TEMOS UMA... "NOVA ANGOLA" ?!

TEMOS UMA... "NOVA ANGOLA" ?!

"Pastinha já foi à África / pra

mostrar a Capoeira DO BRASIL".

(trecho de ladainha - 1969/70)

"CAPOEIRA veio aqui, / do Quilombo

de Zumbi... / COMO ANGOLA ela

chegou / e, aqui, luta virou"!

(me. SUASSUNA - trecho de chula)

Se você -- caro leitor, ilustre leitora -- imaginou que entendo deste "jogo que luta virou", pode parar por aqui... pratiquei por ano e meio se tanto, durante os anos 70, a Capoeira ensinada no país inteiro. E pouco aprendi ! Esses "rabiscos" são a visão (ou conclusão) do que venho presenciando no que chamam de ANGOLA, desde aquela época. E sou obrigado a constatar uma "evolução" que o antigo discurso da Angola evitava, quando não repudiava. Ensinada em locais discretos, "fechados", sem faixas de propaganda, pretendia preservar os ensinamentos dos antigos, dos velhos mestres centenários. Ela teria até exigências das quais não abria mão: roupa completa e calçado, 3 berimbaus distintos, atabaque e pandeiro, "rezaria a tradição".

Para escrever esses "palpites" me vi obrigado a rever filmes muito antigos, dos anos 50/60, que essa maravilha chamada YOUTUBE nos traz do Passado. O fotógrafo Pierre Verger "desmente" a rigidez de tais conceitos, que talvez valessem só para a prática em salas, "Academias" na época, adiante Grupos e, a partir dos anos 80, Associação, termo talvez criado via Federações e que detesto, inexplicável até, pois não há sócios, embora se pague mensalidade. O genial Carybé fez registros magistrais daquela Angola antiga, todos jogando nas docas, sem camisa nem calçado. Nos belos livros "Perfil do Mestre" e/ou "ATENILO - o Relâmpago da Capoeira" -- creio que ambos de mestre Itapoan -- há relatos da época de que tal exigência era "coisa de veneta", expressão para algo que dependia da vontade de alguém, naquele momento.

Ainda na Capoeira entre 1972 e 77 no Rio, vi poucos jogos de Angola -- falo da Antiga, vista como tradicional -- jogada "só embaixo, no chão", raramente "em cima". Mestre "Lua" -- e um certo Eugênio, bom angoleiro -- deram aulas no Morro onde nasci... nada de firulas, "enfeites", "riscos no espaço". Vi jogar Mestre Leopoldina, vez ou outra, Nestor Capoeira também... somente Angola ! Nestor surpreendeu a todos trazendo pras Rodas na ACADEMIA de "Peixinho", no GRUPO Senzala, um certo "sapinho", embutido no "Passo a Dois". Julguei todo esse tempo que teria sido "invenção" dele ! Não era... está registrado nos filmes "Vadiação" ou "Dança de Guerra" ou em outros da mesma época. Explico: o "sapinho" é a cocorinha feita a dois, mãos dadas, que saem pulando Roda a fora.

Mas, afinal, quando começou "essa chuva" de Passo a Dois" nas Rodas e, pior, essa "riscação de pontos" no chão ? Impossível saber, só que agora virou regra ! Segundo meu irmão, que "rodou" boa parte da Zona Norte carioca e conheceu mestres angoleiros dela, nos anos 70, o conceito de "puxar o Passo a Dois" cabia "a quem estava perdendo, no jogo". Logo, como nenhum deles admitiria essa condição, praticamente não havia "Passo a Dois"... aliás, era inadmissível aluno, mesmo graduado, puxando ou aceitando, esse privilégio era só entre mestres. A nossa Entidade-mor (em 1993 ?) resolveu "bagunçar", criando TORNEIOS de "Passo a Dois".

