AFINAL, CAPOEIRA É LUTA ?

(OBS: somente hoje localizei no arquivo de emails esse antigo texto)

AFINAL, CAPOEIRA É LUTA ?

Quando alguém me pergunta se a Capoeira é luta de defesa ou de ataque respondo, sem medo de errar, que não é (ou não era) nenhuma das duas coisas. Ela é, antes de tudo, um misto de fuga (dos golpes) e de contra-ataque, (este com muitas firulas & negaças), porque assim ela foi criada. Daí que ao organizarmos o ensino da Capoeira segundo métodos "oficiais" estamos limitando-a a um universo muito pequeno para a sua exata dimensão.

A luta -- para nós capoeiristas próximos ou além dos dez anos de vivência com e na Capoeira -- é a de mostrar para os mais jovens esta significação oculta e maior de nossa Arte, em todos os momentos possíveis, pois ela nos foi transmitida (sem palavras) por nossos Mestres, com seu exemplo numa época de mais sensibilidade entre as pessoas, só que agora os tempos são outros e os jovens (pensam que) já nascem sabendo de tudo.

A luta mais premente, na década final deste milênio, é difundir a Capoeira onde e como se puder, sem no entanto esquecer que ela é, acima de tudo, jogo de libertação (em todos os sentidos) e expressão maior de um povo que, sem nada nem ninguém, conquistou sua liberdade e vem lutando para manter a música, a dança, as crenças e as tradições de seus antepassados. A luta mais importante é tratar com carinho quem se interessar em aprender nossa Arte -- mesmo os que venham apenas com o intuito de "lutar" -- e acender no íntimo de cada um a sua própria personalidade, provar o quanto é necessário desenvolver a sua individualidade, o que você realmente é, com seus gostos e seu modo de ser.

A luta mais árdua é impedir que jovens (que não se enxergam) saiam por aí ensinando outros a dar tapas & pontapés, afirmando que Capoeira é isso e que o essencial em sua "aula" é um uniforme bonito e roupa limpa.

E quando alguém perguntar: -- "Afinal, Capoeira é luta?", você responderá com um sorriso que "Capoeira é muita coisa mas é, principalmente, muita luta... " para não deixar morrer os quase vinte toques de berimbau que ela possui e os muitos modos de praticá-la (inclusive em têrmos de roupas, navalhas, chapéus, etc) e, acima de tudo, para cessar a música de uma roda quando irmãos de Capoeira (ainda) ignorantes de sua Arte & História se agarram e se agridem.

Viver é lutar (e, às vezes, vencer) mas é sempre resistir ! Resistir, resistir, resistir... esse é o ideal da Capoeira !

"NATO" AZEVEDO

(OBS.: publicado no jornal DIÁRIO DO PARÁ, em 12/agosto 1988, por extrema gentileza do jornalista CLÉODON GONDIM.)