O legado da copa

Muitos consideraram um erro fazer a copa do mundo no Brasil. Alegaram que os investimentos necessários para a realização do evento teriam tido muito melhor emprego se aplicados nos setores educacional ou de saúde. A discussão é antiga. Mantenho o ponto de vista de que, bem gerenciados, os recursos necessários para a realização da copa se pagam a si mesmos, gerando ainda muitos lucros, ou seja, o evento pode, e deve, ser economicamente viável.

No entanto, houve muitos erros; por que aconteceram? Existiram nossos erros crônicos, como a corrupção generalizada. Ela, no entanto, tem estado em evidência ultimamente, o que a reduz fortemente. O barulho e as luzes sobre a corrupção são sinais de que as falcatruas estão sendo vigiadas, ao menos. Deve ser investigada com atenção.

Houve outros erros? Creio que sim. O Brasil sempre esteve na periferia do cenário mundial, é a primeira vez que figuramos em primeiro plano, como estrelas (fora do noticiário policial, com chacinas; ou de calamidades decorrentes da miséria). Isso é muito bom sinal.

Sem nenhuma experiência nesse primeiro plano do cenário, no entanto, permitimos a ocorrência de alguns erros grosseiros. O maior deles decorreu da aceitação incondicional das exigências dos estrangeiros, no caso, os notórios corruptos da FIFA. Foram aceitas entre outras: a zona de exclusão ao redor dos estádios em dias de jogos, venda de bebidas alcólicas nos estádios, a retirada de fossos ao redor dos campos. Inúmeras exigências completamente absurdas aumentaram os custos dos de construção e manutenção dos estádios. Jogos ocorrendo à uma da tarde para satisfazer pessoasdistantes. O local de treinamento de atletismo do Rio de Janeiro, às vésperas da realização das olimpíadas, foi transformado em estacionamento para a comodidade dos representantes da FIFA. A falta de experiência nos predispôs aos erros, devemos aprender com eles.

Duas grandes lições muito simples: panela em que todos metem a mão, desanda, todos sabemos disso. Foi permitido, no entanto, que a FIFA metesse o bedelho em cada detalhe das obras, o que levou a outro erro: a construção de quimeras.

Quimeras são animais mitológicos compostos por partes de animais distintos. Ao aceitar as exigências da FIFA se obrigaram a incorporar concepções estrangeira às nacionais, nem sempre acopláveis. A retirada de fossos dos estádios foi uma delas, completamente disparatada, acarretará enormes custos e insegurança, injustificavelmente.

Os estádios são pequenos: em 1950 o maior estádio do mundo o Maracanã, foi palco da final da copa, que recebeu o dobro de espectadores que receberá agora, quando a cidade do Rio, o país e o mundo já cresceram tanto. Poderia facilmente receber o dobro que da vez anterior, o que realçaria tremendamente o espetáculo tranformando-o em um fenômeno ímpar. Porque isso não ocorreu?

Creio haver uma concepção de mundo onde certas incongruências são descabidas. Era motivo de orgulho dos brasileiros possuir o maior estádio do mundo, transformado agora em uma areninha reles, ao custo de bilhões! Não cabia, nessa concepção, a existência do maior estádio do mundo em um país periférico, de terceiro mundo; foi necessário destruir o existente (e por bilhões, BILHÕES!).

Além dessa necessidade estranha, vejo outra ainda mais mesquinha: a necessidade de escassez. Estádios adequadamente dimensionados comportariam a demanda, caso subdimensionados seus ingressos tornam-se alvo de cobiça e, consequentemente de poder. Também se tornam mercadorias valiosas no mercado negro; os mercenários da FIFA fizeram enormes fortunas com a venda de ingressos no câmbio negro, a preços exorbitantes.

Suponho que a falta de experiência no primeiro plano do cenário mundial tenha favorecido a ocorrência de tantos error, e tão caros. Creio, no entanto, ter havido uma enorme propaganda para o país. Suponho que nossa periferia tenha ficado muito mais conhecida e simpática aos olhos do mundo.

Para o futebol, contudo, o legado da copa será uma lástima. Herdamos estádios inseguros e de manutenção caríssima. As cadeirinhas das arquibancadas, por exemplo, não aguetam um tranco; serão todas destruídas na primeira revolta, ou briga de torcedores. Aliás, serão transformadas em armas, nesses casos. A ausência de fossos onerará enormemente a segurança nos estádios. Serão necessárias amplas reformas para reduzir custos e aumentar segurança.

Estádios de propriedade de clubes receberão tais reformas com agilidade; alguns dos clubes proprietários desses estádios talvez até se beneficiem com eles. Onde os estádios não pertencem a clubes, o futebol definhará. Todos tentarão abocanhar os lucros e empurrar os custos exorbitantes das quimeras para os outros. Os resultados serão estádios sucateados em breve período. Creio que em 3 anos, desses, restarão apenas ruínas.

Assim como o Maracanã, o futebol brasileiro já foi o maior do mundo; continuará tendo o tamanho de seus estádios. Esse será o maior legado da copa.