CAPOEIRA: ODC & OUTROS TEMAS

CAPOEIRA - ODC & OUTROS TEMAS

"O segredo da Capoeira

morre comigo..."

me. PASTINHA (?!)

Por vezes penso que somente o "Semba", Kuzemba, o hoje estranhamente belo Samba -- que já foi "de pé no chão" e fantasia própria, cada um fazendo a sua -- tenha mais estudiosos, mais gente que interessou-se pelo princípio de suas raízes, do que a misteriosa Capoeira. Em outras ocasiões, julgo que não... perdemos no terreno das gravações por certo, o famoso "Pelo Telefone" foi registrado no início do século passado, primeira música a ser gravada, isso em 1917 -- teria 3 ou 4 autores, um deles acho que da polícia -- e nossa Capoeira surgiria nos discos de chumbo, pesadíssimos, lá por 1940 ou 50.

Porém, em termos de ESCRITA, estamos bem servidos... quantos Negros nessa lista ? Bem poucos, raros mesmo, ao escravo (e às mulheres) não apenas se proibia de votar, ainda que fazendo X, mas também aprender a ler. Dizem que se aprende a ler sozinho, o que eu duvido, contudo o "erê" das senzalas frequentava a "Casa Grande", brincava com os sinhozinhos, talvez com uma ou outra sinhá e, inteligência viva, poderia ter se iniciado no terreno da escrita, da Cartilha do "be-a-bá" !

O fato é que temos do início dos 1900 muitos escritos, alguns são livros, livretos, feitos em tipografia -- como o "GUIA DO CAPOEIRA ou Gymnástica Brazileira", de 1907, escrito por (ou dedicado a) um certo ODC CAPOEIRA -- ou manuscritos como o Diário de mestre Noronha, registrando as mágoas do velho "capoeira" com a então Angola, ainda solitária, sem a inovações (?!) promovidas adiante por mestre "Bimba" em sua escola "de Cultura Física Regional", fundada em 1936. Aos que culpam Manoel dos Reis Machado por deturpá-la, vou em seu socorro: "Bimba" apenas "catalogou", reuniu em um lugar só as diversas "Capoeiras" existentes desde os 1800. (*1)

No Rio do Vice-Reino -- que quer a primazia de seu nascimento, pertencente a Salvador, primeira Capital do país" nos 1700 -- tínhamos uma "Capoeira do Sinhô" feita creio eu só de palmas, sem atabaque, pandeiro e muito menos berimbau, que não se sabe quando entrou nela.

Os desenhos de DEBRET e de Rugendas -- a Missão Francesa com êles e outros cientistas ficou no Brasil de 1816 até 1822 -- não a registram "no mato baixo" nem com berimbau (ou pandeiro), só atabaque, que sequer teria esse nome. Os "biólogos" Spix e Von Martius desbravaram as florestas do país pouco depois e, por certo, "enfiaram" na Dança-Luta o termo "Capueira" ao descobrirem a ave URU (odontophorus capueira) cujos machos em luta "dançavam" como os Negros faziam, ela no acasalamento "no mato ralo". De SUPOSIÇÕES se faz a História, quando documentos inexistem ou se perderam, foram destruídos. (*2)

Havia "várias Capoeiras" em 1900 e pouco, cada um "enfiava" nela criação de sua lavra e na "Sinhozinho" admitiam as pernadas do Savate e socos de Boxe inglês, além de uma certa "luta do pau", portuguesa ou bretã. "Bimba" só coligiu o que alguns faziam... meu irmão "chuta" que da Dança Cossaca viriam 3 ou 4 movimentos dela, a negativa (da Regional), a armada e até aús. No Frevo estão também... e não se sabe ainda quem surgiu primeiro, se o Frevo ou a Capoeira: um seria pai (ou mãe) do outro ! Fico com a Capoeira, que vem da ancestral N'GOLO... o Frevo derivaria dela !

Mas, voltemos aos livros e a Waldeloir Rego, o mais completo trabalho de análise da CAPOEIRA -- de 1968, 30 ou 40 definições apenas para tal nome -- obra ainda não superada e que praticamente NINGUÉM LEU, só falam dela, a citam. Entrevistou "Bimba" e acreditou "estar sendo enrolado" ! Não estava longe da verdade... "o segredo da Capoeira morre comigo"!, teria declarado Pastinha. Há uma tendência geral em não ser sincero, em não contar a verdade. Aqui em Belém, entre março/1989 (quando o entrevistei) e nossos dias, 2020, um grande nome local "acumulou" 3 ou 4 versões de seu início na Capoeira. Será memória fraca ?! Qual delas é a verdadeira ? Todas elas ?!