E quantas formas dessa "diversão" temos nós ?! Sem o "sapinho" ridículo, restariam 3, talvez 4... em filmagem recente aqui em Belém (4/out. 2020) assisti estarrecido a um "aluguel" do "Passo a 2", onde um sujeito sentado no círculo, salta de lá para substituir ("comprar o jogo", entre nós) o detrás. Tenham a santa paciência, isso já foi longe demais !

Que "Capoeira é LIBERDADE" todos nós sabemos mas, sendo folclore, cada "invenção" surgida a afasta sempre mais de suas raízes. Ter 4, 5, 6 berimbaus é comum, Capoeira SEM ATABAQUE virou norma, se o instrutor ou mestre é evangélico... pois que SAIA DELA, antes de moldá-la às suas preferências pessoais. Já há mestres cobrando orações antes dos treinos. Religião se pratica em casa, nos templos e igrejas, querer IMPOR a sua -- seja qual fôr -- vai contra a LIBERDADE pela qual os "capoeiras" antigos sempre lutaram.

De onde veio a Angola ? De onde vêm seus movimentos ? Alguém poderá dizer, com certeza ? Mestre Pastinha ADMITE que havia outra, a sua era... DO BRASIL ! Alguém fala em Judô "do Japão", em KungFu "da China" ? Mestre Suassuna reforça a tese de uma Capoeira africana... como Angola ELA CHEGOU e virou luta ! Todos esses "enfeites" da Angola-luta -- até o "dançar", gingar no caso -- não teriam sido introduzidos para ILUDIR o feitor, o barão, o fazendeiro ?! Onde se vê o "Passo a Dois" anualmente ? No "túnel" das quadrilhas juninas (o "trenzinho"), na Congada mineira com espadas e na "waltz" vienense, onde tudo começou. Meu irmão quer movimentos / golpes da Angola "copiados" da dança cossaca (a negativa, armada solta, pião, etc), porém isso é relativo, homens são iguais em toda parte e criariam coisas iguais. O maculelê "de Santo Amaro" está na Índia há milênios (com vários nomes, conforme a região), feito com paus, espadas e... mulheres.

Nos sobram os "pontos riscados", essa derradeira "descoberta" da Angola suponho que moderna. Sabemos que boa parte dos mestres professava o Candomblé, perseguido na época, quando o Brasil inteiro era católico e a Capoeira "pra matar", usando até navalhas. Logo o "ponto riscado" -- chamando para si a proteção do seu "Caboclo" ou Divindade, "orixá" -- faria muito sentido, isso feito de forma discreta. Nos filmes citados muito raramente se vê, possivelmente os mestres quiseram preservar "das vistas alheias" sua crença. Os gestos "convidavam a Entidade a descer no terreiro" onde se fazia a oferenda, o "ebó", segundo a obra "600 Pontos Riscados do Candomblé e Umbanda". Tais ritos, antes religiosos (ou sagrados) viraram "brinquedo".

Da "Regional de Bimba" -- vertente da Capoeira-mãe, queira-se ou não, esta vinda através do africano Benedito e do capitão "Bentinho" -- aos nossos dias, temos 3 ou 4 "Angolas", com estilos e características próprias, por vezes marcial, estilizada ao máximo, em alguns lugares tentando manter suas raízes e, em muitos outros locais, verdadeira "palhaçada" em que "vale tudo". Onde isso vai parar ?!

É de Pastinha o depoimento definitivo: -- "Ninguém joga como eu jogo... cada um é cada um" ! Como diz a Filosofia que "toda afirmação traz em si uma negação", fica a dúvida se isso era lamento ou crítica, ou se êle estaria APROVANDO as "mudanças" todas em sua amada Angola. Contudo, como define Nestor, "Capoeira é o jogo na Roda", portanto é isso que deve ser apreciado, analisado, aprovado ou DEBATIDO. Foi exatamente o que fiz !

"NATO" AZEVEDO (em 2/nov. 2020, 6hs)