era suburbano, "caboclo" e não merecia nem espaço, nem consideração. Claro que aprendi isso sentindo na própria pele... era "norma" greve de ônibus em novembro, a primeira dos motoristas e a seguinte "apoiada" pelo patrões (2 ou 3 dias somente) a fim de conseguirem aumento das passagens para pagar o "aumento" dos salários do motoristas grevistas. Lá por janeiro ou fevereiro outra, porque aumentadas as passagens, os donos não cumpriam as promessas feitas. E TOME PREJUÍZOS pra cidade inteira ! Pois não é que a greve caiu justamente no dia 20 de novembro de 1989, data que escolhi para o show muito amador chamado "Aquarela de Belém"... como eu disse, nosso bairro era ligado a Belém ! Quem me detesta, vai adorar... no ano seguinte, 1990, no mesmo teatro, escolhi o dia 19 de novembro... de novo outra greve nos deu sentida "rasteira". Agora o evento chamou-se "Ananindeua em Festa", devido à "recepção" decepcionante que tivemos do pessoal do teatro optei por não mais "botar azeitona na empada" da Capital ingrata.

Mas, voltemos ao primeiro show... de umas 8 ou 10 atrações findei com 4, talvez 5 ! Poderia dizer que foi o problema da greve de ônibus... não era ! O pai da menina contactada, 8 ou 10 anos, cantando divinamente, optou por não expô-la. (Porque não disse antes ?!) Um jovem negro, motorista de ônibus da linha Maguari, magnífico violonista, também não foi. O famoso dançarino "Judyelson Bailarino" escondeu-se como pôde por dias e não compareceu e nem me deu satisfação. Convidei poeta que admiro -- e com quem aprendi muito -- e seu Grupo de declamação autoral, sucesso na época. NEM SINAL deles ! Mestre "Laurentino da Gaita", uma simpatia, deu sua palavra... mas como morava longe, entendi sua ausência ! Naquela época longínqua suponho ter sido eu o primeiro a levar uma Quadrilha JUNINA a se apresentar num palco, antes disso era só em praça ou em vielas de poeira e mato. Fomos num caminhão, carroceria aberta, com crianças dentro, cedido por meu irmão mais velho, que tinha empresa que atendia a Merenda Escolar na época. Fim do primeiro Ato, 1989 !

RESUMINDO: no tal Teatro nos negaram tudo, tivemos nós mesmos (desde às 17 hs) que arrumá-lo, não havia camarim e o iluminador era um iniciante gaiato que "brincava" com as luzes, impedindo ao público ver as cenas com clareza. No ano seguinte, 1990, pedi (em carta) ao CENTUR que êle fosse substituído. Perdi tempo e papel !

E chegamos a 19 de novembro de 1990 ! A viagem foi um suplício para todos, 30 ou 40 pessoas trancadas num "caminhão-baú" cedido pela Prefeitura. Impuseram um preço absurdo ao ingresso, uns 10 reais hoje, caríssimo na época... eu queria "entrada franca" -- mesmo sem saber da greve, essa reserva de espaço era feita no semestre anterior -- e pagaria apenas a "porcentagem" do Teatro, isso para a lotação inteira, 120 ou 130 cadeiras. Não aceitaram, a intenção era atrapalhar... ainda assim vendemos 123 ingressos mas, por causa da greve, muita gente não compareceu, porém devido devido à presença da Quadrilha "Revelação de São Brás" e do pessoal da Capoeira, o Teatro encheu.

Felizmente coloquei a cantora Lígia Saavedra -- com longa estrada artística em Belém -- e o magnífico "cover" de Zé Ramalho "Wal" Albuquerque para abrirem o evento, enquanto o jornalista Lázaro (Magalhães ou Morais, creio que do Diário do Pará) "me caçava" em todo o canto para lhe dar entrevista, eu cansado, sem comer nada desde o almoço, tendo que apresentar as atrações, participar da parte da Capoeira e me preparar para a declamação de Cordel, decorada por meses e que continua no meu cérebro 30 anos depois.

