A "OUTRA HISTÓRIA"... DA ANGOLA

A "OUTRA HISTÓRIA"... DA ANGOLA

"Para que chorar o que passou /

e lamentar perdidas ilusões, /

se o ideal que sempre nos acalentou /

renascerá em outros corações ?!

"LUZES DA RIBALTA (trecho),

de Francisco Petrônio (?)

O que me move ao escrever esta "crônica" não é diminuir a Capoeira que se praticava em Belém no início dos anos 90, porque ela era praticamente igual ao que se fazia em todo o Brasil, exceto partes do Rio e SP e, claro, Bahia, essa um caso à parte. Com que base posso fazer tais afirmações ?, questionará o leitor. Graças à senhora Fátima Colombiano -- mestra "Cigana" -- que nos enviou entre 1989 e 92 várias fitas VHS da Capoeira baiana na academia de mestre Canjiquinha e em "Rodas fechadas" do GCAP, entendendo-se que aquela prática era a CAPOEIRA ANGOLA na sua expressão original.

Mestre Valdenor -- representando a melhor (ou maior) Federação que a Capoeira possuía na época -- também nos enviava muita coisa e, creio eu, mestre César, atuando numa Universidade de lá (SP), que nos punha a par sobre a parte musical dela, a Capoeira, bem antes dos CDs e DVDs. Também os jovens mestres "MACAÔ" e "Alvinho Sucuri", ambos de Aracaju, faziam um trabalho gráfico inédito e muito moderno, do qual nos enviavam exemplos, além de poemas e revistinhas literárias dedicadas à dança-luta, fora mestre André Lacê, entre vários outros. Na Belém de 1990 se tocava S. Bento Grande ou Angola nas Rodas e Batizados, raramente S. Bento Pequeno ou Samba de Roda. Como nos demais Estados e Grupos, a Angola jogada era com os mesmos movimentos "da Regional", apenas mais lentos e "no chão" (embaixo), em alguns momentos. Carybé -- nos desenhos -- e Pierre Verger nas fotografias nos mostravam a Angola real, baianíssima, bastante diferente do que se fazia no restante do país.

Foi preciso que mestres baianos "aportassem" nos grandes centros urbanos (Rio, SP, BH, Porto Alegre) para mostrar sua Arte ou, inversamente, que professores fossem a Salvador "aprender Angola". Dentro dessa ótica, um praticante sairia do Maranhão para Salvador em 1968 "para trocar noções de judô por aulas de Angola, com um certo Zé Pequeno", num depoimento dele me dado em março de 1989. Depois, já em Belém, levaria em 1978 4 ou 5 alunos seus para serem "batizados" lá, embora a Angola tradicional não tivesse esse tipo de evento. Pra sorte dele, haviam guardado seu "diploma de angoleiro" todos aqueles anos, acredite quem quiser ! Diante da evidência de que as filmagens NO GCAP (em VHS) em 1990 eram a verdadeira Angola, ouso "chutar" que talvez até mesmo "Bira do Marajó" -- conceituado angoleiro de Belém -- ainda não dominava TODOS OS FUNDAMENTOS dela, embora fosse o melhor aqui na capital... quanto mais alguém que ficara 2 semanas ou 2 meses "aprendendo" !

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Pausa para o cafézinho... modernamente, grandes Grupos como o Senzala, o ABADÁ e Muzenza -- entre tantos outros -- fazem uma Angola com plasticidade que impressiona, esteticamente bela e que tem em mestre CAMISA o precursor, sem nenhuma dúvida. Nos anos 70 mestre "Peixinho" encarnava o "angoleiro" e Camisa representava o "regional", ambos ainda dentro do Grupo SENZALA. Seguiram os passos do na época "Camisinha" (em termos de jogo) Cláudio Moreno, mais o "Mula" e um outro Cláudio, o "Arara", os demais ficaram mais próximos do "estilo Peixinho". Um certo Washington e um "Mudinho" mesclaram o ensino desses 2 gênios incomparáveis da Capoeira NA ZONA SUL carioca.

Essa "Angola marcial" atual pega emprestados diversos movimentos da tradicional, "retoca-os", renova-os até mas... NÃO PARECE ANGOLA (?!), apesar da perfeição e de todo o esforço.

