O Épico Fla-Flu de 1995
A estrofe do rap remete a outros tempos do Rio de Janeiro. Uma época em que o funk explodia nas letras bem elaboradas de Claudinho e Buchecha, Cidinho e Doca. E que o futebol vivia um de seus melhores momentos. Afinal, mais do que taça, o Campeonato Carioca também valia informalmente o título de “Rei do Rio” para o craque campeão. Túlio Maravilha e Valdir Bigode ficaram pelo caminho. O favorito era Romário, então melhor do mundo, trazido a peso de ouro para o Flamengo após o tetra. Perdeu para Renato Gaúcho, em uma partida final inesquecível para o Maracanã. A eterna decisão do gol de barriga, ocorrida há exatos 20 anos. E que resultou no rap composto pelos volantes Márcio Costa e Cadu.
O gol anotado por Renato, aos 42 minutos do segundo tempo, é emblemático. Mas representa muito além do momento. Afinal, o Flamengo tinha no papel um time que parecia forte, e vinha embalado para conquistar o Carioca no ano do centenário, com direito também a seu rap comemorativo. Mais do que Romário, a equipe rubro-negra também contava Sávio e o tetracampeão Branco, bem como Vanderlei Luxemburgo vivendo o seu auge no banco de reservas. O cenário para uma partida tão grandiosa, como haveria de ser, era o Maracanã de 120 mil corações pulsantes. E, acima de tudo, os times fizeram por valer as expectativas, com um jogaço muito além da barriga.
Porém, se havia um pesadelo para os rubro-negros, se chamava o Fluminense. Nos três clássicos anteriores por aquele campeonato, os tricolores venceram os rivais por duas vezes, e ainda seguraram um empate por 0 a 0. Precisavam se agarrar no retrospecto para poder comemorar naquela rodada final do octogonal decisivo. Com melhor campanha, o Fla seguiu ao Maraca com a vantagem do empate. E diante de uma equipe modesta do Flu, com salários atrasados e que havia contratado Joel Santana no meio da campanha.
Renato Gaúcho, sobretudo, vivia uma noite especial. O craque do Fluminense já tinha 32 anos nas costas e não atravessava mais o melhor momento da carreira, sem tanto rumo no início dos anos 1990. Mesmo assim, aceitou a proposta do Flu. E, apesar dos grandes títulos pelo Grêmio e pelo próprio Flamengo, protagonizou a cena mais emblemática de toda a sua trajetória ali, para consagrar os tricolores.
A vitória do Fluminense, no entanto, veio depois de muito suor. A equipe das Laranjeiras viveu um primeiro tempo próximo da perfeição, partindo para cima do Flamengo. Renato abriu o placar aos 30 minutos, já no chão, e Leonardo ampliou a partir de um rebote do goleiro Roger. Na saída do intervalo, o título parecia nas mãos de Wellerson, Sorlei, Djair e os outros nomes modestos do Flu, diante de um Fla acuado na defesa. Mas não seria tão fácil assim.
Durante o segundo tempo, o Flamengo jogou os rivais contra a parede. Não só no talento e na experiência de seus jogadores, mas também no grito de sua torcida. Diante de muita pressão, com direito a bola na trave de Branco, Romário conseguiu diminuir só aos 26 minutos. E, no reinício, o clima quente entre os jogadores resultou na expulsão de Sorlei e Marquinhos, um de cada lado. De qualquer forma, o momento não escapou das mãos dos rubro-negros. Aos 32, Fabinho fez uma jogadaça e empatou. O Maracanã entrou em erupção, e o título ia para o Fla.
A partir de então, começou a se desenhar o épico do Fluminense, que ficou com nove, após a expulsão de Lira. O time de Joel Santana não parecia ter gás suficiente para retomar a vantagem, nem mesmo com a entrada de Ézio. Até que, em um lance que parecia fortuito, nasceu o tento histórico. Uma bola vinda do Fla, de Branco para Romário, proporcionou o ataque do Flu. Até que Aílton recebesse na ponta direita, sob a marcação de Charles Guerreiro. O meia entortou o marcador, antes de chutar muito mal. Mas a bola que seguia errante pelo ar ganhou rumo a partir da barriga de Renato Gaúcho. Aos 42 do segundo tempo, os tricolores calavam a festa e o grito de campeão, que já saía da boca dos rubro-negros.
Nos minutos finais, quem passou a se impor foi a torcida tricolor, empurrando o time em um final bastante tenso. O Flu precisava segurar Romário e o desespero do Flamengo. Para isso, teve mais um jogador expulso, Lima, enquanto se entrincheirava em torno da área de Wellerson. Contudo, a façanha já estava escrita. Dez anos depois, o Fluminense voltava a conquistar o Campeonato Carioca. Renato, por fim, se coroava o Rei do Rio e ganhava a idolatria inegável de mais uma torcida.
Ao final daquele ano, o Flamengo ainda trouxe Edmundo para fazer companhia a Romário e Sávio, mas o Rap dos Bad Boys não emplacou como sucesso e o Ataque dos Sonhos viveu um pesadelo no Brasileirão de 1995, terminando na 21ª colocação de 24 participantes. Já o Fluminense estaria do lado ruim de outra epopeia: a virada do Santos de Giovanni, nas semifinais daquela campanha. A grande história daqueles times de Fla e Flu, de qualquer forma, estava escrita. E continuará sendo relembrada por muito tempo, pelo gol de barriga, e também pela grandiosidade daquele jogaço.
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