CAPOEIRA - QUESTÕES & QUESTIONAMENTOS

CAPOEIRA - QUESTÕES & QUESTIONAMENTOS

"Capoeira, pra mim, é oração /

daquelas que não se reza todo dia... /

só nas horas de muita aflição,

só nos dias de muita alegria" !

"NATO" AZEVEDO (trecho de canção)

Sempre me perguntei porque é tão difícil -- ainda hoje -- se definir com exatidão a origem real, a correta, a verdadeira, do termo "KAÁ-POERA" ou Capoeira. Porque não se procurou NA ÁFRICA as "raízes" do termo, de preferência na região da "N'GOLO", "sua avó materna", se não foi a MÃE da prática afro-brasileira ? O problema maior que se impõe é que cada "escritor" quer ser o "pai" do termo, do significado primeiro dele, além de "autores" (?!) a serviço do Estado, criando "origens oficiais" ao gosto do Poder vigente. Há coisa pior: um pesquisador "de gabinete" que nunca viu uma Roda e vai investigar prática DE ORIGEM AFRICANA... "em terras do pau-brasil". Pelo menos o sensato e brilhante Câmara Cascudo, nos anos 40/50 "se mudou com malas e bagagens" para o continente negro, para "escavar" no lugar correto alguma informação relevante. Em "Pindorama" cada um continuou FALANDO (e escrevendo) o que bem entendia sobre a Dança-Luta... e chegamos a essa "torre de Babel" na qual nem do nome original dela temos certeza.

Na desconhecida "N'GOLO" -- Folk-lore, por excelência -- aprendia-se cada qual do seu jeito, à sua maneira, pois essa é a ESSÊNCIA das "coisas do povo", a liberdade de praticá-la, de vestuário e modos de acordo com a personalidade, o EU interior do sujeito. "Ninguém joga como eu jogo... cada um é cada um"! Mas, Vicente Ferreira "bateria de frente" com a tradição ao UNIFORMIZAR seus alunos, lhes cerceando a LIBERDADE de se apresentarem nas Rodas como gostariam.

Aí entra a força do Sistema, o "braço" do Estado no qual organização é a chave do discurso oficial e, nela, está inclusa a uniformização geral, que mostra a amplitude do Poder atuante e dominante, controlando tudo. Desconheço se o Centro Esportivo (?!) de Pastinha adotou o uniforme somente como expressão do amor do Mestre pelo Clube Ypiranga ou, se tendo que fazê-lo, optou por unir o útil ao "desagradável". Foi um sacrifício e tanto para boa parte dos alunos, o que se vê nas fotos não é um conjunto barato e, além do mais, calçado... sapatos sempre foram caríssimos para o bolso do pobre !

Mestre "Bimba" foi um inovador, isso é evidente, mas não se analisou ainda -- pelo menos até onde li -- se houve VANTAGENS para a Capoeira na "uniformização" (?!), agora de método DE ENSINO, iniciada ou promovida por êle ou a partir dele. Vemos hoje, 2021, em vídeos e "ao vivo" inumeráveis CÓPIAS -- cada vez mais perfeitas -- do mestre maior da Capoeira na Zona Sul carioca, isso nos anos 70. (OBS: ía falar "da Senzala", porém seria mal interpretado !) Há realmente alguma VANTAGEM nessa "mecanização" tão aguda, exagerada, de um estilo DE JOGAR que eu admirava "exatamente por ser ÚNICO", de apenas 1 mestre ?! Enquanto FOLCLORE, interessa à Capoeira ter MILHARES de "Camisinhas" ?!

Já por volta de 1975/76 no CEU - Casa do Estudante Universitário, no bairro do Flamengo, meu irmão presenciou o jogo de várias moças americanas ou canadenses, em visita ao mestre "Camisa", todas rígidas nos movimentos, parecendo Karatê, pernas "de pau" sem nenhuma naturalidade. Meu receio é que o aluno europeu ou o "gringo" tenha aprendido -- dos anos 80 para cá -- uma Capoeira marcial e, se não vier ao Brasil, levará a vida ignorando que há "outro Mundo" a ser desvendado, além do "universo dos robôs".

Há muitas questões na Capoeira sendo menosprezadas, "jogadas para debaixo do tapete" e isso não é bom... houve um tempo em que, num Grupo, só havia 2 categorias, a de alunos e a de contramestre (TREINEL ?), raramente mais do que 1, já que o mestre estava acima desses conceitos, assim como um diretor de Escola não é aluno ou professor. Com "Bimba" inicia-se uma "graduação" -- a de "mestre charangueiro" -- que, bem ou mal, distingue e separa praticantes.