E voltamos à Belém, nesse anos da (des)graça de 2020, onde o contramestre SAM, do Grupo MUZENZA, faz um resgate do Passado da Capoeira local, reproduzindo fitas VHS em DVD e postando as imagens na Internet. Seria interessante mostrar a Capoeira Angola que se fazia na UFPA entre 1994 e 97, a partir do ensino pelos 2 nomes maiores da Capoeira aqui no Pará. Há um BATIZADO -- que a Angola NÃO TEM, segundo dizem -- histórico "mofando" em alguma gaveta e que causaria espanto ainda hoje. Recente "live" se propoz "recuperar" a história da prática da Angola em Belém, mas deixou várias lacunas que tomo a liberdade de preencher, mesmo sabendo as "consequências" desse... resgate da Verdade !

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Por volta de 1990, entre as barracas da Feira de Artesanato da Praça da República havia uma de instrumentos musicais onde rapazes -- suponho que universitários -- tocavam inclusive berimbaus. Ouso afirmar que foi desse "núcleo", no qual pontuava um certo "Marquinhos", que surgiu a idéia de aulas "de Capoeira" num espaço aberto da UFPA, após as aulas noturnas de ginástica de um tal "Borracha", professor de educação física, com supervisão de um Figueiredo. A Capoeira vinha depois, fechando as aulas. Daí para o ensino regular "foi 1 pulo" ! Se convidava qualquer instrutor ou graduado para "animar a rapaziada"... resta saber quando se projetou aprender Angola no local. Suponho que a vinda de mestre "Índio" (com seu contramestre "Carimbó", que ficou em Belém) tenha servido de incentivo, agora com as aulas numa área interna dos prédios, isso por volta de 1992, suponho. Pouco depois assumiriam a iniciativa os 2 nomes maiores da Capoeira em Belém, de 1994 a 97, num certo momento ambos no mesmo local. Mas a UFPA já "os conhecia" desde 1981, quando trocaram chineladas num campeonato (não de Angola, claro !), rusga que virou manchete do jornal "A Província do Pará" salvo engano (ou seria a "Folha do Norte" ?), em novembro daquele ano. A página do vexame "sumiu" da biblioteca do CENTUR, mas talvez conste da hemeroteca da imensa, na UFPA.

Hoje em dia se deixa enganar quem quiser, todas as atividades E ARTES tem imagens no YOUTUBE, onde podemos conferir os mestres e peritos em cada profissão. Faz uns 15 anos que jovem professor contratou famoso "angoleiro" de Belém para um Oficina (workshop, agora) em seu Grupo. Vendo a "qualidade" do tal mestre, o chamou num canto e disse:

-- "O senhor é um enganador" !

Recebeu "de trôco" a resposta exemplar:

-- "Enganador és tu, que não verificas o conhecimento de quem contratas" !

Pouco sei da tradicional Angola, mas entendo que -- não importa a quantidade de "firulas" e trejeitos -- o jogador não perde DE VISTA seu adversário... Folclore na essência, onde o CANTO importa demais, Angola também é LUTA, que seu aspecto DANÇA pode encobrir, "disfarçar", mas não ignorar. Acessei videoclip de "encontro de Angola" recente -- aqui de Belém -- com o nome e a cara do entrevistado em uma "live" sobre a Capoeira local. Imagem vale por mil palavras... em 4 minutos e pouco, a metade é de toque de Angola quase sem "viradas", repiques, pausas, inversão de toque, nada do que é comum numa Roda tradicional. Também soa desanimada, sem vida nem alegria a RESPOSTA ao canto... não vi 1 só pessoa apreciando, embora gravado na praça maior de nossa Capital. No trecho final duas jovens "dançam" feito "mães de santo" e giram tanto que, vez ou outra, perdem a noção da posição da oponente e até do espaço da Roda. (Para exemplo de canto e toque sugiro assistir o clip "Capoeira Music Pratice: profa Minha Velha", no Youtube.)

Na imensa entrevista do sujeito só uma estranheza: um certo "MUNDICO" seria o "capoeira" MAIS ANTIGO (ouvi chamá-lo de mestre ?!) de Belém. De onde saiu isso ? Quem garante tal afirmativa ? Entre 1987 e 92/93 meu irmão (vulgo "CARIOCA") rodou toda Belém, indo até Marituba e Castanhal... nem sinal da figura ! Passamos a vê-lo, com imenso chapelão, a partir de 95/96 aqui no bairro, visitando o "Rei da Angola" que entrava nas Rodas DE PATINS e dava saltos acrobáticos a toda hora, pouco lhe importando o que fazia seu oponente. Por volta de 2008, creio eu, abro um jornal e, em página inteira, nos são apresentados meia dúzia de "mestres angoleiros" -- todos nomes discutíveis -- e o tal "artista" entre êles.

