O TOM NOSSO DE CADA RODA...

O TOM NOSSO DE CADA RODA...

"Música é o canto da alma /

que nos anima e acalma...

"NATO" AZEVEDO (poema/início)

A primeira vez que vi uma "bolsa para berimbau" foi em junho de 1989, no CENTUR de Belém, no segundo e derradeiro evento de nosso Centro Cultural, levando outra "rasteira" dos capoeiristas com quem contávamos para divulgar os NOVOS TEMPOS (?!) dessa Dança-Luta. Além de meu irmão "intoxicar" meia platéia classe média com seu Maculelê de tochas à base de querosene vagabundo, nosso arremedo de Roda foi novo fracasso, no mesmo local do primeiro, 1 ano antes. Nunca mais nos convidaram para nada... "salvou a tarde" o mestre Sérgio (Nazaré) Rodrigues, vulgo "ZUMBI", com um maculelê de facão ao lado de seu inseparável contramestre "Docinho".

Por pouco não tive enfarte naquele dia... ensaiara com meu parceiro de dupla "meio sertaneja" "CULTURA NOSSA" (Abiezér Silva) um dueto "ao estilo mestre Suassuna", do LP magistral dele, violão e berimbau. Silva, sempre inseguro, "esqueceu" as marcações e tocou "qualquer coisa" ! O pessoal apalavrado não compareceu e, como não jogo "nem pedra em mangueira", restaram 4 ou 5 para "cumprir o calvário" de levar na marra a tal Roda. Mas ficou a lembrança da bela bolsa de couro ou "courvin" (espécie de plástico) preta do prof. Nilton Barnabé, do Grupo "EU, BAHIA", que veio sozinho... não, não foi a primeira bolsa que vi, meu irmão tinha algo parecido, por volta de 1976/77, para "esconder" seu "meio berimbau", afinal brutamontes de grupo de Capoeira da Zona Sul entravam nas Rodas de rua apenas "para acabar" com elas. Para camuflar seu berimbau-viola serrou-o em 2 partes que eram unidas por pedaço de cano de guidom de bicicleta. Assim, avistados os "trogloditas", êle recolhia o instrumento !

Nilton Caldas, hoje merecidamente mestre e criador de um grupo de Capoeira só com meninas, isso em 1993/94, dá depoimento recente onde mostra toque criado por êle e afirma que a Música -- numa escala de importâncias -- equivale a 85% da Roda... então, "está lascado", para usar um termo bem paraense. Em Belém, nos anos 90, ninguém se preocupava com a qualidade musical da Roda e 5 ou 6 berimbaus eram o mínimo nela, tocando não sei bem o quê ! Pandeiros sobravam e atabaque ninguém trazia, são um "trambolho" ! O que mudou de lá pra cá ?! Não sei, mas vendo vídeo de 2007 do evento "12 HORAS DE RODA" daqui do bairro nota-se uns 15 berimbaus e 1 só pandeiro, sem atabaque à vista... "nem a prazo", completaria um gaiato qualquer.

Entrei na Capoeira graças à musicalidade dela, seus toques e ladainhas, e continuo nela principalmente por isso, daí a importância que dou à prática da Música -- que jamais pode se sobrepor a dos movimentos, razão de ser da Capoeira, me perdoe o Nilton -- e dos tais Fundamentos que preconizam (defendem, até) o uso de 3 berimbaus distintos. "Nestor Capoeira" que me desculpe, o tal berimbau MÉDIO "nasceu depois"... nos anos 70 eram 1) VIOLA, 2) GUNGA, hoje médio e, 3) "BERRA-BOI", atualmente gunga. Quem "cria toques" deveria se abster de mostrá-los nas Rodas. Afinal, se ainda hoje não se domina-- iria dizer SE CONHECE -- os 6, 8 ou 9 toques tradicionais, vindos do Passado mesmo com nomes trocados, como podemos nos dedicar a novos toques ?

Esse meu texto pretende colaborar COM O APRENDIZADO -- por parte de iniciantes e praticantes recentes -- dos 4 ou 5 toques essenciais à qualquer Roda e que serão efetivamente usados, uma vez ou outra pelo menos. Nos anos 60/70 só pegava em berimbau o mestre ou alguém de sua extrema confiança, talvez o contramestre, entre os angoleiros"TREINEL", suponho. Por lógica, havendo apenas 1 mestre por Grupo, se teria apenas 1 berimbau... ninguém ía a uma Feira ou loja "de macumba" para comprar cabaça MÉDIA, porque tal termo era desconhecido.