Me parece que por volta de 1970, com dois Simpósios distintos (o de 72 com a presença de me. "Bimba") no Rio, inicia-se o graduamento oficial da Capoeira, quero crer que baseado no Judô ou Karatê, praticados no Exército. Há vários "pais" para tal graduação, sendo o baiano Carlos Senna o mais citado... suponho que a ginástica "de aquecimento" nos Grupos da época seria a que aprenderam, os futuros mestres, enquanto recrutas nos quartéis. Desconheço se o extenso livro de 1945 de Innezil Penna Marinho (militar, ao que consta) trata dessa ginástica. (*1)

Insisto que a questão do título DE MESTRE, do "barateamento" do título, do "apadrinhamento" de praticantes -- que pouco sabem pois pouco se dedicaram -- ainda irá custar MUITO CARO para a Capoeira. Já temos, nas Rodas esse "abismo" técnico pavoroso entre o nível de jogo dos velhos mestres e o dos atuais, mas compreensível pelo tempo e época. Estender essa "caridade" a praticantes que iniciaram nos anos 80 -- e que, por isso, deveriam ser melhores do que são -- tem um custo alto, a DESMORALIZAÇÃO da Capoeira, já que o "asno" não tem vergonha de "MOSTRAR" o que não sabe ! Por fim, lamento o Regulamento oficial de 1993 que "rachou" o título de MESTRE em "pedacinhos" ridículos... isso terá que ser cancelado ! Agora, os tais MEGAGRUPOS me vêm com expressões do tipo "aspirante a formando" ou, pior, "formando a mestre"... gente, o aluno de 1 semana já é um "formando" a mestre, caminhará para isso se permanecer nela.

Nossa Capoeira continua "na onda do MINHA CAPOEIRA", cada um "inventando" sempre mais e se distanciando dos princípios que a nortearam como FOLCLORE. Para onde ?! Ninguém sabe ! Qual é a vantagem disso ? Ninguém se preocupa em analisar ! E vamos indo... "no balanço do berimbau" !

E chegamos aos Batizados (mais um termo a ser extinto), (*2) "pedra fundamental" da Capoeira, início oficial (?!) do aluno nela, com suas extensas graduações -- agora até POR IDADE (?!) a partir da CBC... não imaginam ADULTO entrando nela -- e os discutidos, hoje discutíveis, APELIDOS. Já os tiraram da Luta-Dança ? Vão tirá-los ?! Pobre Folclore... é incomum níveis "de Conhecimento" em "coisas do povo", ainda que alguns membros saibam mais. Não há DISTINÇÕES, "graduamentos", embora se admire o praticante com maior talento. Graduações (e apelidos, também) vêm dos Exércitos desde gregos, romanos, egípcios, hebreus... no Passado o Mestre de Capoeira arcava com as despesas da compra das cordas, entre outros custos. A era das Federações mudou pouca coisa esse "costume": me parece que tais Entidades deveriam ter verba específica para DOAR a cada Grupo filiado esse material, dinheiro federal só para isso, afinal a CAPOEIRA continua sendo ignorada por órgãos oficiais de ESPORTE, de luta, de folclore, de arte, música, qualquer coisa.

Falava eu de "BATIZADOS"... se Mestre eu fosse só convidaria professor ou mestre que pusesse à prova o conhecimento de cada aluno meu. Nos tempos antigos (1977, no Rio) vi mestre "de ralo saber" (?!) sendo apupado por não conseguir "achar o aluno" e "levando um baile" do menino. Foi fazer o quê numa Roda ?! Passear ? Ostentar o TÍTULO que nem merece, que não honra... que NÃO SUSTENTA diante de um mero iniciante ?! Disfarçada ou não, Capoeira É LUTA !

Qual é o orgulho de um aluno que nem sequer foi TESTADO porque o "grande Mestre" limitou-se a levar 7 ou 8 VEZES a mão de unhas grandes ao rosto do garoto, sem sequer esquivar-se dos golpes dele ?! (OBS: em vídeo recente, de Belém, evento de 1995) Há muito o que falar (e escrever) na Capoeira atual, contudo há muito o que MUDAR também, antes que seja tarde demais para qualquer coisa !

"NATO" AZEVEDO (em 19/abril 2021, 7hs)

OBS: (*1) - esqueci de citar outra obra famosa na época, anos 40, o de um certo BURLAMAQUI (Carlos ?), com desenhos expressivos.

(*2) - em Belém mestres "ex-católicos" trocaram o termo secular por um prático "entrega de corda", que reflete os dias atuais da Capoeira. Ora, 1) se não se dá mais APELIDO e, 2) se o aluno não leva o tradicional "tombo" por incompetência do "batizador", acaba sendo mesmo mera... ENTREGA DE CORDA e para aluno despreparado.