Salvaram o evento os números de dança da "Academia OFICINA DO CORPO" (da profa. Sônia Lopes) com meninas de 5 a 13 anos, excelentes dançarinas e com coreografia da jovem profa. Renata Lima, que nada ficava a dever aos melhores grupos do Rio ou SP. Quem quiser comprovar, as imagens do "ensaio" dias antes estão na Internet! (acessar... Capoeira no ISEP, parte 3)

Pra variar, tendo frequentado ano e meio a Academia de dona Sônia -- em visitas -- acabei por esquecer o nome da entidade, ao anunciar a dança, no Teatro. Como os "desastres" eram poucos -- o pessoal da Capoeira tropeçou nos berimbaus no chão e derrubaram 1 microfone -- o grupo da Quadrilha, mal findou sua apresentação, foi embora, "esvaziando" o teatro. Íam a pé para casa, por isso não ficavam no show ! "Baixou o santo" em mim... não só não me apresentei como encerrei o evento ali mesmo, ainda pela metade. Felizmente, meu irmão com seu maculelê tinha cumprido sua parte... dos 10 ou 12 alunos que treinaram por semanas na Academia citada acima, compareceram DOIS ! Um inédito "Maculelê a 3" foi registrado em foto de Carlos Rauda e minha "participação se deu atrás de uma cortina amarela, tocando berimbau para uma jovem dançar "nas sombras", divinamente aliás, num efeito muito bonito por sinal.

Acham que acabou ?! A bilheteria só nos pagou 100 ingressos, faltaram 23... levei semanas viajando 2 horas de ônibus para Belém, somente para receber a "diferença". O tal caixa nunca estava no Teatro... levei o caso para a Delegacia e só lá recebi os 10 cruzeiros, cruzados ou o que foi !

Antes não tivesse feito tal pirraça... o evento do ano seguinte, 1991 -- do qual NADA LEMBRO, nem título, nem data, nem quem se apresentou, se é que fiz o tal show -- já bem mais estruturado, teve além da greve o mesmo iluminador e um detalhe sádico: mantiveram fechadas as portas de Teatro, informando a quem procurou o evento que este fôra cancelado "devido à greve"... e nós lá dentro fazendo o evento para nós mesmos, proibida mais uma vez entrada franca.

Em (maio ?) 1992 fui para o teatro do CENTUR com o show "Ação Entre Amigos", a 500 metros dali, 3 atrações somente... adivinhem quem fez a iluminação ?! Pois é, ÊLE MESMO ! Enquanto eu apresentava os artistas convidados, um flautista baiano que tocava música popular de forma erudita e um sambista local excelente, mestre "André" (Kleber Nascimento), o diretor do teatro -- sotaque argentino e músculos à mostra -- EXIGIA o pagamento do espaço. Não só não paguei como fiz irada carta ao Grupo musical responsável pela Casa. Lá no outro Teatro (santa coincidência) na mesma hora colossal show com os 4 ou 5 maiores nomes da cena musical local COM ENTRADA FRANCA, além das Eliminatórias de uma Copa qualquer. Assim findou minha saga como "produtor" cultural !

"NATO" AZEVEDO (em 17/nov. 2021, 14hs)

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OBS: "por trás" de toda essa história um "artista" que sairia do Teatro ALGEMADO em fins de 92 ou 93, após descobrirem os prejuízos que dera ao local. Atualmente (2021) não se pode mais "dar nome aos bois" ou a "chifrudos" semelhantes, é processo na certa. Faltando uns 20 dias para o evento de nov./1991 descobri da pior maneira que não haveria festa alguma: o "anjinho" cedera minha reserva / vaga -- agendada meses antes -- para um "figurão" recém-chegado da Europa. O Órgão oficial apto a resolver o "imbróglio" não mexeu um dedo... o artista protegido "se fingiu de morto". Na semana do evento, nenhuma decisão, creio nem ter realizado o evento, talvez por isso nada recorde ! Ameacei entrar junto com êle NO PALCO ! Só então desistiu, para prejuízo de ambos, eu sem tempo suficiente para divulgar o show. Se passaram alguns anos e "diretor trapalhão" do Teatro virou o "queridinho" da área teatral local. Quem tem "padrinho" não morre pagão !