PARTIDA DE XADREZ
Ponderei muito, pensei sobre meu oponente jogando com as pretas, todas as possibilidades iniciais à minha disposição. Se aceitaria a abertura clássica ou alguma outra não muito comum, com implicações nunca muito bem estabelecidas. E enfim decidi qual seria meu movimento inicial: acabei me decidindo pela abertura clássica, o peão do rei avançando duas casas tentando garantir, já na primeira jogada, controle sobre as casas centrais do tabuleiro. A clássica abertura siciliana, conhecida por qualquer novato no jogo! Meu opositor respondeu com um movimento totalmente inesperado, avançando em duas casas o peão da coluna do bispo de sua dama, cujo objetivo me fugia completamente... Tratava-se da Defesa Siciliana, mas só vim a saber disso mais tarde, depois do jogo concluído, revendo a partida.
Respondi com o bispo da coluna do rei tentando atacar o rei adversário, se dirigindo até a casa B5. Não atacando diretamente, óbvio, mas ao menos travando o peão da rainha de meu adversário, impossibilitando-o de se mover porque, caso contrário, exporia seu rei. Obviamente esperava o peão da torre avançando uma casa e me fazendo recuar, movimento previsível! Mas não foi assim que meu adversário respondeu... Ele jogou seu cavalo da rainha para a coluna do bispo, certamente tentando anular a fixação do peão da rainha que tentei forçar.
Meu bispo não estava ameaçado, mas ainda assim recuei ele uma casa na diagonal em direção ao meu rei, tentando talvez dar um xeque-mate óbvio, mas que ele pode não ter percebido, atacando a frágil casa f7 do tabuleiro. Atualmente poderia haver uma fuga do rei para d8, se ele fosse obrigado a mover sua dama para abrir espaço, mas não custava tentar...
Meu adversário respondeu avançando em uma casa o peão da coluna da dama. Movimento estranho, de valor discutível. Provavelmente, foi o que pensei depois, ele tentava uma saída para o xeque que eu planejava, e que ele previa, da minha dama em f7 protegida pelo bispo de c4, dando alternativas de movimento ao rei em d7 ao invés de d8, talvez um desafio direto a mim, mostrando que não estava assim tão sujeito às minhas previsões sobre o que ele faria em seguida! Caso contrário, estaria limitado e forçado a aceitar um fim precoce do jogo.
... falta algo aqui... ninguém notou???
Avancei minha dama sem medo, sem nenhum ataque, para a casa f7 do tabuleiro! Nenhuma peça capaz de atacá-la, exceto o rei. Porém este não podia fazê-lo, pois ela estava protegida pelo bispo em c4! Sua única saída era fugir para d8 ou d7. Para onde? Provavelmente era a decisão que decidiria o jogo! Ele fugiu diagonalmente, para d7!
Meu bispo avançou confiante até e6, lhe colocando em outro xeque, amparado pela dama em f7! O ataque não podia ser bloqueado por nenhuma peça, o atacante não podia ser anulado... a única saída do rei era fugir, para d8 ou c7. C7 foi a escolha de meu adversário!
Recuei meu bispo para d5. Nenhum ganho nesta jogada. Era mesmo o que esperava, só atrasava um movimento esperando o próximo movimento de meu adversário. Ele respondeu com o cavalo do rei ameaçando simultaneamente meu bispo e meu peão, ou seja, provavelmente um deles ele eliminaria do jogo na próxima jogada. Cabia a mim decidir qual seria...
Avancei em uma casa meu peão da rainha, até agora intocado. Movimento estranho, né? Sim, era isto mesmo que queria que meu adversário pensasse! Lógico que havia percebido seu cavalo ameaçando meu bispo, mas queria fazê-lo acreditar que estava distraído e não havia percebido isto. Bom, ele não tomou meu bispo no próximo movimento, mas avançou o outro cavalo para b4, num movimento totalmente estranho... Será que tentava tomar minha torre em dois movimentos, movendo-o depois para c2? Eu já havia previsto isto, mas deixei rolar.
