"BIRIBA" ? BIRIBA É... PAU !
"BIRIBA" ? BIRIBA É... PAU !
"Tomei a "bênça" à mamãe, / despedi
de mestre Bimba... / quando estava
em alto mar / dei por falta do "biriba" !
ZÉ MARIA (trecho do LP de 1972, da
SOM LIVRE, RJ, "Parangolé")
"Biriba" foi um nome que o Brasil inteiro conheceu nos anos 60, o jovem paulista(no) de 15-16 anos era exímio jogador de "pingpong", tênis de mesa para os esnobes. Quase toda casa tinha uma mesa verde, algumas também bilharito (sinuca) ou o "pebolim", aquele troço com jogadores de plástico "espetados" em cabos de ferro e "traves" em cada lado. Mas pingpong era febre em todos os cantos, enquanto Maria Ester Bueno vencia no tênis "de grama", chatíssimo, que a garotada só assistia para ver as pernonas (e a calcinha) da atleta que elevou o nome do Brasil em tod a Europa.
No Rio dos anos 70, entre os "capoeiras" reinou outro "biriba", o berimbau de Salvador, "disputado a tapa", com os coloridos -- dizem que produzidos por mestre Waldemar -- sendo os mais famosos e mais procurados. Quem o pintava em casa copiava o estilo do mestre baiano. Todo o que vinha de lá conseguia ótimos preços pela "vara", a vêrga ou BIRIBA, como era chamado só o pau liso. Ainda que fosse pequeno -- menos de 1,50 ou até 1,60 cm convencionais -- o berimbau de "pau de goiabeira" é... MITO ! A tal árvore nunca se prestou pra isso, tem galhos cheios de "torturas" e nó pra tudo o que é lado ! O fato é que não se sabe até hoje qual é a árvore ideal -- caso a tal BIRIBA não exista -- para se construir um bom berimbau. Só sei que pau muito fino, "magro", não presta, a não ser para berimbau infantil, afinal fazer um iniciante aprender com berimbau normal é tortura desnecessária e falta de visão, enquanto professor. O dedo "mindinho" dói horrivelmente, alguns berimbaus podem pesar meio quilo, muitos alunos desistem.
Era mais comum o uso de moedas grandes para se tocar berimbau: a "pataca", de 40 ou 20 réis, por vezes com buraco no centro (de 1820) ou o "dobrão", creio eu que de 200 réis, comprados em filatelistas, colecionadores de selos. Alguns poucos tocavam com pedra, seixo de rio no formato de disco-voador, mas era incômodo e não fazia o som do "TIM" direito !
Uma cabaça grande é outro empecilho, nova dificuldade. É claro que o mestre não deve incentivar seu aluno a fazer uma "coisa" com tubo de PVC e "cabaça" (?!) de garrafa de água sanitária... não estou delirando, um garoto de 12-13 anos subiu no ônibus em que eu estava em 1990, na avenida Almte Barroso e me deu um sonoro "SALVE" à la Hitler, mão estendida, "moda" na época aqui em Belém que, espero, tenha findado. Só não me escondi debaixo da cadeira porque não tinha espaço. A cabaça é grande problema... não se pode "fugir" das pequenas, necessárias por tradição à Angola -- para os repiques -- mas para as médias e grandes sempre preferi as ovais, "oblongas", que dão mais éco ("wa wa") do que as redondas comuns. Se falava sempre em 3 berimbaus, o "viola", o médio e o "gunga", este com cabaça maior, sendo o tal GUNGA corruptela (redução) do nome original africano. Diz meu irmão que "berra-boi" teria sido invenção de Nestor Capoeira, a partir de um dos seus livros.
