...NÃO É KARATÊ E NEM KUNGFU !

...NÃO É KARATÊ E NEM KUNGFU !

Eh, eh, tum, tum, tum...

olha a pisada de Lampião !

*******

O facão bateu embaixo

e a bananeira caiu !

(2 exemplos de "corrido")

Minha mãe, quando me teve, foi perguntar pra parteira:

-- "O que é que meu filho vai ser" ?!

-- "Êle vai ser é... "capoeira" !

Não, caro leitor, estimada leitora, não se trata de nenhum conto ou "causo" do interior, isto é música de Capoeira, de uma Capoeira antiga na qual os cantos -- ladainhas, "corridos", chulas -- descreviam fatos da vida do mestre, eventos acontecidos num distante Passado, sonhos, amores, anseios, dores, vitórias e sucessos. Hoje está bastante mudado e o tom folclórico que era a base (ou a alma) de cada disco desapareceu, quase não se encontra nas produções atuais. Vez ou outra "tropeça-se" num curioso trabalho como o de Rafael de Lemba, não por acaso discípulo do tradicional angoleiro mestre Ananias.

Ouvi dizer que, nas Rodas modernas, há até "animadores", um sujeito qualquer a gesticular e "incentivar" (?!) o canto, pedindo salva de palmas à platéia se pessoa de seu agrado vai jogar. Não quero presenciar mais essa "novidade" na Capoeira... isso me parece um pesadelo, custo a crer em tal sandice ! Um vídeo recente da Capoeira praticada em Belém em 1989/90 nos traz costume local que a gente tentou modificar, sem nenhum sucesso. Nas Rodas livres costumava-se "cortar o jogo" -- "comprar", no jargão oficial -- sem critério algum. Um "audacioso" qualquer jogava vezes seguidas, desprezando a dupla ao pé do berimbau, quase sempre aguardando por dez minutos ou mais. Por tradição, "na compra" tira-se o de menor expressão ou importância, jamais um graduado ou mestre. Nas Rodas na Praça da República, público lotando todos os espaços, via-se nos anos 80/90 gaiatos iniciantes tirando "corda azul" ou até contramestre... para jogar com o amiguinho. Ora, faça-me o favor ! E a "charanga" sustentando canto & som para esse abestado !

Ainda que ao longo do tempo se perca muito do Passado, as regras básicas não podem ser esquecidas: a preferência do jogo é para quem está no pé dos berimbaus. Quem quiser jogar com o que está na Roda no momento, que aguarde o fim daquele jogo para convidá-lo, indo ambos "engordar" a fila. Esse "compra-compra" é um desrespeito a tal FUNDAMENTO, se é que a Capoeira tem fundamentos ! Karatê, KungFu e Judô os têm, baseados em antiquíssimas Filosofias budistas. O Taekwondo é coreano, não sei se comunga das mesmas fontes.

Mas, voltemos à Capoeira... as palmas quase sumiram, até dos CDs, que se dirá das Rodas ! No "batizado" de mestre "Beto" -- que recusa o termo -- no longínquo 1989 jã não havia atabaque, outra "novidade" indigesta, agora por "capoeiras" antes católicos e que passaram para seitas evangélicas. Gente, é de Jesus -- segundo meu irmão, que só lê a Bíblia para contestá-la -- o conselho para "orar ao Pai num cantinho de sua casa, sem reza comprida nem repetição de palavras"... não se precisa de templos ou igrejas para isso ! O Deus dos católicos e evangélicos é o mesmo, daí eu não conseguir entender a razão de tal mudança.

Como reciclador acho nos lixos todo tipo de "bugigangas", inventadas por seitas para serem vendidas aos fiéis: óleos e águas santas, (?!) cruzinhas, espadas, "cofrinhos", "algemas", sacolinhas, de tudo um pouco ! Qual é a diferença entre imagem e esses "brindes abençoados" ?! Qual é a diferença entre a água benta das igrejas e o copo d'água (em sua casa) "santificado" pela oração do pastor VIA TV ?! Fico por aqui...

"A César o que é de César", também disse Jesus ! Em livro de 1986, "A Mensagem Oculta do Rock", da CPAD - Assembléia de Deus "demonizava-se" tanto as guitarras quanto o atabaque dos terreiros (e da Capoeira), pois este "abria as portas do Inferno" para os espíritos malignos. Hoje o que mais se vê nos templos é Banda de Rock, para ensurdecer Deus, eu acho... até os católicos aderiram ! É o tempo dos "falsos Cristos" chegando, porém que se deixe a Capoeira longe desses conceitos tolos, quem TEM RELIGIÃO é o praticante, não a nossa Arte-Luta !

Voltando à seara da MÚSICA, os futuros CDs precisam resgatar o espírito folclórico que norteou e sustentou a prática nesses 3 séculos, É preciso evitar letras esdrúxulas, vazias de conteúdo (as "fruta cá / fruta lá" e os "ninhos de cobra", entre vários outros "espantos"), fazendo renascer as descrições voltadas à Natureza, à vida do povo, às coisas e fatos expressivos de cada época ou lugar.

"Já me disseram que, na outra encarnação, fui um homem muito rico, que tinha muitas fazendas e imensos canaviais... e que eu era um bom patrão" !

"A jibóia é cobra mansa, mas come a jararaca, Jararaca tem veneno; corre, ataca e mata ! A gente tem muito medo do veneno da serpente ! CAPOEIRA é a jibóia... "jararaca" é muita gente" !

É ISSO... parecem conto, crônica do dia-a-dia, contudo estes 2 fragmentos de textos são, na verdade, MÚSICAS de Capoeira, a primeira dizem que do centenário mestre "Leopoldina", se vivo fôr, e a seguinte conheci no mesmo 1989 em Belém através de dona Glória Araújo, mãe da jovem praticante "Cigana", lá de Fortaleza, queira Deus que mestra hoje, engrandecendo nossa Luta-Dança.

"Não boto "lenha no fogo", nem falo da vida alheia... na Roda, se faço um jogo, "martelo" não me aperreia ! (...) Meu coração, minha gente, é terra que ninguém passeia"! (NA - trechos) Se você não produzir algo assim, NEM GRAVE ! De "porcarias" já nos bastam as do funk, do rap, house, sofrência e etc ! Não coloquem a CAPOEIRA nessa pavorosa "lista", por favor !

"NATO" AZEVEDO (em 20/dez. 2020, 18hs)

OBS: nas fotos, o famoso mestre baiano "LUA RASTA", em registro recente em Salvador e com o folclórico "BEBETO" MONSUETO na Feira de São Cristóvão, no Rio, foto de ANÍBAL PILLOT para o jornal O GLOBO, em 11/nov. de 1979.