A preferência era pela cabaça oval, meio longa, dava mais eco; a do tipo abóbora tinha mais graves, embora fosse incômoda durante o toque, parte da mão encostava nela e a fazia "dançar", mudar de posição. "Rubinho Tabajaras", quase vizinho -- morava "no setor 13 do Morro e eu "no 17", ambos tomados por construtoras -- me ensinou vários dos quase 10 toques que dominava. Deixou-os gravados em fita cassette, ouvida por mim dezenas de vezes. O "toque de Bimba" vinha com o nome de Idalina ou coisa parecida.. em revista da época um certo Kay Scheffer explicava a "confusão de nomes" instalada por mestres baianos antigos.

Como tive aulas de Música -- obrigatórias, junto com o Francês -- nos anos 60 em escola pública do Paraná, aprendi a "ler Partitura" e criei algo semelhante para a Capoeira. Nada daqueles "hieróglifos" que vários livros e autores já fizeram... com o meu "manual" essa Geração Y "de videogame e celular", cujo cérebro é completamente tapado para qualquer outra coisa, irá aprender a TOCAR os diversos "estilos" rapidamente. Exemplos desses toques existem aos montes na Internet, porém sugiro os videos do "Jacaré do Lodo" ou de um certo "KOYOTI", ambos no YouTube.

Lápis e papel à mão... faça 3 linhas horizontais, separadas por meio centímetro e com as "cercas" (linha vertical, "travessões") a cada 3 cm. Pronto, você já tem a PAUTA, agora lhe faltam as "NOTAS", ou seja a 1) "TICH", uma "bolinha" branca com a "cabeça" (1/3 dela) pintada de preto; a 2) "TIM", essa mesma bolinha "sem a tal cabeça" (2/3 do círculo), reforçando em preto a linha "do corte", a borda, para representar a moeda apertando o arame. (OBS: esqueça as pedras, pode até ser tradição mas não tiram um bom som. Use moeda lisa, sem relevo ou "buraco", pra não ter bolha no "dedão" !)

Por fim, a terceira NOTA, "que toca DÓ em tom maior... bolinha branca inteira, para o "DOM"... pronto, cada "divisão" com 4 ou 5 "bolinhas" (2 tich, 1 tim e 1-2 dom) fecha um "compasso", 1 TEMPO musical completo, sendo o TICH sempre no "fio" de cima, a "meia bola" do TIM no "fio" do meio e a bola do DOM na linha final, embaixo. Mais simples do que isso só esse games de tiro, onde o inimigo surge sempre no mesmo lugar... peça ajuda ao mestre para você "montar" seu MAPA DE TOQUES e ficará fácil treinar EM CASA, no banheiro, que berimbau MAL TOCADO é um tortura para seus pais, irmãos, vizinhos e até os "carapanãs" da casa.

Berimbau no umbigo não produz bom som, mantenha-o alto, perto do coração, a vareta precisa bater no arame num ângulo de 90 graus (ou quase), por isso avance o cotovelo ou tua "baqueta" tocará o fio em 75 graus, inclinada em relação ao arame e sem receber TODA A FORÇA do seu toque. As "VIRADAS" você aprenderá depois ! Um conselho: mantenha o rosto meio de lado quando tocar... quem avisa, amigo é !

O caxixi é um problema, passe a usá-lo somente após tocar bem... antigamente eram bem pequenos, pouco maiores que uma carteira de cigarro e se usava no 3º e 4º dedos. Agora vejo gente colocando-o no polegar (?!), até mestres e "abraçando" o caxixi inteiro. Não "sobra dedo" para segurar a vareta, IMENSA ela também, outra sandice. Bom-senso e caldo de galinha não fazem mal a ninguém... a regra secular era de "1 PALMO E 4 DEDOS" de cada tocador. Se o TAMANHO dela ajudasse a TOCAR MELHOR eu até entenderia !

Fotos de Roda são extremamente reveladoras: "apontam" quem está no ritmo, quem faz "as viradas" ou toque diverso e quem está "tapando buraco" porque nem sabe de que lado se coloca a cabaça no "pau" (epa!). Vareta longa vai "escapando" dos 2 dedos (a maioria usa 3 mas os caxixis atuais impedem isso), é a Lei da Física. Perde-se em força de toque ao usar o "segundo terço" (quase meio) da vareta, outro prejuízo ! O nó do barbante da cabaça fica "para dentro" e isso nos dá para manejo só uns 2 cm do barbante que encosta no arame. A cada semana mudamos milímetros da posição dele para evitar o desgaste do barbante que fica sempre "na mesma posição", no vértice (?!) do fio de algodão com o arame.

Mestres antigos mantinham o nó "para fora" -- sem a "gravatinha", por favor -- e podiam movimentar o barbante pelos 6 cm dele, 3 de cada lado da cabaça, fazendo-o durar 1 ANO inteiro. Mas, chega de "DICAS"... "se conselho fosse bom não se dava, SE VENDIA", já dizia o povão !

"NATO" AZEVEDO (em 6/abril 2021, 5hs)