Torcedores mistos: por que parte da torcida cearense nutre afeição por times de outras regiões? (Algumas causas)
TEXTO PUBLICADO NO BLOG ETERNAMENTE FUTEBOL, EM 07 DE AGOSTO DE 2010
As grandes redes de televisão têm suas sedes localizadas nas regiões Sul e Sudeste. As TVs locais reproduzem , quase em sua totalidade, as programações produzidas por essas redes.Elas ditam a moda, os costumes e, praticamente, formam a opinião pública nacional.E, é claro, influenciam diretamente para a escolha do time para o qual grande parte do povo irá torcer.
Num país em que o povo não lê, ama novelas, carnaval, futebol e bebida alcoólica a televisão acaba sendo mesmo o quarto poder, (embora se diga que é a imprensa em geral), inclusive, poder para determinar os times de maiores torcidas
Se o povo tende a escolher e seguir aos ditames da TV é natural que ele (o povo) seja influenciado a torcer para o time que mais vê na televisão.
Por que os times do Sul e Sudeste têm os "esquadrões" de maiores torcidas? Claro que um dos principais fatores é a transmissão para todo o território nacional dos jogos de equipes que têm como sede os estados das regiões Sul e Sudeste.
Os programas esportivos dedicados ao futebol cearense (irei reportar-me especialmente ao estado do Ceará) produzidos pelas emissoras locais de rádio e TV não chegam a muitas regiões do interior do estado cearense.
O público interiorano que gosta de esporte fica desprovido de informações sobre nosso futebol e impossibilitado de acompanhar pela TV ou rádio os jogos dos times "da terra".(Uma vez que os sinais de rádios e TVs com programações locais-de Fortaleza- não lhes chegam)e , por isso, eles passam a acompanhar via antena parabólica, diretamente, os jogos do eixo Sul-Sudeste e, naturalmente, desenvolvem simpatia por equipes dessas regiões. Por exemplo, uma TV aqui de Fortaleza, passou a transmitir os jogos do Campeonato Cearense de Futebol de 2010, mas a maioria dos torcedores que residem no interior do estado ficavam privados de acompanhar esses jogos porque o sinal da TV local (de Fortaleza) não lhes chegava .
Enquanto nós aqui da capital e Região Metropolitana estávamos assistindo aos jogos dos times cearenses, moradores do interior continuavam assistindo aos do Flamengo, Corínthians, SãoPaulo, Botafogo, Palmeiras,Internacional, Atlético de Minas, Grêmio, dentre outros.
Diante desse quadro, não é de se admirar que, segundo um Instituto de Pesquisa, o Flamengo do Rio tenha a maior torcida no interior do estado do Ceará, superando inclusive, as do Ceará e Fortaleza.
Cito um exemplo da influência da TV: numa determinada época fiz uma viagem a um interior do Ceará e lá só se assistia a programas retransmitidos do Rio e São Paulo. Eu só ouvia notícias do Sul. Parecia que nem estava no Ceará.
Além desse problema, há um outro que considero relevante. Acompanho o futebol cearense, também pelo rádio, desde os anos 1970. Desde essa época tenho percebido que é enorme a divulgação e declarações de paixão de radialistas esportivos cearenses por times de outras regiões.(No caso do rádio, os torcedores que sofrem influência são os de Fortaleza e região Metropolitana.) Até líderes de equipes esportivas consideradas tradicionais fazem declarações públicas de paixão aos times de outros estados:"O meu querido Vasco da Gama" afirma um,"O meu querido rubro-negro", dispara outro.E olhe que se dizem serem torcedores devotados a times de nossa terra.
Fica a pergunta: será que amam realmente o time "da terra"? Neste caso, se torcem por mais de uma equipe, a famosa frase"troca-se de mulher, nunca de time" perde sua validade. No meu caso, não sou torcedor apaixonado, nem fanático. Motivo? A paixão é passageira, prefiro amar meu time, pois quem ama, não troca, não abandona. Nem divide a afeição com outros.
É claro que as manifestações públicas de paixão de radialistas por equipes "estrangeiras" contribuem para que o torcedor torça, também, por times "de fora" e valorizem aquilo que nem conhecem.
Mas há algum problema em se torcer por times "estrangeiros"? Poderia perguntar-me alguém. Não, claro que não. Mas ao fazer isto estou sendo, no mínimo, incoerente. Como vou valorizar algo que não tem nenhuma relação direta comigo em detrimento daquilo que me dá o "ganha-pão"ou que me promove? (Neste caso, refiro-me não aos torcedores).Que está bem próximo a mim? ("Amai ao próximo", isto é, devo dar atenção,valorizar aquilo que está mais próximo, mais perto a mim).
Além disso, há o fato de não se estar contribuindo para a valorização, fortalecimento e crescimento de nosso futebol.
Radialista esportivo ou qualquer pessoa que trabalha em qualquer outro veículo de comunicação, que age dessa forma não deveria criticar a fragilidade de nosso futebol, uma vez que é, também, diretamente co-responsável por essa fraqueza.
Mas devemos considerar que isto (valorizar o que é alheio) é um problema cultural que herdamos do Brasil-colônia e que reproduzimos de geração em geração sem nos darmos conta disso.
Porém, é um costume que deve ser retrabalhado.Devemos aprender a valorizar aquilo que é nosso.Que tem relação afetiva direta conosco.(Isto não impede que se valorize e se respeite o que é também dos outros, por exemplo, noticiar os eventos esportivos de todas as regiões).
Se nossos times não têm relevância no contexto do futebol nacional ou não realizaram grandes conquistas (títulos nacionais, participação em torneios internacionais...), é dever de quem sobrevive ou se promove por meio desse futebol trabalhar pela valorização e fortalecimento dele.
Constata-se, ainda, que algumas emissoras de rádio AM de Fortaleza retransmitem programações esportivas do Rio e de São Paulo, colaborando para a divulgação e valorização dos times de outras regiões e, assim, aumentando cada vez mais a afeição de torcedores cearenses por equipes "estrangeiras". Essas emissoras dão destaque apenas às equipes do Sul e Sudeste.No caso do nosso estado, que tem uma equipe na Primeira Divisão, (não falo nem das outras divisões) o máximo que esses programas retransmitidos fazem é divulgar um resultado do Ceará ou quando o time fará a próxima partida.
Diante de tais situações como queremos que nosso futebol seja grande? Seria , para mim surpresa, se Flamengo, Corínthians ou qualquer outro time do Sul ou Sudeste não tivessem as maiores torcidas no interior do estado e um grande contingente na região metropolitana de Fortaleza.
É bom e útil que se reflita sobre as questões aqui levantadas (claro que existem outras que também deverão ser consideradas) a fim de que, futuramente, nosso futebol possa conquistar títulos nacionais, participar de torneios internacionais e, desta forma, nossas principais equipes passarem a compor o rol dos grandes times brasileiros , isto contribuiria fortemente para inibir a migração de afetividade de nossos torcedores para equipes "estrangeiras".
Tudo começa com pequenas mudanças de posturas...
Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues - Redator do Site Eternamente Futebol , acompanha futebol desde os anos 1970. Professor concursado da Rede Pública Estadual de Ensino do Ceará.
Possui especialização em língua portuguesa e literatura, autor do livro Palavras do meu sentimento.
Revisto e corrigido.