(Im)pressão Olímpica

Terminou no passado dia 8 de agosto, após 2 semanas, mais uma edição dos Jogos Olímpicos, desta vez no país do sol nascente, Japão, na cidade de Tóquio. Os atletas apurados para a edição 2020, viram a mesma adiada por 1 ano, numa decisão inédita face ao contexto pandémico que vivíamos e continuamos a viver. Adiar a preparação, esforço, dedicação e foco de 4 anos, mudou de forma abrupta a realidade da competição e testou ainda mais a resiliência dos atletas.

Enganem-se os tantos que pensam que os atletas, por terem à sua disposição mais 1 ano de preparação, tiveram mais vantagens. Não foi a simples alteração de uma data. Foi o alterar de sonhos, a adição de mais instabilidade e obstáculos à preparação para a competição mais desejada do mundo. Ninguém adia a data do seu aniversário, mesmo que comemore noutro dia, como também ninguém sabe qual será o seu último dia de vida. E viver a alta competição, é arriscar enquanto se pode, para que não seja tarde…até à última gota de suor.

Pelo meio, ficaram lesões, readaptação física e psicológica, e uma tremenda incerteza quanto à realização dos Jogos Olímpicos em 2021, e isso…nunca foi uma vantagem. Federações nacionais e internacionais, os diversos comités olímpicos e clubes que os atletas representam, para além da nação, e todos os treinadores e equipas que trabalham para a máxima performance, sofreram uma pressão maior.

E é de pressão que vos falo hoje. A dos atletas, por parte de quem os vê e acompanha durante as provas, à espera de que o resultado seja apenas o pódio. Foram 92 os atletas portugueses que representaram as cores nacionais além-fronteiras, debaixo dos olhos das câmaras, e claro, de uma grande percentagem de gente, que tem uma facilidade enorme em assumir o porquê de resultados menos bons, e com uma dificuldade tremenda em elogiar. Elogiar marcas que foram melhoradas, provas superadas a muito custo, atletas com poucos apoios financeiros a ganhar diplomas olímpicos, ficando entre os melhores do mundo da sua modalidade.

Abrir os braços aos que nos surpreenderam e não estavam entre os nomes mais sonantes, às estreias, aos destemidos, aos que perderam, mas conseguiram vencer antes de chegar tão longe. Aos que perderam e, mesmo assim, fizeram melhor no meio dos melhores. A todos os quantos se sentiam desmotivados, desorientados, frustrados… e não deixaram que tal se espelhasse nas suas provas. Aos nossos, e a todos os outros de bandeira às costas, orgulhosos do país que lhes deu a mão. Ao pequeno (e promissor) grupo de refugiados, que começa a dar os primeiros passos na alta competição, aos que foram sozinhos, e aos que ficaram de fora por pouco…com tanto valor quanto os que conseguiram lá estar.

Vimos excelência, dedicação, paixão pelo que se faz e uma ambição nas palavras e nas atitudes, quando o melhor que deram de si, para eles, podia e poderá ser melhor daqui a 3 anos. Olhamos para os atletas, na grande maioria das vezes, como máquinas com baterias que duram para sempre. Pensamos que o corpo e a condição física destes vão até onde quisermos, enquanto audiência, sem nunca interiorizar que a condição psicológica orienta (e muito) os limites do corpo. Até onde serão capazes de ir? Porque não fizeram melhor que o expectável? Porque falharam os mais promissores? E…os que desistiram muito antes de competir as grandes provas? São perguntas que surgem todos os anos, e cada vez mais ganham repercussão e atenção. Mas, a imprevisibilidade, é comum para todos os que competem.

Porque nos achamos no direito de pressionar os outros, atribuindo-lhes um prazo de validade, ao olhar primeiramente os atletas como objetos, e não como seres humanos? Direito de expor fragilidades, a adrenalina do momento, o estar bem ou estar mal, de estar em silêncio, de gritar agora ou depois, de sorrir de alegria ou chorar, de desmoronar em direto ou nos bastidores, de querer mais e melhor…de se contentar com o que fizeram, e não achar pouco, têm OS ATLETAS. É inquietante sermos parte de um problema global, onde quem fica fora do pódio, não é vencedor. Onde o 2º lugar é um “quase”, e o 4º…uma “tristeza”. Espantem-se, quando vi vários atletas nacionais, e outros tantos internacionais, a pedirem DESCULPA por não terem conseguido uma medalha! Eles, os tais que se qualificaram para a competição que mais ambicionam na vida. Que deram o seu melhor para lá estar e, subitamente, invalidamos esse percurso em meros dias.

Ao longo da História, sempre criamos mais muros do que pontes, e continuar nesta inerrante narrativa de termos razão na forma como avaliamos as figuras maiores do desporto, não nos conecta. A empatia não é fria, calculista ou depreciativa. É vibrante, saudável e imperativa. Vivemos a pressionar os atletas para que nos impressionem, como o fazemos diariamente nas mais diversas áreas e atividades, quando esse tipo de atitude só os leva ao abismo da sua saúde mental.

Os Jogos Olímpicos não são unicamente uma competição desportiva, e estruturalmente, acartam patrocínios, apostas e valores económicos, esforços enormes de quem faz o melhor com o pouco que tem…uma pressão mediática astronómica face aos nomes mais sonantes, que não têm sequer o direito a falhar. Onde está a justiça das nossas palavras?

O desporto mudou. Com o tempo e as circunstâncias, com a evolução cultural, social e económica, com a evolução das tecnologias, dos treinos, dos métodos de preparação, com mais investimento e apostas em novas modalidades. Hoje em dia, vemos a presença de atletas LGBTQIA+ sem os medos de outrora, com mais expressão e vontade de tentar educar o mundo quanto aos estereótipos e preconceito que estes sofreram e sofrem. Uma janela aberta para a representatividade. Vemos pequenas nações a ganhar medalhas pela primeira vez em décadas, que premeiam os seus atletas de forma impressionante, atletas que ganham medalhas em todas as competições a que se inscrevem, quando todas elas exigem uma resistência física e psicológica tremenda. Países que alcançam o ouro pela primeira vez, e nas lágrimas deixam que esse sonho tornado realidade, se alastre a tantos outros. Vemos o cair e levantar, quando tudo parecia perdido, para no final de tudo, ganhar. Mas, ainda vemos a xenofobia e o racismo em ação, e a tal, cada vez mais precisamos de dizer não!

Os Jogos de Tóquio, realizados num contexto totalmente diferente e com imensas limitações, espelharam a importância de VALOZIRAR A SAÚDE MENTAL. A nossa, antes de apontarmos o dedo a algo que não faríamos melhor, e a dos atletas, que têm todo o direito em parar, desistir e tentar de novo. Direito de serem seres humanos, antes de serem atletas. Nada me fascina mais, que a força do público nas bancadas, a reforçar ainda mais o porquê de mantermos viva por tantos anos, a paixão pelo desporto na sua diversidade e tradição. Esta edição, não teve público nas bancadas. Apenas críticos de bancadas, em casa, de sofá. Mas, enquanto o espírito olímpico e a valorização do atleta no ganhar e no perder for maior, as críticas serão pequenas dores de espírito, para reaprender e reeducar-nos, enquanto sociedade que força a perfeição até à exaustão. Porque o desporto, as modalidades…os atletas, são isto: tentar, estabilizar, conseguir, cair e levantar de novo, tentando outra vez.

Impressionem-me, com as vossas falhas e forças. Sempre.

| DA

DinarteAbreu
Enviado por DinarteAbreu em 11/08/2021
Código do texto: T7318791
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.