Movi meu cavalo da dama para a3, ao mesmo tempo abrindo espaço para minha torre e, nem precisando fazer isto, pois defendia a casa c2 que acreditava ser a intenção de meu adversário no próximo movimento. Ele respondeu capturando meu bispo das casas brancas com o outro cavalo. Qual objetivo? Seria simplesmente vingança? Percebendo que este cavalo estava numa casa segura, não atacada por ninguém, o ataquei com minha dama! Devo o ter surpreendido, pois poderia com menor risco capturá-lo com o peão. Mas decidi mostrar que estou disposto a arriscar tudo, mostrar que não estava para brincadeira!
Ele capturou minha dama com o outro cavalo. Deve ter se sentido o máximo, achando que não havia previsto isso. E, na verdade... não havia mesmo! Ele viu uma falha minha que normalmente me teria custado o jogo! Foi inesperado, devia ter capturado com o peão! Mas avaliei o tabuleiro e achei que meu jogo ainda estava muito bom, não iria desistir dele por causa disto!
Fiz o movimento óbvio, e capturei seu cavalo com meu peão, de e4 para d5! Apesar de impossibilitado de avançar, estava numa casa segura, que não era atacada por ninguém! Isto deveria ter algum valor, e pretendia me aproveitar disto! Ao menos protegia duas casas, c6 e e6!
Meu opositor avançou uma casa de seu peão da coluna do rei, provavelmente prevendo o perigo que meu peão na coluna da dama representava. Respondi movendo meu cavalo da torre para c4, ameaçando sua dama, oferecendo assim na verdade uma escolha óbvia: proteger sua dama movendo-a para outra casa ou insistir em capturar meu peão em d5. Inteligentemente ele avançou a dama para b3, ao mesmo tempo fugindo do ataque e passando a atacar a peça que a atacava no movimento anterior. Insisti atacando com meu peão para e6, uma diagonal protegida pelo bispo da rainha do meu adversário mas... eu queria ver o quanto ele estava disposto a arriscar!
Ele não capturou meu peão logo de cara, mas impediu seu avanço colocando o outro bispo à sua frente, obstruindo-o na coluna do rei. O próximo passo parecia ser obviamente sua captura, mas... ele não teria percebido que isto me permitia fugir com meu cavalo de c4 de forma bem perigosa? Não sei se percebeu, ou preferiu não arriscar vendo que ele estava protegido pelo peão de d3. De forma que tentei forçar uma decisão ameaçando sua dama movendo em duas casas o peão da coluna de minha torre da rainha. Protegido pela torre, ele poderia tentar uma troca de peças (bem desvantajosa, a propósito) ou tentar fugir. E ele não fugiu, mas moveu seu bispo na diagonal da e6 para... ameaçar meu cavalo? Movimento bem estranho mesmo este...
Bem, capturei sua dama com meu peão em a4 (será que ele tinha alguma dúvida de que o faria se ele desse esta oportunidade?), com o qual ele respondeu movendo a torre da rainha para a coluna D. Algo que, a propósito, considerei realmente inócuo, interferindo em quase nada com o jogo atual. Avancei meu bispo da dama, até então intocado, para a casa f4, imobilizando assim o peão adversário em d6, incapacitado de avançar sem expor seu rei. Meu adversário reagiu avançando sua torre do rei para a coluna F, ameaçando meu bispo. Avancei para e5, provavelmente me distraí e não percebi que ele seria facilmente capturado pelo peão de d6. Essas coisas costumam acontecer nos jogos reais, muitas partidas de xadrez são vencidas por distrações banais dos jogadores...
Meu adversário percebeu logo minha besteira, e capturou meu bispo, uma peça super importante do jogo, com um reles peão se movendo de d6 para e5. Acontece, cometemos besteiras ao longo de uma partida. Embora isto não compensasse em nada a perda de meu bispo em valor material das peças, capturei seu peão com meu cavalo se movendo para e5, ao perceber ser esta uma casa segura não atacada por nenhuma peça adversária.
