NUNCA É SÓ UM JOGO
26 de novembro de 2017 admin 0 Comentário
“A bandeira no estádio é um estandarte
A flâmula pendurada na parede do quarto
O distintivo na camisa do uniforme
Que coisa linda é uma partida de futebol”
(Skank)
Cresci sem me importar muito com futebol, embora meu pai fosse um torcedor roxo do Corinthians e da Internacional de Limeira – até adquiriu uma cadeira cativa no Limeirão para mim e outra para meu irmão. Eu via bandeiras do Corinthians, vi meu pai comemorando o título de 1977 do Timão e o Paulista do Leão, em 1986, mas eu não entendia quase nada. Não sei jogar futebol até hoje e isso me valeu uns bons anos detestando as aulas de Educação Física. Eu achava ilógica tanta celeuma por conta de uns caras correndo atrás de uma bola em campo. Mas eu não sabia de nada.
E então meu filho nasceu e cresceu, obviamente, torcendo pelo Corinthians, mais pelos avós do que por mim. Conforme ele ia crescendo e se apaixonando pelos jogos, campeonatos e conquistas, vi-me obrigado a entender um pouco daquilo tudo, para fazer parte também desse aspecto de sua vida. E, devagarinho, sem nem me dar conta, de repente lá estava eu assistindo, torcendo, sofrendo e comemorando em frente à televisão.
Desde então, eu fui gostando cada vez mais, torcendo com sinceridade, ou seja, já tinha me tornado um apaixonado por futebol, afinal, não se trata apenas de um jogo esportivo, é muito mais. Coisas inimagináveis acontecem em campo: as barreiras são quebradas, a solidariedade é disseminada, o choro é desabado, o respeito é alcançado, ou até mesmo esquecido. Quando o Corinthians foi campeão da Libertadores, eu e meu filho entramos no carro e, em plena madrugada, corremos para a casa do meu pai, para lhe dar um abraço – isso é união, é cumplicidade, é ato de amor.
O futebol é tipo um cartão de visitas em muitas rodas de conversa. Quando não se tem mais assunto, é só começar a falar de times e de jogos, que o papo se estende por horas. Meu círculo de amizades aumentou muito mais, depois que comecei a conversar sobre futebol, inclusive hoje prezo amigos verdadeiros que o futebol – mesmo que só na conversa, pois não jogo bola – trouxe para a minha vida.
No começo, confesso que torcia pelo time porque queria ver meu filho feliz. Quando o time perdia, eu me entristecia com a tristeza dele e não pelo jogo em si. Com o passar do tempo, porém, eu mesmo passei a sofrer e a comemorar, por mim mesmo, pois já tinha injetado o futebol nas minhas veias, sem me dar conta. Tem gente que não entende, mas o que o jogo nos proporciona, ao vermos o time vencer uma partida contra o time rival, vencer um campeonato, levantar uma taça, é tão intenso e tão indescritivelmente prazeroso, que só quem sente mesmo consegue conceber tudo aquilo. Da mesma forma, as derrotas também nos entristecem, tal como na vida – futebol é vida!
As lições que uma partida pode nos transmitir são muitas e por demais preciosas. Nem sempre vence o melhor, mas sim o mais equilibrado. Um jogador diferenciado, sem noção do coletivo, não consegue fazer muita coisa. Um erro pode desmontar todo um esquema. Todo mundo perde alguma vez. Ninguém vence tudo, todo o tempo. Um abraço que vem com o gol carrega uma sinceridade imensurável. Quem não sabe receber ordens não se mantém. Quem não gosta de seguir regras cai fora. É infinita a lista de aprendizados que este esporte transmite.
Infelizmente, há, também no futebol, lados ruins – é assim em quase tudo nesta vida -, como, por exemplo, as desonestidades nos bastidores, a violência, as brigas entre torcidas, que inclusive se estendem além dos muros dos estádios. Isso porque existem pessoas que se aproveitam de tudo e de todos, onde estiverem. Isso porque o fanatismo acaba roubando de cena o senso de competitividade saudável, extrapolando-se os limites entre o que é ou não permitido em nível de convivência entre seres humanos.
Porém, quem leva a vida de modo ético, sendo fiel aos seus princípios, pode amar o futebol de maneira saudável, aprendendo e vibrando a cada jogo, a cada gol feito, a cada drible, comemorando as vitórias e lamentando as derrotas dignamente, sem se ferir ou ferir alguém neste percurso. O que se vê ali, na tela, durante noventa minutos, é muito mais do que jogadores correndo insanamente atrás de uma bola. Trata-se de um grande espetáculo, onde solidariedade, superação, coletividade e competência caminham juntas, num misto de sentimentos que agigantam no peito. Porque nunca será apenas um jogo. Nunca.
Por – Marcel Camargo
Professor e Escritor