Em Belém trocaram a planta rasteira tradicional por "cabaças" que dão em árvore, a CUEIRA, porém em termos DE SOM não é a mesma coisa. Ademais, poucos sabem quando ela está seca... em muitos casos, ao abrí-la já apodreceu. A distância entre os 2 buracos, no fundo da cabaça, por regra é de "2 dedos" de qualquer pessoa. Eu discordo... é preciso conhecer a circunferência do pau e só fazer os buracos a partir disso, senão a cabaça "fica dançando" ao tocar, se tal espaço fôr grande demais. Pra tirar o "umbigo interno" antigamente usava-se a ponta de uma faca. Sem muito cuidado nisso, se enfraquecia o fundo e, ao acrescentar os 2 buracos, ficava comprometida a resistência da cabaça inteira. Na limpeza inicial ela era "raspada" com colher -- de bordas afiadas no cimento -- e uma lixa fina fechava o serviço. Nem todos gostavam de pintar a cabaça, argumentavam que ela perdia um pouco do som. (*1) Aí vem uma coisa curiosa que, creio eu, poucos faziam: para a vareta ou "baqueta" passavam as costas de uma vela, a fim de evitar o suor da mão, que "apodrecia" a madeira da vareta. Usava-se caco de vidro (e não faca) para alisá-la ! Já para a cabaça -- pelo mesmo motivo -- empregavam sebo de boi, não a gordura mole e amarela, gelatinosa, mas a branca e dura, sem cheiro.
Não estou inventando nada, EU VI... "Rubinho Tabajaras" -- que me ensinou quase tudo o que sei deste assunto -- "parafinava" também o barbante da cabaça, dobrado em 2 e "trançado", para reforçar. "Rubinho" deixou gravados em minha casa 8 ou 10 toques -- sabia bem mais, aluno ainda -- e, com meus parcos conhecimentos de Canto Coral, adaptei a partitura para... BERIMBAU ! É extremamente simples e deveria estar na parede de todos os Grupos, Brasil a fora.
Faça uma "cerca" de 3 "fios" e 5 "postes", divisões, numa folha de papel liso. A linha de cima representa o "TISCHT", bola branca com listra preta na borda superior. O "fio" central é o "TIM" ou DIM, bola toda preta, faltando pequena parte "na cabeça" e, por fim, bola toda branca para o "DOM", na linha de baixo. Na "Angola", metida a besta, usa-se ainda um "pontinho" ao lado das bolas do meio e de baixo... significa extensão da "nota", meio tom a mais, o "vibrato" ou éco ! O São Bento Grande usa as 4 partes/divisões da "cerca" -- Angola e SBPq só 3 partes e, na linha de cima, serão sempre 2 "NOTAS" ou bolas no mesmo espaço. Para os ritmos mais complicados não tem MANUAL melhor que esse ! Se aprende bem mais rápido as "viradas" ou qualquer " toque novo" (?!), bastando "decifrá-lo" nessa tabela.
Quanto ao "beriba" ou "biriba", o arame de pneu de bicicleta já está consagrado e em "time que está ganhando" não se mexe ! Mestre "Camisa" nos anos 70, usava fio de pneu de carro, "um trabalhão da porra"... tinha gente que ganhava dinheiro vendendo os "rolinhos" já prontos. Alguns mestres penduravam o rolinho na "ponta" do seu berimbau, porque o maldito arame só arrebenta em dia de evento. Jamais vi foto de Roda mostrando esse costume antigo ! "Dica" de quem entende: toque com o rosto levemente virado, pois a ponta do arame quebrado vem direto no seu olho e o melhor som -- aprendi com mestre "Peixinho" -- se tem com a cabaça no peito, posição incômoda, e não na barriga. A vareta bate mais perto do barbante... eleve o ombro do berimbau e "desça" o oposto ! AXÉ, camarada !
"NATO" AZEVEDO (em 24/dez. 2020, 21hs)
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OBS: (*1) - com o passar do tempo o verniz quebrava todo, a cabaça ficava parecendo um "mapa", "craquelava", no falar da época. Creio que se passava querosene (não havia Thinner ainda, eu acho) e tornavam a pintá-la. Alguns empregavam pigmento vermelho junto com o verniz-laca dando à cabaça um tom vivo, muito atraente. Curiosamente, a tinta dos berimbaus baianos não rachava, mantinha-se perfeita por vários anos. Ah, NINGUÉM emprestava berimbau, cada um tinha o seu ! Para o arame não cortar o "beriba", rachando-o no alto, era usada uma rodela de couro dos cintos da época... os atuais, de courvin ou material plástico, não servem ! Há boas chances de os "berimbaus de mestre Waldemar" terem sido feitos no Rio mesmo, tal a quantidade deles em feiras, lojas de artesanato e em praças.