Me dediquei por meio ano a tentar descobrir o que seriam as iniciais O.D.C. -- "opúsculo de Capoeira"? Segundo mestre André Lacé seria "ofereço, dedico, consagro"... in "Capoeiragem", pag. 3, que afirma ser a tal obra de 1898 -- entendendo que o livreto teria origem na então Região Norte (Bahia, Maranhão, Pernambuco, etc), com a Capoeira proibidíssima naquela época, perseguida e criminalizada. Ainda assim um corajoso fez em "typographia" (o dono dela o conheceu) um livreto, com várias cópias, de um manual de Capoeira, fato inédito, o primeiro, isso em 1907. (Sairia em segunda edição em 1928, conforme André Lacé Lopes.) Seria branco ? Seria Mestre ? Para quem fez a obra, para quantos ? Estes saberiam ler, certamente, caso a obra não fosse só de figuras. Este livreto merece pesquisa, está clamando por um estudo e, quanto mais tempo demorar, mais distante ficaremos da Verdade. (*3) ODC era minimamente LETRADO, não se faz um Manual sem noções amplas. Parti do princípio de que seria político ou escritor, poeta é claro, os demais "estilos" (prosa, no caso) estão ao alcance de poucos. Portanto, foram meses de 1990 consultando livros (e Jornais) baianos antigos que citassem nomes nas 2 categorias, poetas e deputados. Em relação de vates dos 1880/1900 lá estava um certo OSWALDO DE CARVALHO, se a memória não "me deixa na mão"... foi só até onde cheguei e isso pode não significar NADA. Descartei padres, o autor do livreto ENSINAVA Capoeira ou estaria a serviço de um Mestre.

Há muito o que pesquisar ainda, a recente tese de Paula Juliana Foltran Fialho "MULHERES INCORRIGÍVEIS: desordem, capoeira e valentia nas ladeiras da Bahia 1910/1920 (http://mariasfelipas) é muito esclarecedora, porém peca ao repetir o "dogma geral" de que "todo desordeiro era capoeira". Prefiro a noção de que o "capoeira" tinha atividade, emprego e seria gente de respeito, atuando nos Cais ou "nos cantos" como carregadores ou serviçais de toda espécie. Caímos na "arapuca" que interessava à Lei (e à polícia) da época... todo "capoeira" era bandido, marginal e, por isso, um simples livreto sobre ela vinha só com iniciais. A jovem autora felizmente separa as "mulheres-capoeiras" das arruaceiras ciumentas disputando machos. Há muito o que estudar ainda, contudo nos faltam interessados em fazê-lo !

"NATO" AZEVEDO (em 18-19/maio 2021)

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OBS: (*1) as fotos (e desenhos) dos golpes no livro "Ginástica Metodizada e Regrada" de Aníbal Burlamaqui (mestre "ZUMA" ?) são bom exemplo do que se fazia "como Capoeira" em 1928. É possível que tais movimentos tenham influenciado a Capoeira de mestre Arthur Emídio, vindo da Bahia, ou já se praticava algo assim em Salvador, no princípio do século 20.

DEBRET nos mostra -- para quem quiser ver -- o duro Regional, ginga grande, enfrentando o esguio Angola, base no pé da frente e os "pulinhos" que celebrizaram Pastinha. Até o punho fechado, pronto para socos, está lá ! Ademais, ANGOLA sempre foi Angola, o termo "Capoeira" ficava implícito !

(*2) - não "engulo" a teoria do "foi pra capoeira" para origem do nome atual... negros fugiam para mata fechada,quase impenetrável -- ou outras cidades, findando recapturados -- jamais para "um mato ralo". Palmares ficava a 50-60 km do lugarejo mais próximo, por isso resistiu quase meio século. Waldeloir Rego encontrou 30 ou 40 significados para os termos "Capueira e Capoeira", fora o batido indígena "Caa-poera" ! Nunca chegaremos a lugar nenhum... a estória da disputa dos machos da ave URU -- em "luta" semelhante à Capoeira, "no mato ralo" -- me parece mais perto da verdade.

(*3) - muito criativa a "tradução" de ODC CAPOEIRA como "ofereço, dedico, consagro" mas lhe falta o A craseado... são verbos que PEDEM A/AO, mesmo alguém de poucas letras sabe disso, quanto mais um oficial militar, que me. André Lacé insinua ou sugere como autor do livreto. Ainda que se aceite "OFEREÇO, DEDICO" -- termos redundantes e que quase "se anulam" -- CONSAGRO, de cunho religioso, seria de emprego difícil de se imaginar em pessoas comuns, ainda que escritores.

(OBS de 20/maio 2021, abaixo:)

Livros antigos -- li faz pouco tempo um de 1912, de António Albalat -- não usavam ASPAS para dar novo sentido a uma palavra, destacá-la. Utilizavam SERIFA (linha sob o vocábulo) ou outro tipo, FONTE, formato, "negrito", quase sempre imitando o manuscrito ! Lamentavelmente a obra "Guia do Capoeira" não fez tal distinção... assim, temos o título "Guia DO CAPOEIRA" (aqui definindo atividade, Grupo) acima de O.D.C., (este com enorme destaque) vindo a seguir a dedicatória real... "À DISTINCTA MOCIDADE", cuja imagem da obra somente hoje, 20/maio 2021 localizei. Isso dá/daria razão a interpretação citada por mestre A. Lacé.

Eu continuo reticente... "ocultar" a singela expressão "ofereço / dedico / consagro" num livro ILEGAL ao extremo não me parece nada sensato. Essa é a minha impressão, interpretação ! Em tempo: o "GUIA DO CAPOEIRA" (e não ODC, como todos o titulam) foi publicado em 1907 pela LIVRARIA NACIONAL, do Rio de Janeiro. O volume exibido, sem a capa, vem com carimbo da loja de um certo MANUEL CAVALCANTI... estará vivo o "gajo" ?!

Penso que o O.D.C. aí descreve NOME e "qualificação", adjetivando-o com o C de "capoeira". Em outros palavras, FDTC" significaria... "Fulano De Tal", "Capoeira" ! Logo, "Oswaldo de Carvalho" quedaria descartado!