MÚSICA E CANTO NAS RODAS

MÚSICA E CANTO NAS RODAS

"Lá / na beira do mar eu vi... /

eu vi a sereia cantar ! / Então,

nas dunas eu adormeci..." (etc)

"NATO" AZEVEDO (trecho de MPB)

Certamente há um tempo para tudo na Vida... o vídeo de 1976, postado em 2009 e visto por mim naquela época sem maiores emoções que a de apreciar o longínquo Passado RESSURGINDO na tela, tomou ontem outras proporções. Tendo por trilha sonora o canto do Grupo de Angola ECAP e a voz de seu mestre maior "Guará" aquelas imagens tomaram novas dimensões, vi bem mais "do que queria ver", na expressão recriminadora de senhora pesquisadora aqui da quatrocentona Belém do Grão-Pará. "Tenho muito o que aprender" me escreve outro... talvez só agora compreenda o sentido real de sua afirmação.

Nas tocas imagens um menino de Morro -- aprendizado precoce de extremo proveito -- por vezes surpreende o mestre, o famoso "LUA RASTA", a Mandinga de corpo presente, quem o conheceu sabe disso. O que falta ao garoto ? Muito pouco, os movimentos básicos estão todos lá... então, a Capoeira é tão simples assim ?! É o que parece ! É possível que isso explique esse "aluvião" de saltos e movimentos acrobáticos incluídos nela, espetaculares por certo, resta saber se indispensáveis à nossa Dança-Luta. Lá estão êles em BATIZADO de 1994/95 do Grupo "Eu, Bahia", na pessoa de um certo "Borrachinha", um espanto... festa maior da Capoeira, nele nossa Arte se reafirma como LUTA, forma como nasceu e se sustentou por 3 séculos. É preciso atentar para esse detalhe: se não houver toque/contato e o "tombo" (ou quase isso) o "batismo" foi incompleto !

Voltando ao vídeo do menino... lá está êle adulto, numa ladainha ao som do "HUNGU", do "mbolungunga", do sonoro GUNGA de antigas eras, hoje apelidado de "médio", a partir do livro "Galo Já Cantou", creio eu. Entre imagens pessoais, uma viagem a África, exatamente aquela África que o Mundo evita ver. Pobreza extrema, seminuas boa parte das crianças, o que deveria envergonhar todo cristão, qualquer ser que se julgue humano. Lá está a Capoeira DO BRASIL... não parecem reconhecê-la os nigérrimos 200 ou 300 meninos de olhos e cabeças grandes, nem sequer seus tios, pais e avós. Os traços da "N'Golo" se perderam por lá, 3 séculos depois !

Mas, eu ía falar DE MÚSICA, do Canto na Roda... as palmas também se perderam, quase não se ouve mais, nem mesmo nos discos. Bate-se palmas (ou sino) para chamar alguém... CHAMAR algo que "não está à vista" ! Talvez por isso se tente ou se pretenda o fim delas na Roda. Nos resta o poderoso som do "Hungu", o imponente Gunga, som de sino de catedral. Também chama... e todos fazem silêncio para ouví-lo -- está lá no vídeo de Belém isso -- é "hora de lutar, camará" !

Nossa música, a dos 3 berimbaus, é ÚNICA, os diversos toques também, e exigem ser aprendidos para que não morram, como sucedeu na África. Essa música estranha -- que só perde para o Samba, em número de gravações -- precisa ser MAIS DIVULGADA, estar nas Rádios, nas TVs, em filmes, teatros, onde puder ! Me pergunto como está sendo tratada "LÁ FORA", nos diversos países do Mundo inteiro, o que cantam NAS RODAS sírios, gregos, russos, canadenses, japoneses, alemães, franceses ou americanos: que TEMAS, que coisas, que vivências cantam na Roda ?!

Estarão levando para as Rodas "meu pintinho amarelinho" ou, pior, coisas do disco da "galinha pintadinha" ? Com a LIBERDADE que é o cerne da Capoeira, seu ideal primeiro, tudo é possível... necessário se faz observar o fato de que, enquanto Folclore, mira as coisas do povo, suas dores e afazeres, como registrou lindamente em seu CD de estréia Rafael de Lemba: "rala o côco, Catarina" e no divertido "ai meu joelho, dindinha" !

Parece simples, mas não é ! Alguém já se perguntou porque NÃO SE CANTA o mar em nossas Rodas ?! Seria porque está ligado a Yemanjá, ao Candomblé ? Seria porque, no inconsciente geral, o MAR, imenso mar tenebroso, foi a "ESTRADA" que conduziu nossos ancestrais para o cativeiro e que serviu de túmulo para milhares, talvez meio milhão de seres ?! Camafeu de Oxóssi, inovador em disco LP, cantou barcos e Paraná (rio grande, em tupi ou guarani), talvez o saudoso antigo mestre, um dos primeiros a gravar disco de Capoeira -- um Compacto, 4 músicas, me parece -- disputando com os mestres "Traíra" e "Bimba" a primazia desse feito histórico. Camafeu teria exigido da Gravadora a impressão do símbolo de seu Orixá NA CAPA, "ponto riscado" incompreensível à maioria, capa cor-de-rosa, cor feminina por excelência, um espanto na época. Os novos tempos de censura explícita mudaram várias vezes a tal capa.

Enfim, desse meu "mar de rabiscos" fica a certeza: cada Grupo que grava precisa deixar cópia dele na Rádio de sua cidade e a CBC tem mais uma frente DE LUTA... se é que luta por nossa Arte ! É urgente DIVULGAR mais o som do GUNGA, nossa música necessita ser melhor conhecida, mais ouvida, para não MORRER ou existir tão-somente em Batizados e Rodas comuns. Essa é a MISSÃO de cada Grupo de Capoeira agora !

"NATO" AZEVEDO (em 27/abril 2021, 5hs)