Meu opositor tentou tirar meu cavalo da casa recém ocupada, movendo seu peão das casas pretas para f6. Eu, não querendo perder meu cavalo, retornei ele para a casa c4, na qual ele estava no movimento anterior. Outra distração imperdoável de minha parte. Esperava que meu adversário o capturasse com seu outro bispo, das diagonais brancas, que estava em e6. Mas, diferente disso, ele moveu em uma casa seu peão da torre da dama. Capturei-o com meu peão que estava na coluna do cavalo da dama, movimento que ele respondeu com uma captura de seu peão em coluna correspondente. Respondi avançando minha torre nesta coluna, capturando seu peão ao perceber que me colocava numa casa segura desta coluna. A resposta dele foi avançar seu rei para a coluna B, do cavalo da dama, tentando ameaçar a minha torre. Não sei se ele previa isto, mas desloquei minha torre para a direita, na coluna do cavalo da dama, que sabia estar protegida pelo cavalo em c4. Ele fugiu deslocando seu rei para c7. Será que percebeu que ainda assim não ameaçava minha torre, ainda protegida pelo cavalo? Impossível saber ao certo o que se passa na cabeça de nossos adversários, podemos apenas imaginar...
Avancei meu cavalo do rei para a coluna F. Aparentemente sem efeito nenhum, mas me senti seguro para nesta situação abrir espaço para fazer um roque, tentando proteger mais meu rei ao ver que os peões na metade direita do tabuleiro ainda estavam intactos em suas linhas originais. E depois de meu opositor simplesmente recuar seu bispo ameaçado, que estava sem proteção alguma, achei que era o momento certo de fazer meu roque, e o fiz...
Meu adversário, talvez por já estar com pouco tempo de jogo, acordado em 10 minutos totais para cada um, jogou aparentemente de forma desesperada seu bispo de d7 para b5. Com objetivo que fui incapaz de entender... Obviamente o capturei com minha torre na coluna b6, percebendo que continuaria segura ao me mover para a linha 5 do tabuleiro. Meu opositor desceu seu rei da coluna C para a linha 6. Tentando ameaçar minha torre, forçando-a a se mover na próxima jogada? Provavelmente sim! Boa jogada, me forçou um movimento. O que ele talvez (será) não previa era eu avançar a torre para a linha 6, dando-lhe xeque, sabendo estar protegido pelo cavalo em c4, como antes. Haviam outras opções, mas ele resolveu recuar o rei para c7. Ameaçando, mas na verdade sem ameaçar a torre, pois o cavalo a protegia...
Comecei a me cansar daquela enrolação toda, e assim que percebi a oportunidade movi minha torre da primeira linha da coluna F, atingida via roque anterior, para a coluna A, tentando um ataque combinado de peças. Pretendia acabar logo com aquele jogo. Meu opositor moveu o bispo das casas pretas, que lhe restava no jogo, de f6 para g5. Movimento aparentemente sem função alguma. Provavelmente ele já pressentia sua derrota e só tentava atrasar, ganhar tempo, atrasar minha vitória certa. Talvez tentar um empate ou vitória por tempo, como saber?
Continuei com o planejado, movendo a torre de a1 para a7, colocando meu opositor em xeque. Ele escapou movendo seu rei para a coluna 8. Movi meu segundo cavalo, de e3 para g5. Sem nenhum planejamento a mais, só tentando ganhar tempo para o movimento final. Meu opositor reagiu movendo o peão da torre do rei para h6, ameaçando meu cavalo recém movido. Fingi me preocupar com ele, e o movi para e6 ameaçando as duas torres que restavam para meu adversário. Ele precisava escolher qual mover, qual salvar, ou mover outra peça e deixar esta decisão para mim. Ele moveu para a linha 7 a torre da coluna D, me deixando de bandeja a torre de f8 para ser capturada por meu cavalo.
Mas eu não queria esta torre. Tinha uma ideia muito melhor...
Movendo minha torre de d7 para d8, coloquei seu rei em xeque-mate. Nenhuma possibilidade de escapar! Nenhum meio de capturar a peça ofensiva! Nenhuma forma de se colocar no meio do caminho para interromper a ofensiva...
Fim de jogo! XEQUE MATE!!!
DAVID MACHADO SANTOS FILHO