LADAINHAS - HISTÓRIA CANTADA

LADAINHAS - HISTÓRIA CANTADA

"Lá vem a cavalaria

da Princesa TEODORA...

em cada cavalo 1 sela,

em cada sela 1 senhora"!

(me. "SUASSUNA", 1972?)

Raras são as pessoas que veem nas ladainhas -- as antigas, pelo menos -- mais do que frases poéticas. Isso é um equívoco, pois sem jornais nem revistas nos sertões baianos ou nas periferias das grandes cidades, mais adiante, elas funcionavam como "rádios", registrando momentos e fatos acontecidos, consagrando nomes da época em que surgiram e -- pasmem ! -- "reprisando" trechos de CORDEL aprendidos por capoeiristas que sabiam ler, coisa incomum no início do século passado, 1910/20, por aí. Para quem não sabe, Dom Pedro I foi um mulherengo sem freios nem limites -- teria tido 29 filhos e filhas fora do casamento real, segundo livreto -- e possivelmente essa Teodora seria fruto de uma de suas inúmeras conquistas amorosas. Mas ladainhas não são apenas meras obras líricas e "chulas" e "corridos" estão repletos de registros que resistem ao Tempo ou (re)contam histórias do ignoto Passado. Gravação recente (2014?) dos mestres "Boca Rica" e "Bigodinho" são a prova maior desse "historiamento" a partir da música popular que o canto na/de Capoeira também é !

"Quem quizé peixe bonito

vá na Praia da Preguiça...

os "sordado" do Exército

'tão batendo na "Poliça" !

Essa "briga" é muito antiga... estávamos vindo de uma visita -- em 1976, na Lapa -- ao Grupo de mestre "Pitú", funcionando dentro de uma Entidade negra. Sofremos uma "revista" da Polícia na saída, todos menos eu, com "cabelo reco" de recruta do Exército. Esse "privilégio" soou pra mim como grave constrangimento !

Ladainhas têm citações geográficas ("Bahia, nossa Bahia, / capital é Salvador") e trazem roteiros turísticos ("Igreja do Bonfim, / e Mercado Modelo... / Ladeira do Pelourinho / e Baixa do Sapateiro"!) Disfarçam muito bem homenagens aos seus Orixás e Santos de adoração, "embutidos" na "veneração" (?!) a santos cristãos e Nossas Senhoras (Santa Bárbara relampeou... ê,ô)... nenhuma surpresa nisso, a Capoeira sempre foi um "camaleão", adaptando-se às situações e "incorporando" atos e práticas apenas para agradar o Grupo dominante. Foi preciso coragem muitas vezes... "Camafeu de Oxóssi" -- num disco que admiro demais -- não só registrou um lado inteiro do Candomblé que praticava como convenceu a Gravadora a pôr na capa (OBS: mais tarde trocada) os símbolos dos Orixás de proteção dele, marco histórico nos anos 60, com um Brasil inteiro católico e "exorcizando" as práticas religiosas de matriz africana. "Pontos riscados" são como BRASÕES e merecem um estudo, já que a África não conhecia a Escrita, até onde sei !

Mestre "Camafeu" é um oceano de informações sobre sua época e as anteriores: "Sou eu, HUMAITÁ"... qual seria esse/essa Humaitá ?! A Batalha em terra e rios, lá no Paraguai, em 1864/65, com milhares de escravos sendo obrigados a lutar por uma pátria e causa que não eram suas ?! A promessa de liberdade após ela não se cumpriu... dizem as más línguas que o termo "CABRA" surgiu por lá. Soldados brasileiros, mal armados e famintos, saíam pulando pelas trincheiras ao som das primeiras rajadas de mosquetes e "trabucos" dos inimigos. A estória carece de confirmação !

Em "Camafeu" a homenagem num "corrido" ao mestre "Paraná", lendário praticante só não sei se baiano. Mestre "Suassuna" consagra "BESOURO - Cordão de Ouro" que, na visão de meu irmão, talvez seja lenda ou farsa, pois com tantas peripécias na curta vida, teria que constar de notas policiais em jornais, se tivesse existido. "Camafeu" registra uma "lancha verde" e um rebocador... onde haveria na velha Salvador "que quem não conhece / não sabe dar seu valor" um rebocador, só usado para atracar navios de grande porte, no mínimo barcaças ?!

Há momentos de lirismo, poesia pura ditada pelo coração, nem por isso mensagem vã, além de trechos de CORDEL, o mais famoso é "Riachão 'tava cantando / na cidade de Açu...", fora o magnífico "ALGUÉM ME DISSE..." (...) "já me disseram/ que na outra encarnação / fui um homem muito rico, / que tinha muitas fazendas / e imensos canaviais.. / e que eu era um bom patrão!") que, ouvi dizer, seria de autoria de mestre "LEOPOLDINA", que o Rio todo conheceu. A questão DOS DIREITOS AUTORAIS parece não ter chegado aos "arraiais" da Capoeira... canta-se TUDO de todos, sem se preocupar com que seja o Autor. "A menina do sobrado / mandou me chamar / pra seu criado... / eu mandei dizer a ela / que estou vaquejando o meu gado"! Há algo mais simples e poético do que isso ? Num momento inspirado alguém produziu essa outra maravilha, que parece ter nascido no Cordel ou escrita por poeta convencional. Mestre "Boca Rica" nos apresenta diferente melodia (que não a do Grupo SENZALA) para o "corrido" que lhe dá seguimento, o "Titinho, ê":

"Certo dia, na janela,

na janela de um sobrado

vi uma moça chorando,

chorando pra se acabar.

Chore não, menina-moça,

que eu vim para te buscar...

vou levar você daqui,

vou levar p'ra outro lugar"!

(e continua..., etc)

Esse tema daria um livro... outro livro apenas para a história da FPC - Federação Paulista de Capoeira, que influiu por mais de 30 ANOS nos destinos da Capoeira nacional. E mais outro somente para pesquisar os arquivos sonoros de mestre CÉSAR (de SP), se vivo fôr, com acervo de mais de 100 discos LPs, gravações avulsas e até CDs, isso antes que tudo se perca !

Quanto às ladainhas, comecem a prestar atenção nelas, há muita HISTÓRIA e estórias em sua mensagem. Errei ao declarar (no texto anterior) que o "'Tava lá em casa" era de Pastinha ! Ao que parece, está no disco de mestre "CAIÇARA", outra obra muito folclórica ! Pombas, se "Baraúna CAIU... quanto mais eu, quanto mais eu"! Resta saber que foi Baraúna e se o "gajo" caiu mesmo ?! "Adeus, adeus, sereia... eu vou m'embora" !

"NATO" AZEVEDO (EM 27/JAN. 2019)