Do que ouvimos na época, Romildo, Sérgio "Zumbi" e "Pica-Pau" (no Jurunas), "Sapo" e um certo Silvério (no Una ?), "China" já como mestre (na Guanabara), Roberto ou "Robertão", mais Walter, Ori e Rui "Pérola Negra (na Cidade Nova), "Marrom" (no Guamá), "Rai" e "Nonato", Marlion e "Brás" (na Terra Firme), "Abíu" e "Canhoto" (no centro), Walcyr (na Sacramenta), "Zeca" da ACANP (no Bengui), "Bira" (no Marajó) e um certo "Péba" (no Marex ou Marambaia)... todos êles eram PRATICANTES ANTIGOS sempre citados, além de mestre "Pantera" e o prof. Beto, em Marituba. O hoje mestre "LAÍCA", presidente da FEPAC, me contou que em 1981 as Rodas na Praça da República eram perseguidas pela Cavalaria da PM. Quanto a esse "Mundico", não vi nem o cheiro, quanto mais a sombra ! Pra mim, MESTRE -- na Capoeira -- É QUEM ENSINOU e fez/teve alunos, o resto é mera "fantasia", pra dizer o mínimo ! Passei por "saia justa" na época... amigo recebeu revista com o título de professor no envelope. Veio à minha casa protestar, era MESTRE. Uns 10 anos depois entraria para um Grupo com sede no Rio e, lá, depois de testes por dias, o passaram "para instrutor" ou coisa parecida.

Quando chegamos em Belém, em 1986/87, o mais falado nome da Capoeira era um certo "PAULO ANGOLA"... quem era ? onde andava ? Ninguém sabia ! Eis que no evento inicial do Centro Cultural (de triste memória) que fundamos em maio/1988 -- meu irmão e eu -- surge o "meteoro", uns 30 anos somente, jovem demais para a fama que tinha. "Arranhou" no berimbau, NÃO JOGOU uma vez sequer e a apresentação foi um fracasso retumbante, um vexame inesquecível. P. Angola sumiu como surgiu, nunca mais o vimos em lugar algum... felizmente o poeta Edinaldo Silva, lá presente, registrou para a posteridade o "fenômeno angoleiro" e também a Roda mais insossa do século passado, porque o grupo de uma Entidade Social (da Doca) -- apalavrado comigo -- não levou nem seu pessoal e muito menos os instrumentos, embora eu tivesse deixado dinheiro para o táxi. Uma Banda nos cedeu sua tumbadora... esse boicote -- a Capoeira era "esporte baiano" e nós "gente de fora" -- sofreríamos diversas outras vezes e em vários locais, nos fazendo ver da pior forma o erro que fôra a criação do CCCP - Centro Cultural de Capoeira do Pará (1988/92).

Mas eu ía falar sobre a "outra História" da Angola... não sou nem doido, é processo por difamação na certa, embora as imagens estejam todas gravadas numa fita VHS de 40 minutos feita em 1997, do "Primeiro Encontro de Angola", com 15 ou 20 mestres, onde até 2 CORDAS (uai, na Angola tem corda ?!) se deu ao mesmo sujeito, mestre "também" da Regional, claro ! Fico por aqui... só isso já me trará um bocado de "dor de cabeça" ! Quem viver, verá !

"NATO" AZEVEDO (em 20/out. 2020)

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ADENDO AO TEXTO ACIMA:

Em menos de meio dia 2 amigos me confirmaram que o tal MUNDICO (e não Mundinho, este irão do "Bira" e na Europa há tempos) é realmente ANTIGO em Belém... resta saber quanto ! Se aprendeu aqui, seu professor (ou mestre) assume o título, porém em minha "defesa" posso afirmar que havia ao menos dois outros com tal honra: um certo mestre "DECENTE" -- que andou por vários Estados -- e o desconhecido "PULA-PULA", embos em Icoaraci, junto com o folclórico "BRINCO DOURADO", o verdadeiro "negro Angola trissecular", sempre alegre, divertido, criativo, com suas "aventuras na ponta da língua". Felizmente foi filmado e entrevistado -- "delírios" à parte... que não eram poucos -- e algum dia poderemos ver suas imagens e "causos" na Internet. "Brinco" nos deixou cedo demais, Deus o queria a seu lado. Dizem que "ferroado por uma arraia", num ferimento mortal. Como foi não importa, tornou-se IMORTAL na lembrança e no coração de quantos o conheceram. Em termos de "praticante antigo", o antigo bairro de Belém, a hoje "Vila Sorriso" ganha de goleada ! FIM DA HISTÓRIA !

"NATO" AZEVEDO (21/out. 2020 - 17hs)